"Vim ver para crer", disse Chico César logo que colocou os pés no solo seco e árido do que, há alguns meses, era o fundo do reservatório Atibainha, no Sistema Cantareira. O músico não acreditava na dimensão do problema, mas ao ver a seca bem diante de seus olhos, constatou: "Nasci disso", colocando a escassez de São Paulo, evidenciada naquele ambiente, aos níveis de sua terra natal, Pernambuco.
Ter a vivência de pisar no cenário que mais representa o "princípio do fim" causado pela degradação que culminou na maior crise hídrica do estado de todos os tempos foi exatamente o intuito do encontro realizado na última quinta-feira (26), na cidade de Nazaré Paulista, em uma das principais represas do Cantareira. Ambientalistas do Greenpeace e da Aliança Pela Água, ativistas, jornalistas da mídia alternativa e internacional, músicos como Chico César e a banda Metá Metá puderam, em uma oportunidade inédita, dialogar sobre o problema olhando diretamente para ele e, mais do que isso, ocupando seu espaço físico.
"Chegamos ao fim do mundo. Daqui a uns anos, vou falar para as pessoas que eu vi o fim do mundo em 2015 e sobrevivi", brincou, sem conseguir esconder o estarrecimento, Kiko Dinucci, músico do Metá Metá.
Misturando os sentimentos de consternação e curiosidade, as quase 30 pessoas presentes fizeram do chão seco e rachado, onde antes era completamente coberto por água, o palco perfeito para a troca de informações e experiências diante da constante falta de transparência da imprensa e do governo para com a crise hídrica. Lá, eles viam o que as manchetes e os informes do poder público não mostram.
Entre um craquelê e outro, uma nova ideia, uma dúvida tirada e uma articulação planejada. Foi exatamente essa a ideia dos ativistas Rafael Poço, Pedro Telles e Márcio Black ao convidar todas essas pessoas para passaram um dia no Cantareira. "A forma como a mídia trata o tema é superficial. Por isso, chamamos a mídia alternativa, os artistas e os ativistas, para ver de perto o que acontece e passar a versão completa dos fatos. Assim, é possível se articular e trazer à tona outras histórias", afirmou Pedro Telles.
Ainda que a vegetação que nasceu no solo – que antes só se acessava mergulhando – sinalize algum ligeiro avanço, o período de escassez desse ano se aproxima e a garantia de abastecimento continua incerta. Para quem pisou no coração do problema na última quinta-feira, no entanto, há uma certeza: novas narrativas sobre a crise da água vêm por aí.