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esnecropsia iBrasil - Diário Liberdade - [Edu Montesanti] A espuma de poliuretano contida na boate Kiss como isolamento acústico é um dos objetos de investigação policial mais minuciosos.


Não foi um simples acidente, foi um crime que envolve muitas pessoas vítimas da ganância, da corrupção e da falta  de humanitarismo. Nunca vou ter certeza, mas provavelmente minha filha e muitos que lá estavam, mesmo vendo o que  estava acontecendo, não pensaram que iriam morrer. Trancaram a única saída que as vítimas tinham, tiraram qualquer  chance de escaparem. Posso estar confusa nas ideias, mas acho também que não teria havido tantas mortes se não houvesse o maldito material tóxico [espuma de poliuretano] que liberou o gás da morte [cianeto]. Se fosse simplesmente  fogo sem o gás muitas pessoas mais teriam escapado, por isso acho que o fabricante desse produto deveria ser responsabilizado também, e muito, pelo que ocorreu. Não foi acidente! Foi assassinato em massa sem chances para  quem estava lá dentro, porque mesmo para aqueles que conseguiram sair e sobreviver, nunca mais levarão uma vida normal: viverão com sequelas física e psicológicas para sempre, marcados para sempre e não se sabe por quanto tempo. Quantos anos de vida terão?

Denise Zimmermann Darif, 48, da cidade de Guaraciaba-SC, mãe de Thaís Zimmermann Darif, 20, estudante de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria, uma das 242 vítimas fatais da boate Kiss.

A espuma de poliuretano contida na boate Kiss como isolamento acústico, o qual incendiou e liberou gás cianeto através do lançamento de proibido fogo de artifício pela banda que ali se apresentava na noite de 26 para 27 de janeiro de 2013, a Gurizada Fandangueira (supostos produtores de cultura medíocres, irresponsáveis e gananciosos), é um dos objetos de investigação policial mais minuciosos, pois além de uma das diretas causas das 242 mortes há quase dois anos na acolhedora cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e de ter deixado 623 sobreviventes com sequelas que os acompanharão para o resto da vida, incrimina diretamente: 

Os sócios da boate; a empresa Cantegril localizada na cidade de Viamão, Grande Porto Alegre, importadora e ao mesmo tempo fabricante do produto por não informar (até os dias de hoje) os riscos ali contidos no caso de a espuma ser queimada, comercializando-o, assim, para fins equivocados; o Município de Santa Maria, já que suas leis vetam claramente o uso de tal material em estabelecimentos fechados; o Corpo de Bombeiros da cidade (órgão de competência do governo do Estado do Rio Grande do Sul) pela emissão irresponsável de alvarás de prevenção a incêndios à boate, além do fato de a corporação ter estado, por anos até a noite mais infame da história da cidade, emaranhada em casos de corrupção que a impediu de atender minimamente à sociedade no momento do incêndio (conforme abordado em A Noite Infame e os Dias Subsequentes, fato a ser discutido ainda com mais detalhes na reportagem sobre a liberação de alvarás, nas próximas semanas); e o governo federal por permitir a importação e mesmo a fabricação nacional do produto sem as devidas exigências, através da Anvisa (órgão de vigilância sanitária) para segurançam - por exemplo não fiscalizando informações nas embalagens do produto, e nem providenciando, através do Ministério da Saúde, o antídoto para o caso de liberação do gás cianeto uma vez que a espuma seja queimada, o qual mata rapidamente. Além da própria banda Gurizada Fandangueira, acusada pela Polícia de crime doloso, assim como os proprietários da boate. 

E se não bastasse, as informações passadas pelo Inmetro com exclusividade a esta reportagem tornam mais grave a culpa do governo federal na tragédia em Santa Maria.

"Fator determinante no resultado, porque é combustível altamente inflamável e tóxico" segundo o Relatório Definitivo da Polícia Civil sobre o Incêndio da Kiss concluído em 22/3/2013, a espuma para isolamento acústico foi colocada na boate Kiss no segundo semestre de 2012, contra poluição sonora que, desde a abertura da boate em 2009, vinha perturbando vizinhos. Desta maneira, optou-se pela espuma mais econômica, assim como ocorre ainda hoje nas mais diversas casas noturnas Brasil afora. O país da impunidade e da ausência de memória.

Desde a inauguração da boate Kiss, em 31 de julho de 2009, até madrugada da tragédia, vizinhos reclamavam da intensa perturbação emitida pelo som da casa noturna, o que levou alguns desses moradores a se mudar dali segundo depoimentos à Polícia Civil da cidade à Polícia Civil da cidade. Houve também declarações à Polícia além de documentos arquivados no Município, de que diversos desses moradores providenciaram abaixo-assinado e inúmeras reclamações pessoais junto à Prefeitura de Santa Maria. Tudo isso sempre foi amplamente sabido na cidade antes da tragédia, segundo fontes procuradas por esta reportagem - inclusive pela Superintendente de Assistência Social, Ione Lemos.

A colocação da espuma de poliuretano pelos sócios da Kiss, sem nenhum aval profissional e precária fiscalização por parte do Poder Público, jamais serviu para sanar o grave problema. Segundo os vizinhos da boate ouvidos pela Polícia, as dependências de suas residências (janelas, portas, lustres, parede, etc) vibravam fortemente por causa do ensurdecedor barulho noturno proveniente da casa noturna, relatado por alguns no Inquérito Policial como semelhante à turbina de um avião.

