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240915 bisBrasil - Esquerda Diário - [Giovanna Milhã] No mês em que comemoramos a visibilidade bissexual, cabe traçar um paralelo entre duas especificidades, a raça e a sexualidade.


Os papeis sociais impostos atualmente são determinações históricas. Os homens e as mulheres nos primórdios da sociedade sedentarizada se dividiam pelas necessidades do trabalho em espaços públicos e privados, respectivamente. É fundamental atentar para este fato ao discorrer sobre a sexualidade de ambos os gêneros, pois aos homens era dado o direito de estar cotidianamente nos ambientes sociais e, portanto, políticos, enquanto às mulheres era delegado o espaço interno e familiar de seus lares.

A divisão sexual do trabalho, ou seja, o modo como as pessoas de gêneros diferentes se articulam em função de suas ações sociais e obrigatórias torna-se naturalizada perante a sociedade, legitimando a exploração e as opressões.

Formação das classes brasileiras, modernidade e opressão de raça e gênero

No Brasil, a formação das classes está intimamente ligada ao racismo, porque a burguesia nacional se consolidou mediante a escravidão dos povos africanos. Eles vinham ao país para serem explorados e eram usados como mercadorias a serviço dos senhores de engenho, proprietários brancos.

A classe dominante era refém da metrópole portuguesa por não possuir independência política, ao mesmo tempo que a quantidade de pessoas negras vivendo em condições insalubres e desumanas era muito superior ao número de proprietários brancos. Sendo assim, era necessário criar instrumentos ideológicos capazes de conter aquela população. Um deles foi o branqueamento racial.

O branqueamento racial foi projetado para em cem anos extinguir os negros do Brasil, homogeneizando a nação a ser ainda construída, a medida em que incentivava a imigração europeia e as relações interraciais, não necessariamente consensuais. Nasce a cultura do estupro, tendo como jargão, até meados do século XX, "não existe mulata* senhorita". Senhorita era um termo da época para se referir às mulheres não mais virgens cujas virgindades podiam ser tomadas a qualquer momento pelos homens brancos com a proteção da lei, ou seja, a garantia da impunidade. A ideia transmitida era de objetificação e hiperssexualização do corpo negro, excluindo assim sua autonomia, liberdade e complexidade subjetiva. O propósito era pro progresso, seguindo uma lógica positivista.

Direito ao corpo e moralidade cristã

Em nossa sociedade é vigente uma moralidade, construída historicamente por nossas bases cristãs em convergência com a ideologia burguesa, que tem como princípio a negação ao corpo. Para as instituições religiosas cristãs, o corpo tem como objetivo a servidão ao sagrado, enquanto para a burguesia ele serve ao lucro. O setor oprimido e explorado tem, portanto, acesso a uma ideologia dominante que lhe ensina que sua sexualidade existe em função apenas da reprodução. Há uma norma para o sexo.

O impedimento a livre expressão de todos os prazeres se dá tanto com as jornadas exaustivas de trabalho por impedir que as mulheres negras, parte constitutiva da classe trabalhadora, possam explorar suas necessidades subjetivas e físicas, quanto com a objetificação e a hiperssexualização de seus corpos. É possível perceber perante este quadro que a elas o direito de serem sujeito de suas próprias vidas é negado. A miséria da sexualidade está ligada a dominação. A moralidade promove um desconhecimento do próprio corpo, um horror a masturbação e uma aversão ao sexo entre pessoas do mesmo gênero.

A bissexualidade é uma orientação sexual que consiste no desejo de manter relações interpessoais com pessoas de ambos os gêneros, homens e mulheres. Sendo elas cisgênero ou transgênero. Tal sexualidade entra em choque com as normas preestabelecidas e, portanto, é reprimida e invisibilizada pelos setores mais conservadores, pois o interesse destes é a manutenção da moral hegemonica. É vista por muitos como uma opção daqueles que buscam a promiscuidade e preferem se manter na indecisão.

As opressões e a exploração de classe se interrelacionam durante a história e são perpetuadas de modo a moldar as condições das vidas das pessoas. A herança escravocrata, o patriarcado e desigualdade social estão presentes diariamente na vida das mulheres negras desencadeando em um fenômeno chamado solidão. O sentimento de solitude é cotidiano tanto pela falta de relacionamentos amorosos quanto pelas dificuldades familiares e profissionais que recaem em suas costas. A mulher negra é obrigada a ser forte, e sozinha.

Ao passo que as duas especificidades se relacionam, negritude e bissexualidade, há um agudizamento distinto das barreiras que a mulher negra terá que enfrentar e a solidão se intensifica. A necessidade binária daqueles que rodeiam a mulher negra e bissexual é fruto da falta de informação proposital dos meios de dominação ideológicos.

Empoderamento ou emancipação?

O capitalismo é um sistema político-econômico capaz de lucrar com as opressões. O termo indivíduo surge na ascensão da burguesia, pois cria-se a ideia de ser particular que não pertence a nenhum grupo social, exceto pelo seu poder de compra. Tal ideologia passa a ser naturalizada e, portanto, torna-se normal ao senso comum. Sendo assim, as opressões deixam de ser vistas como jugo da classe dominante para se perpetuar em suas posições privilegiadas.

Os setores oprimidos têm suas especificidades resumidas ao campo individual, ou seja, os problemas referentes as misérias cotidianas a que estão expostos são comumente tratadas como questões dos indivíduos que podem ser superadas a partir da transformação particular. Desta forma, há uma individualização do processo emancipador. A debilidade desta estratégia é a incapacidade de traçar um paralelo entre a subjetividade e as bases materiais capazes de estruturar e reproduzir a opressão enraizando suas contradições.

Pautar as questões democráticas - relativas a opressão - somente pelo fortalecimento das expressões culturais e a mudança da linguagem, buscando empoderar os oprimidos, não chega na raiz do problema. É preciso mudar as relações econômicas e sociais rumo à emancipação de toda a humanidade.

* O termo “mulata” é cotidianamente empregado às mulheres negras. Seu nascimento é uma derivação da palavra “mula”, animal estéril comumente usado para os serviços de carga. Registros indicam que há mais ou menos 400 anos, ainda no período escravocrata brasileiro, a palavra começou a ser usada para se referir aos filhos de negros com brancos. A carga negativa do termo se dá ao negar os privilégios que as mulheres brancas possuem, ao mesmo tempo, que lhes rouba a identidade negra.


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