Imagem: foto de Bolina mais charge de Vitor Teixeira.
Após o ocorrido, a modelo, que teve seu cabelo raspado, foi espancada e fotografada com os seios completamente expostos e o rosto desfigurado – foto a qual não será publicada aqui por respeito a Verônica. Apesar desse quadro gravíssimo de humilhação e abuso de poder contra a modelo, a agressão policial não vem recebendo a devida indignação e revolta, uma vez que a Verônica Bolina é uma travesti.
Por serem travestis ou transexuais, pessoas como Verônica têm seus corpos violentados e seus direitos violados sem provocar qualquer choque ou revolta. Quando uma travesti é encontrada jogada em um matagal, assassinada após ter sido torturada e estuprada, não há qualquer manchete ou matéria nos jornais, nem mesmo aquelas que exploram o sofrimento dos familiares da vítima para aumentar a audiência. Todos os dias, incontáveis travestis são agredidas e violentadas, muitas das quais acabam mortas – e absolutamente nada é feito para que esse tipo de violência seja apurada e combatida.
Em uma cultura tão misógina como a brasileira, a raiz dessa questão é evidente. Nossa sociedade não suporta as travestis, negando-lhes os direitos mais básicos. Porém, cada uma delas sofre e luta por uma sobrevivência suada, custosa e muito difícil. As travestis e transexuais são excluídas das escolas, impedidas de acesso a educação, são enxotadas quando buscam emprego e recriminadas, em muitos casos, por terem como meio de sobrevivência a prostituição. Ninguém lhes oferece alternativas tanto quanto apontam-lhes dedos. A dolorosa realidade é que vivemos em um sistema milimetricamente construído para marginalizar as travestis, levando-as à prostituição como única alternativa para sobrevivência, para, ao mesmo tempo, rechaçá-las por se prostituírem.
Por isso, muitas pessoas acham normal e até espumam de ódio – ou prazer – quando as diversas "Verônicas" aparecem humilhadas, expostas e violadas. Gente que tem o cinismo de se dizer "de bem", mas que é incapaz de sentir empatia e enxergar o que há de errado em casos como o de Verônica Bolina. Afinal, que tipo de pessoa sentiria prazer e validaria uma agressão como aquela? Nenhum ser humano com um mínimo de decência aprovaria o espancamento, desfiguramento e despimento público de ninguém. O fato de que existem pessoas extraindo satisfação do sofrimento de Verônica é extremamente perturbador e preocupante.
Não importa se Verônica estava detida ou pelo que foi acusada. Nenhum policial tinha o direito de espancá-la e humilhá-la. Nenhuma pessoa, não importa a farda que use, tinha o direito de despi-la e fotografá-la para que fosse exposta. Além disso, independente do que possa ter feito, Verônica tem direito a uma defesa; seu caso precisa ser devidamente averiguado e ela precisa ter, no mínimo, acesso a um advogado e a um bom atendimento psicológico. Precisamos de dedicação para lutar e cobrar providências; Verônica merece nossa voz e nossa indignação mordaz contra o sistema transfóbico do cárcere e da sociedade.
Ao final de tudo, o maior desafio será despertar na sociedade a consciência de que Verônica, travesti e negra, é uma pessoa humana. Apesar de estarmos muito longe de conseguir essa conquista tão simples, se rompermos o silêncio em favor de Verônica, estaremos mais próximos de atingir o objetivo. Precisamos nos unir para gritar "basta!". Verônica Bolina, assim como qualquer outra pessoa, merece ser tratada com respeito e dignidade.