Em um dos casos, houve agravamento da insônia com necessidade de ampliação da dose dos fortes medicamentos. Muitos outros que não podiam se mudar da vizinhança como fizeram alguns, constantemente passavam a sexta-feira à noite e os fins de semana fora de casa "para descansar". Sair de casa para descansar da condição insuportável de morar ao lado de uma boate que, em nome do lucro desenfreado (os sócios alegaram à Polícia que o investimento fora muito alto, daí a necessidade de a casa funcionar de qualquer maneira), mudava a vida deles por completo, e estava prestes a mudar a vida de toda a Santa maria da maneira mais trágica possível, ceifando a vida de 242 pessoas, mais as mortes indiretas e centenas e centenas de familiares que nunca mais tiveram a mesma vida que antes da madrugada de 27 de janeiro de 2013.

Quanto aos shows pirotécnicos com fogos de artifício, repetiam-se frequente e ilegalmente na Kiss desde seus primórdios segundo a Polícia baseada nas mais diversas testemunhas e em documentos, configurando-se outra causa direta da tragédia e o perfeito retrato da irresponsabilidade e da ganância de músicos que funcionam muito mais como passageiros animadores de auditório que como promotores de cultura, de empresários sem o menor escrúpulo e dos corruptos fiscais municipais, muito bem conhecidos em todo o país por se moldarem perfeitamente em um sistema nacionalmente mafioso, que rege altivamente as relações sociais, políticas e econômicas.

Sobre ambas as questões, foram ouvidos com exclusividade por esta reportagem todos os lados em questão, e nem todos se saíram bem nas colocações, como era de se esperar. Vale notificar: dentre as instituições públicas procuradas, a Prefeitura de Santa Maria diretamente através de seu chefe, o prefeito e jurista Cezar Schirmer (PMDB) foi a que mais se mostrou disposta a falar. Logo de início, o prefeito Schirmer afirmou que responderia a tudo pois, para ele, não existem perguntas ruins. 

Dali em diante, foram cerca de 6 horas de entrevistas apenas com ele, mais de 15 com seus funcionários mais próximos, sempre com amplo envio de documentos. Isso não significa que o chefe de governo santamariense e seus agentes não tenha se esquivado de algumas questões, conforme veremos aqui e nas próximas publicações.

Santa Maria: Almas que Choram

Cianeto, mesmo gás usado pelos nazistas durante a II Guerra Mundial a fim de exterminar seus inimigos. Cianeto, em Santa Maria queimado por artefatos lançados irresponsavelmente por uma banda gananciosa, ceifou 242 vidas na fina-flor da idade e, das várias que esta reportagem tomou conhecimento, pessoas brilhantes com um futuro promissor ao Brasil da ausência de memória, da alienação, da apatia e do individualismo. E da corrupção declaradamente enraizada na política e na sociedade. 

Tudo isso incentivado pelas classes dominantes e pela grande mídia reducionista que possui hoje o mesmo caráter de 31 de março de 1964, e dos 21 anos que seguiram aquele dia os quais ela mais que apoiou: promoveu. Um universo que glorifica os iguais, a estupidez e a ignorância. O oposto a isso representa ameaça ao poder estabelecido com seus privilégios, muitas vezes criminosos a exemplo dos envolvimentos da tragédia em Santa Maria. 

Decorrente disso, aqueles que têm a nação e seus rumos na palma da mão trataram de jogar no esquecimento mais um capítulo do nosso espetáculo do horror, ditando o pouco que ainda se deve dizer e acreditar em relação à tragédia em Santa Maria. 

Foram 242 vidas interrompidas criminosamente, repita-se, repita-se sempre, que leva pais a dizerem, atônitos, o que disse a esta reportagem Paulo de Carvalho, pai de Rafael Paulo Nunes de Carvalho, vendedor, 32, uma das 242 vítimas fatais da Kiss

Esse dia [da tragédia] não passou e nunca sabemos como vamos reagir. Ao mesmo tempo, parece que  faz muito tempo que ocorreu devido à tanta dor e tanta coisa que tem acontecido. Às vezes, parece que vamos conseguir ser fortes e por algumas pequenas coisas caímos. Mas felizmente, até agora, sempre levantamos seja por apoio, seja por pessoas que ajudam mesmo à distância, que escrevem, que entendem...

Em outras conversas com o Paulo, ficou claro que ele e muitos outros familiares de vítimas acordam cada dia pela manhã pesados, pesarosos como se tudo tivesse ocorrido ontem, já há quase dois anos da tragédia.

Disse Ariane Floriano, mãe de Rogério Floriano Cardoso, 25, cabo-armeiro do Exército santa-mariense, uma das 242 vítimas fatais da Kiss:

Acordo de manhã querendo que chegue logo a noite esperando que ele [o filho] volte, e à noite quero dormir logo para aliviar a dor... que chegue logo o outro dia.

Prefeitura e Espuma de Poliuretano: Desconversando

esnecropsia iiNas mais de 150 horas de entrevistas desta reportagem com todos os lados envolvidos na tragédia, a questão da espuma causou notável, profundo mal-estar em diversas partes envolvidas: em alguns casos, evitou-se de todas as maneiras falar no assunto como será visto aqui, e em outros casos o muito pouco que se falou, foi suficiente para contradizer-se, alterar-se e até mentir.

Existe em Santa Maria a Lei 3301 de 1991, que proíbe a instalação de espumas em estabelecimentos públicos fechados, tais como cinemas, teatros, boates e assemelhados. Em 15 de outubro de 2013, Walter Cabistani, professor de Matemática da UFSM e assessor Jurídico da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), além de pai de Walter Mello Cabistani, 20, uma das 242 vítimas fatais da Kiss, enviou com exclusividade a esta reportagem requerimento da AVTSM ao Ministério Público (MP) da cidade da tragédia [documento anexo, AVTSM], questionando, entre outras coisas, se tal órgão sabia da existência da Lei 3301/91: nunca obteve resposta para o documento publicado aqui, de maneira inédita na mídia.

Perguntado se há alguma lei em Santa Maria que proíbe a utilização de espumas em estabelecimentos públicos fechados, o prefeito Cezar Schirmer (não) respondeu:

Desconheço este grau de detalhe. A espuma é utilizada em colchões. Não há proibição na lei federal, e nem estadual. No que diz respeito à Prefeitura, a Lei Estadual é clara: a competência é dos Bombeiros. O primeiro documento [liberado à Kiss] foi dos Bombeiros, em 2009. Depois disso, o sanitário, ambiental, de localização... [de competência da Prefeitura].

Indagado logo em seguida sobre requerimento encaminhado ao Ministério Público (MP) de Santa Maria por parte do sr., exigindo explicações sobre a colocação da espuma na boate, material proibido pela Lei Municipal 3301/91 não apenas em estabelecimentos fechados, mas também em estabelecimentos de reunião de público tais como cinemas, teatros, boates e assemelhados, o prefeito Schirmer, novamente, (não) respondeu: 

Não posso afirmar sobre isso. Na medida em que o alvará cumpre a legislação vigente, presume-se que a legislação estadual bem como a federal e a municipal estão cumpridas. Se você quiser mandar o documento [de Cabistani ao MP] posso responder. A prefeitura não foi comunicada da colocação da espuma.

O prefeito afirmou ainda que a espuma havia sido colocada na boate no final de 2012, e que a inspeção municipal anual acontecera no início do ano, portanto antes da colocação do produto. Porém, a data da colocação da espuma apresentada pelo prefeito Schirmer não confere, segundo investigação policial: notas fiscais atestam que passaram a ser compradas pelo sócio da boate, Elissandro Spohr, em setembro de 2011, e depoimentos indicam que logo passaram a ser instaladas na Kiss. Em depoimento à Polícia, o sócio dev Spohr, Mauro Hofmann, confirmou que quando se associou à Kiss em 1º de setembro de 2011, já havia espuma em toda a lateral da boate.

Em posterior entrevista a esta reportagem, acrescentou o prefeito Schirmer:

Quando a Prefeitura autorizou [o funcionamento da Kiss], havia todos os documentos. As atividades da boate foram embargadas pela Prefeitura [apenas teoricamente através de documento, em 2011]. Houve muitas autuações da Prefeitura [em forma de multa]. Desde abril de 2012, tudo estava regular.

À época da criação dessa lei, em 91, eu nem sei se existia essa espuma. Não conheço esse detalhe. No tempo que eu frequentava boate, colocavam caixas de ovo para evitar barulho.

Sobre isso, esta reportagem contestou: "Em se tratando da maior tragédia da história de Santa Maria, e do segundo incêndio mais mortal da história do Brasil, o senhor até hoje diz não saber do que se trata a espuma contida na Kiss que causou as mortes, enquanto é acusado de omissão pelos familiares de vítimas e sobreviventes. Não acha que deveria saber do que se trata o material?", ao que o prefeito respondeu:

Isso é um assunto técnico de químico, engenheiro, eu não sou técnico, sou advogado. Se me perguntarem de lei, respondo. Essa espuma libera... cianeto, correto? Existe alguma lei federal que a proíba após a tragédia?

Nossa colocação, "lei federal não, mas municipal em Santa Maria, sim", ao que o prefeito apontou: Mas quem deveria ter visto, eram os Bombeiros.

Mais questões da espuma observadas pelo prefeito de Santa Maria serão discutidas abaixo, e mais especificamente as da liberação de alvarás envolvendo também a espuma, com mais detalhes em uma próxima reportagem com ampla apresentação de documentos por parte da Prefeitura e da Polícia Civil de Santa Maria.

esnecropsia iiiA partir da conclusão da primeira parte do Inquérito Policial sobre a tragédia, em 22 de março de 2013, o clima efervesceu na acolhedora Santa Maria, entre acusações de todos os lados de politização da tragédia. Agentes da Prefeitura fazem tal afirmação contra a mídia, a Polícia Civil da cidade que investigou o incêndio, determinados santamarienes não relacionados à tragédia e até alguns pais de vítimas, especialmente os da AVTSM e do Movimento do Luto à Luta, que constantemente protestam tanto em Santa Maria quanto na capital gaúcha de Porto Alegre por justiça.

No que diz respeito à mídia, é fato inegável que tenta jogar toda a culpa sobre a Prefeitura da cidade, enquanto nunca abordou, no pouco tempo que cobriu o incêndio da boate Kiss, cheia do mais baixo sensacionalismo, as responsabilidades dos Bombeiros - logo, do Estado do Rio Grande do Sul -, e muito menos do governo federal.

Sobre isto, reclama o prefeito Schirmer: "Gostam de cobrar somente a Prefeitura. Por quê?", observando que sempre que solicitado, recebe familiares de vítimas para diálogo, fato confirmado por familiares de vítimas. O prefeito relata um dos casos de boatos espalhados pela cidade a fim de prejudicar sua imagem, e jogar os sofridos familiares de vítimas contra sua administração: "Espalharam pela cidade que o Natal teria o lema, "Melhor Natal de todos os tempos', o que era mentira. Imediatamente, alguns pais de vítimas [da AVTSM e do Movimento do Luto à Luta] me procuraram, e os recebi. Tudo ficou esclarecido".

Perguntado por esta reportagem se a cobrança à Prefeitura não se dá pela proximidade desta da sociedade, Schirmer respondeu: "Na cidade há os Bombeiros. Nunca houve manifestação em frente à corporação". Está absolutamente correto. Como já foi abordado, o Corpo de Bombeiros é subordinado ao governo estadual. Pois bem: após um ano da tragédia, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT) deu as caras pela primeira vez em Santa Maria, para "dialogar" com familiares da AVTSM e, fato inclusive reportado por alguns meios de comunicação, apenas ouviu o que estes tinhama  dizer, por cerca de uma hora. 

Além de parecer estranho que nada tenha a dizer aos familiares sobre os crimes da corporação que Tarso Genro chefia, e que nenhuma promessa de pressão por punição e de renovação da corporação tenha a fazer, tampouco fez muito sentido, perante todo o contexto de luta e protestos, o amigável aperto de mão de familiares de vítimas na chegada e despedida do governador com direito a entusiásticas postagens de fotos no Facebook, enquanto com o prefeito Schirmer a agressividade chega, no mínimo, ao exagero por mais que este se mostre aberto e desfaça mitos (com todos os desencontros e contradições em diversas alegações de sua parte, além da evidente negligência por parte de seus fiscais, pré-tragédia). 

Por outro lado, é muito difícil conceber que pais "pegam carona" na morte dos filhos na boate Kiss para fazer jogo político, como se tenta fazer crer em Santa Maria, especialmente quando e conhece o caráter e a dor de muitos deses pais. Já se passou uma eleição após a tragédia, e nenhum desses pais e nem o advogado da AVTSM, dr. Luiz Fernando Smaniotto, se candidatou a nenhum cargo público. Mas vale o registro de todos os fatos, em nome da prática jornalística sem tendências, e da busca pela verdade.

Quando esta reportagem recebeu a versão oficial, documentada da Prefeitura de que não havia recebido nenhum centavo do governo federal (leia mais, com exposição dos documentos, em A Noite Infame e os Dias Subsequentes), logo esta foi encaminada a pais de vítimas: a reação foi muito aquém da esperada, perante tanto calor pela busca da verdade dos fatos. 

Logo em seguida, esta reportagem recebeu os documentos do Ministério da Saúde e do Hospital Universitário de Santa Maria [de competência federal (leia mais, com exposição dos documentos, também em A Noite Infame e os Dias Subsequentes), cujas afirmativas e números confirmavam a versão de Cezar Schirmer: nenhuma reação dos familares de vítimas, que tanto cobravam do prefeito sobre o boato que durou um ano, de que o governo federal havia injetado dinheiro no Município para gastos com a tragédia. Tal fato havia gerado revolta profunda em setores santamariense. Quando a verdade veio à tona, porém, a revolta não se voltou ao outro lado. Por quê?

O prefeito Schirmer nunca disse isto, mas agentes municipais ouvidos por esta reportagem, que preferem ter o nome preservado, acreditam que os movimentos por justiça envolvendo a tragédia estão sendo cooptados por partidos políticos de oposição à gestão atual de Santa Maria, em 2012 considerada oficialmente uma das três mais eficientes do Brasil.

Porém, até que ponto tudo isso acaba sendo também usado pela Prefeitura a fim de encobrir os próprios erros, de jogar no descrédito fatos e provas que vão contra ela - os quais não são poucos -, além de instituições sociais e públicas, desqualificando-as e desvirtuando a essência da questão, isto é, as implicações do incêndio mais mortal do país nos últimos 50 anos? 

Esta feroz divisão em Santa Maria tem confundido a diminuta opinião pública brasileira que ainda se lembra da tragédia, especialmente a local, e tal ferocidade já se confunde com a própria tragédia, tornando-se indissociável da paisagem santamariense hoje quando o assunto é incênio da boate Kiss

Justamente a fim de tentar compreender os limites de cada lado, e apurar a verdade dos fatos por memória, verdade e justiça, razão de ser desta série de publicações amplamente investigativas, acredita-se ser de grande valia registrar as palavras de alguém que é ao mesmo tempo pai de vítima e ocupante de cargo de confiança do prefeito da cidade da tragédia.

As contradições gritantes entre as afirmativas deste pai e funcionário público, somada à drástica alteração comportamental quando buscado por esta investigação, podem muito bem trazer à luz parte da essência da grande polêmica que acometeu o epicentro da tragédia. Polêmica que, muitas vezes, dá a impressão de ser insolúvel inclusive para bem-intencionados pais de vítimas.

Ogier Rosado, coordenador de Eventos da Prefeitura de Santa Maria (cargo de confiança do prefeito Schirmer), e pai de Vinicius Rosado, 26, estudante de Educação Física da Universidade Metodista e uma das 242 vítimas fatais da Kiss, foi um dos fundadores da AVTSM, de onde saiu intensamente brigado: acusado por outros pais de vítimas de corporativismo envolvendo a Prefeitura da cidade.

Em meados de 2013, Ogier fundou o grupo Ah, Muleke! (expressão frequentemente utilizada por seu filho Vinicius): com 3 famílias-membro, além da sua, Ogier e a esposa lideram trabalho unicamente assistenciais entre seus membros, abstendo-se de questões jurídicas. A AVTSM, com mais de 2 mil membros, ocupa-se de ambas as responsabilidades, e as tem gerido muito bem.

Vinicius foi considerado internacionalmente heroi da tragédia: conseguiu sair com vida da boate, para onde retornou diversas vezes a fim de salvar jovens intoxicados pelo cianeto - salvou sete, até ele mesmos e intoxicar, e vir a óbito. Pois na entrevista de mais de duas horas a esta reportagem, seu pai tratou de imputar grande responsabilidade à sociedade, tentando atenuar as responsabilidades da administração de Cezar Schirmer.

A longa entrevista foi uma evidência de que, mesmo com os dois pesos e duas medidas de muitos contra a Prefeitura santamariense, apontados entre certa razão e exageros por Ogier, a administração municipal também se contradiz, evita o assunto e pratica sua manipulação de informações quando o assunto é a tragédia que mudou a vida da cidade. Neste caso abaixo, sobre a espuma de poliuretano.

O ocupante de cargo de confiança do prefeito, e pai do bravo Vinicius, insistiu indignadamente em cima deste fato: “Quem matou meu filho foi a espuma”, o que o leva a crer que os únicos culpados pela morte de seu filho são o governo federal, por permitir a importação do produto sem que haja antídoto contra cianeto no país, e o estadual, responsável pelos Bombeiros que emitiram alvarás à Kiss. Tudo isso dito com bastante autoridade, bem articulado e cheio de inconformado com os mencionados governos, para logo mudar consideravelmente o tom.

Questionado sobre a Lei Municipal 3301/91, que proíbe as espumas de poliuretano nos estabelecimentos públicos fechados da cidade, Ogier, mordaz cobrador de atitudes societárias, tentou sair-se desta maneira:

Ninguém [na Prefeitura] conhecia a lei. Não vejo culpa. Como alguém na Prefeitura deveria saber? Ela não consegue fiscalizar tudo, duvido que alguém conheça esta lei e possa fiscalizar, se nem a Anvisa sabia que a espuma era tão tóxica. Essa questão é muito tênue, não é a causa de tudo isso.

Quando perguntado sobre o que muda em sua busca pela verdade essa lei que diz não ter conhecimento, (não) respondeu: 

Nada. Isso não me diz nada. Se me disserem na investigação que sabiam na Prefeitura, muda o caso. Nem o prefeito conhecia a lei, há milhares de leis. Seria humanamente impossível alguém na Prefeitura saber dessa lei. Ai é querer demais que os governantes conheçam todas as leis e a da espuma.

Questionado se a sociedade pode ser culpada pela tragédia, e Poder Público não por não conhecer leis, o constrangimento ficou claro e Ogier, famoso por ser muito bem articulado, já buscava as palavras com certa dificuldade, atropelava-as, pensava para responder, e disse, mudando já drasticamente a posição de cidadão combativo a um ser visivelmente reacionário quando a Prefeitura está em questão: “Isso não é relevante”, voltando a afirmar que ninguém conhecia a Lei 3301/91. Perguntado se acredita que algum funcionário da Prefeitura diga que conhecia essa lei, (não) respondeu: “Não tenho bola de cristal”.

Ogier - quem, do início ao fim da entrevista de cerca de três horas, acusou a Polícia Civil da cidade que investigou o incêndio de politizar o trabalho - chegou a mentir contra um dos mortos na Kiss, a fim de desqualificar a "rival" AVTSM e ressaltar sua visão de que a culpa pela tragédia é, em grande parte, da sociedade local livrando, desta maneira, a administração municipal de responsabilidades: alegou que Walter Mello Cabistani, uma das 242 vítimas fatais da boate da morte, trabalhava na Kiss: "Portanto, por que nunca denunciou irregularidades na casa noturna?", questionou Ogier.

Tal vítima era filho de Walter Cabistani, o assessor Jurídico da AVTSM. Questionado sobre as afirmações de Ogier, Walter se indignou e respondeu: "Tenho muita pena desta gente. Até um pai de vítima fazendo jogo político nesta hora!".

Perguntado em seguida do porquê de a espuma seguir sendo utilizada em Santa Maria ainda nos dias de hoje, sem que a Prefeitura tenha sido punida, afirmou:

O inquérito não terminou ainda, se imputarem culpa à Prefeitura, direi, "tudo bem", e aceitarei. Serei o primeiro a ir à Imprensa e reconhecer...

Justiça: “Cala-Te, Boca!”

Questionado se a Justiça determinar que ninguém conhecia a lei a nível federal, estadual e municipal, e que, portanto, ninguém é culpado por desconhecê-la, se aceitaria esta decisão, o coordenador de Eventos da confiança do prefeito disse, para se contradizer ainda mais perante a irredutibilidade inicial com os governos estadual e federal em relação à espuma, e perante as próprias palavras abaixo, e a tanta indignação contra a séria Polícia Civil santamariense:

Sim, aceitarei. Acredito na Justiça brasileira, e o dia que não acreditar vou embora daqui. A Justiça é falha, há leis falhas.

Rebatemos questionando que se a Justiça é falha, por que aceitaria uma decisão assim, absolvendo a todos na questão da espuma que havia afirmado ter matado seu filho, respondeu assim: “Por que não é minha justiça, é a que se tem e não cabe a mim, que vou fazer?".

Quando se fala em responsabilidades e em justiça, o desconforto e o espírito reacionário entre funcionários da Prefeitura é notável. Ogier terminou a conversa claramente abatido, prometendo uma nova entrevista para o dia seguinte: nunca mais atenderia esta reportagem.

Perguntamos ao prefeito Cezar Schirmer quem havia errado para que ocorresse a tragédia, e ele (não) respondeu: 

esnecropsia ivNão farei pré-julgamento, não é meu papel. Quem vai decidir é a Justiça. Uma tragédia dessa dimensão sempre deixa um legado, tanto que o governo estadual e federal estão discutindo a aprovação de novas leis, e fechar lacunas. É daqui prá frente; tomara que não ocorra mais, etecétera e tal. Onde pode ter havido falha? Tem que ser amparado na lei, não pode ser por motivos políticos.

Perguntado como se dá esse suposto jogo político contra a Prefeitura, não quis responder publicamente. Nas diversas vezes que questionamos o prefeito Schirmer sobre quem teria permitido a tragédia, a única alegação que retorna passa por isto: A Justiça julga, não eu. Queremos justiça. Mas não pode ser, "não gosto de fulano, não gosto de beltrano”.

Perguntado como colabora com a Justiça a fim de encontrar a verdade, o prefeito respondeu: Comparecendo para depor, quando chamado.

Levamos essa resposta ao delegado, dr. Sandro Meinerz que investigou o incêndio da Kiss, quem respondeu sem rodeios: Se não comparecesse para depor quando intimado, o prefeito seria preso.

Já a superintendente municipal de Assistência Social, Ione Lemos, questionou a esta reportagem: O que vai mudar com a reabertura do inquérito? Será que vai trazer justiça?

Esses argumentos que evidenciam desconforto diante da prática da justiça, meio que a desqualificando, são idênticos aos do dr. Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios da Kiss acusado de homicídio doloso pela Polícia -, contestando a intensa luta de familiares de vítimas por justiça, as quais protestam duramente contra o trabalho do advogado de Spohr: Independente da decisão judicial, a dor continuará.

A resposta imediata desta reportagem ao dr. Marques, que vale aos agentes da Pefeitura santamariense e a todos os muitos setores retrógrados deste país, vale ser registrada aqui: para pessoas na posição de vítima, omissão e injustiça causam efeito reverso não cicatrizando feridas, e intensificando a dor. Além, é claro, de não prevenir novas tragédias.

Diante disso, o dr. Marques, falante, sempre cheio de argumentos para todas as ocasições e que em junho de 2013 levara, no Tribunal de Porto Alegre, um tapa na cara de Carina Correa, fundadora do Movimento do Luto à Luta e mãe de Thanise Garcia, uma das 242 vítimas fatais da boate da morte, fez silêncio. Definitivamente, sobre este assunto. 

Pois vale registrar: o advogado de um dos sócios da Kiss, que tem se recusado a conceder entrevistas aos veículos de comunicação em geral mas, a exemplo do prefeito de Santa Maria, abriu gentil e sempre pronta exceção a esta reportagem dispondo-se a conversar horas de maneira muito solícita e democrática, aceitando todas as críticas e contra-argumentações

A Espuma de Poliuretano nBoate 'Kiss'

Segundo o dr. Jader Marques alegou a esta reportagem, menos de 50% dos óbitos se deram por cianeto, segundo ele consequência da pouca quantidade da espuma de poliuretano que continha no estabelecimento de seu cliente: A maioria das mortes se deu por intoxicação natural com fumaça de fogo, o monóxido de carbono. A quantidade de espuma da casa não seria capaz de gerar intoxicação a ponto de matar. Havia [espuma] apenas sobre o palco, nas laterais e ao fundo da casa. Houve precipitação da autoridade policial em alegar que a espuma foi responsável pelas mortes. Posteriormente, os laudos confirmaram isso.

Posteriormente, apresentaríamos ao advogado de Spohr versões completamente diversas a esta reportagem por parte da dra. Solange Garcia, toxicologista do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, quem socorreu diretamente diversos sobreviventes e vítimas fatais na capital gaúcha, e por parte do delegado de Santa Maria, dr. Sandro Meinerz. Com isso, o dr. Marques mudaria a versão em suas observações: de menos de 50% de mortes por cianeto, para "apenas 50%"... Além da mudança de versão, vale ressaltar: "apenas" 121 mortes na boate de seu cliente.

A dra. Solange disse: É mentira do Jader que a minoria foi contaminada por cianeto: A Polícia Federal afirmou que as 242 vítimas morreram por cianeto através de exames. É impossível apenas monóxido de carbono matar tão rapidamente, apenas cianeto mata desta maneira: entra nas células e impede a passagem de oxigênio. Quando a intoxicação se dá apenas por monóxido de carbono, administra-se e em 1h e meia o indivíduo se restabelece, os níveis sanguíneos retornam. Quando se aplica oxigênio e não há restabelecimento mas o indivíduo permanece em estado de coma, há outro agente envolvido: cianeto. Enquanto não se conseguir antídoto, não haverá solução.

O dr. Meinerz, quem trabalha com seu homólogo, dr. Marcelo Arigony, incansável e exemplarmente sobre a tragédia, fato reconhecido por familiares de vítimas, sobreviventes e pelos mais diversos moradores de Santa Maria, enviou com exclusividade a esta reportagem a necrópsia de Fernando Pellin [documentos anexos, necrópsia i, necrópsia ii, necrópsia iii, necropsia iv], uma das 242 vítimas do incêndio na boate Kiss, atestando a morte por cianeto o que, segundo os laudos médicos, representa todas as outras 241 mortes, e ainda afirmou que:

Laudos da micropsia atestam a tese de duplo fator que ocasionou as 242 mortes: monóxido de carbono com cianeto [aquele, sempre liberado com este]. A cinergia das duas substâncias levou a óbito.

Com uma saída de ar apenas, tudo o que saía se dirigia ao fundo da casa, a porta onde havia troca de ar. O exaustor da boate havia sido fechado para evitar ruído [motivo de reclamações da vizinhança]. A reforma obstruiu o exaustor, e a saída de ar quando houve a queima.

Os laudos do Departamento Médico Legal, somados aos depoimentos de sobreviventes e de bombeiros junto do quadro encontrado pelos corpos, aponta morte semelhante à apnea.

Todos que relatam desmaio, afirmam o seguinte: "Na segunda vez que respirei, caí". É unânime essa afirmação. Todos foram mortos por cianeto com monóxido de carbono.

Uma coisa é médico examinar um cadáver, outra é vários fazerem isso e todos dentro de um mesmo contexto, em cima de exames laboratoriais. O sangue das vítimas continha grande quantidade de cianeto.

O Jader está tentando desqualificar a questão. A espuma funciona como grande alastradora de fogo em velocidade imensa, além de liberadora de cianeto. Aquela espuma deveria funcionar como colchão.

esnota cantegril ii Este é um grande motivo de indignação por parte dos familiares das vítimas contra o dr. Marques, conforme alegado mais acima. Sobre isto, apontou Sérgio da Silva, professor de Pedagogia da UFSM, pai de Augusto Sergio Krauspenhar da Silva, estudante de Filosofia na UFSM e Direito no Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), uma das 242 vítimas fatais da KissUm advogado não precisa mentir para defender seu cliente, como faz o Jader.

Desencontros de ideias e de informações, a esta reportagem, a outras e até à Polícia e à Justiça, realmente ocorreu por vezes em sua defesa de Elissandro Spohr, conforme veremos aqui, e mais adiante nesta série de reportagens. na próxima publicação, duras perguntas de Sérgio ao dr. Marques, encaminhadas através desta reportagem.

A versão do advogado de um dos sócios da Kiss fora desmentida também por seguranças ouvidos por esta reportagem, que afirmaram que a espuma tomava grande parte da boate em acordo com o que atestou o dr. Luiz Fernando Smaniotto, advogado da AVTSM: "Havia na casa 97 metros cúbicos da espuma distribuídos em 110 metros quadrados da boate", o que, segundo o dr. Smaniotto, representa muita coisa - tese reforçada simplesmente pelos fatos e pelos laudos médicos, o que abordaremos com mais detalhes em uma próxima reportagem. 

Sobre o exaustor e ausência de janela na boate Kiss, o dr. Smaniotto apontou:

Os sócios da Kiss haviam fechado is exaustores externos pelo ruído, havia talvez oito, ficaram apenas duas, e nem janela havia. Era uma tragédia anunciada.

Cantegril - Fabricante da Espuma

O dr. Smaniotto observou que a espuma vendida pela fabricante e importadora Cantegril, da cidade de Viamão, à loja Colchões & Cia de Santa Maria, e desta à Kiss, era importada: "Preços baixos indicam importação. De onde veio a espuma?".

Procurado por esta reportagem, o químico da Cantegril confirmou que a totalidade ou parte da espuma realmente contém material importado, sem saber especificar a origem.

Se esses componentes importados que a empresa de Viamão utilizou na confecção de espuma foram verificados e autorizados pela Anvisa, esta concedeu um número da autorização para utilização do produto. Contudo, nada disso a Cantegril e nem a Anvisa, procuradas diretamente pela reportagem, explicou.

O dr. Émerson Ronei Alvarenga, 40, químico da Cantegril, perguntado se deveria vir informado junto da espuma que a queima do poliuretano libera cianeto, disse:

Não sei responder, pois não sou do Código de Defesa do Consumidor. O departamento comercial [quem nos encaminhara a ele, e já havia sido perguntado por isso outras coisas] é apto a responder isso.

O dr. Alvarenga comparou, a fim de se justificar, e justificar os que lhe pagam o salário:

O açúcar é cancerígeno, mas os fabricantes não informam que ele contém aspartame que causa câncer, do contrário ninguém consumiria. O mesmo se dá no caso dos transgênicos.

Questionado, não sabe dizer se existe antídoto no Brasil e afirma nem pode dizer essas coisas. Foi perguntado como um químico não tem conhecimento disso, ao que alegou não ser questão de sua alçada. E afirmou: Não é cianeto liberado a partir da espuma de poliuretano, ela não libera cianeto, até porque o pior de todos é o monóxido de carbono através da queima.

Quando perguntado sobre a quantidade de monóxido de carbono suficiente para matar um indivíduo, disse que teria que calcular. Perguntado por que não se desenvolve material que não seja danoso à vida humana, “não sei dizer”. Foi questionado como um químico não tem conhecimento disso, alegando não ter tanta experiência e nem tudo de memória.

Perguntado sobre a Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ) nas embalagens da espuma de poliuretano, disse não ter conhecimento de como os materiais informam isso. Perguntado se a comercialização do produto é autorizada pelo Conselho Regional de Química, não soube responder já visivelmente desconfortável com os questionamentos, mas sempre muito gentil. Perguntado se vendem o colchão à cidade de Santa Maria, não soube dizer já com muita dificuldade em falar, claramente tenso.

Sobre as desinformações e desconversas do químico da fabricante e importadora da espuma da morte, quem ao final recomendou, novamente, procurar outro setor da empresa, o dr. Meinerz afirmou:

Não acredito que um químico não saiba que a espuma libera cianeto. Primeiro porque se trata de questão técnica para um profissional da área; segundo pelo que ocorreu na Kiss: o mínimo que se esperaria de um químico, seria fazer uma análise de seu produto. Teria testado a fim de contradizer as alegações de que o que fabrica e comercializa levou tantas vidas a óbito. Quer tirar sua responsabilidade, e a da empresa. Há interesses econômicos envolvidos. Tal postura demonstra a 'seriedade' da fiscalização e da cobrança que predomina neste país.

Se você fosse químico, vamos supor que não tão qualificado como ele tenta se colocar, e ocorre um caso da magnitude do incêndio na boate Kiss, queimaria as substâncias contidas na espuma.

Já se sabia com antecedência que a espuma libera cianeto se queimada. Tenho informação que a Cantegril já sabia disso. O vendedor da loja de Santa Maria apresentou notas da Cantegril.

O jurista da importadora e fabricante da espuma em questão, dr. Cezar Peres, procurou-nos pouco depois e disse:

Outras quatro empresas comercializam a espuma de poliuretano à Colchões & Cia, que revendeu à Kiss. Portanto, não se sabe qual a origem exata do produto queimado na boate.

Afirmou também que:

É uma ignorância aplicar culpa à comercialização da espuma de poliuretano: ela está em todos os colchões, em todos os locais e não libera cianeto, mas sim monóxido de carbono.

esnota cantegril iii O próprio dr. Meinerz enviaria pouco depois, com exclusividade a esta reportagem, as notas fiscais da loja Colchões & Cia [documentos anexos, notas_cantegril, i, ii, iii] e da Cantegril à loja, atestando que esta fabricante fora a única a comercializar espumas de poliuretano à loja que revendeu à boate Kiss, desmentindo, assim, o dr. Peres.

O jurista da Cantegril ainda justificou o fato de as embalagens da espuma de poliuretano não informarem que, uma vez queimado, o produto libera gás cianeto, exemplificando o caso de que “os que comercializam gasolina não advertem para que não a tomem. Vendemos espuma não fogo junto dela”, alegando com isso que a queima do produto não é de responsabilidade da empresa.

Segundo o dr. Smaniotto, a FISPQ deve prever a liberação de cianeto da espuma no caso da queima, contra-exemplificando que “venenos contra formiga contêm a advertência de que, uma vez ingerido, matam”.

Anvisa e Inmetro: Nada com Isso

A ANVISA respondeu, através de sua assessoria de Imprensa, mais especificamente pelo jornalista Carlos Moura:

As responsabilidades desta agência são: medicamento, cosmético, produtos para a saúde, ou seja, equipamentos médicos, e saneantes: limpeza em geral, tais como inseticidas. A responsabilidade pela espuma de poliuretano talvez seja do Inmetro.

Procurado logo em seguida, o Inmetro respondeu:

A espuma de poliuretano não é um produto regulamentado. A Lei 9.933, que rege as atividades do Instituto, lhe confere competência legal para regulamentar as etapas de fabricação e comercialização. 

Portanto, sem regulamentação, o Inmetro não possui competência para fiscalizar atividades como a importação deste produto, tampouco sua utilização em qualquer tipo de estabelecimento, sejam eles comerciais ou não, cabendo esta responsabilidade às autoridades estaduais e municipais – Corpo de Bombeiros, Prefeituras, entre outras.

Tal reposta vem de encontro com uma observação providencial do dr. Smaniotto:

A Cantegril não informa em seu sítio na Internet  comercialização da espuma de poliuretano para isolamento, entre os produtos expostos em imagens ali.

E certamente, tudo isso - a resposta dada pelo Inmetro mais a observação do dr. Smaniotto - explica também por que não há FISPQ para tal produto, o que é ilegal, evidentemente.

A resposta do Inmetro coloca mais responsabilidade ainda sobre o governo federal, quem deveria regulamentar e fiscalizar a comercialização do produto. E deixa bem claro: ninguém responde pelo produto, generalizadamente utilizado em casas noturnas no Brasil, produto que causou o segundo incêndio mais mortal da história do País. 

O dr. Smaniotto insiste na acusação à boate Kiss e ao governo federal: "De onde vem a espuma, e quem autoriza sua comercialização no Brasil?".

Shows Pirotécnicos

Segundo o inquérito policial baseado nos depoimentos dos componentes da banda Gurizada Fandangueira, que mudaram os discursos na 1ª Delegacia santa-mariense, do gerente da loja Kaboom que frequentemente vendia os fogos de artifício SputnikSkib e Chuva de Prata à referida banda, de sobreviventes da tragédia que frequentavam a Kiss e acompanhavam as apresentações da Gurizada em outros locais, e de funcionários da boate, era constante o uso de fogos na boate e fora dela pela banda em questão.

Menos de uma semana antes da tragédia. a 21 de janeiro de 2013, a mesma banda se apresentara com o mesmo show pirotécnico na casa noturna Absinto Hall, de propriedade de Mauro Hoffmann, sócio do sr. Spohr na Kiss, segundo a investigação policial que ainda constatou que o próprio Spohr incentivava e orientava que a bandaGurizada Fandangueira estendesse a duração da apresentação com fogos, por ser, segundo um dos proprietários da boate da morte, o clímax das atividades noturnas ali.

A própria banda Projeto Pantana, de Elissandro Spohr, costumava apresentar-se na Kiss fazendo uso de tais fogos, além de organizar festas e permitir que terceiros fizessem isso com fogos de artifício, “conforme farta prova testemunhal carreada aos autos” segundo a investigação policial, para a qual também depuseram, neste sentido, componentes da Pantana e altos funcionários da Kiss próximos de Spohr, que inclui uma familiar sua.

Sobre isto, afirmou o dr. Meinerz:

Em gravação de clip da banda Pantana observa-se o uso de fogos. A mesma banda fez uso de fogos em todos o seus outros shows, segundo todos os presentes. As pessoas diziam que gostavam de fogos.

A Gurizada Fandangueira disse que Elissandro havia dito que deveria estender o show pirotécnico, pois era o clímax, o público gostava. Era do conhecimento do proprietário da boate, e recomendado por ele.

Segundo o inquérito, os músicos da Gurizada não possuíam o menor treinamento para manusear o fogo, eram negligentes quanto às advertências para uso contidas na embalagem embora possuísse certo conhecimento sobre o produto, e o mais grave: os músicos compraram fogos para uso externo, devido ao valor financeiro inferior. 

Como eram clientes da Kaboom, o vendedor os advertiu propondo baixar o preço dos fogos de uso interno, que não apresentavam risco de incêndio, de R$ 75 para R$ 50. Mas os músicos optaram mesmo pelos de uso externo, que custavam apenas R$ 2,50.

A este respeito, pontuou ainda o dr. Meinerz:

Os integrantes da banda pensaram apenas no preço, no lucr,o sabendo dos riscos que envolviam tanta gente, o que é crime doloso.

O delegado Arigony, muito respeitado pelos familiares de vítimas e sobreviventes da tragédia e diversos moradores da cidade sem relação coma  tragédia, publicou fotos de locação de festa à tarde da empresa Fuel na Kiss, exibindo uma mesa armada com bebidas usando spray de fogo.

Em conversa com esta reportagem, o dr. Jader Marques pediu cuidado com vídeos que têm sido exibidos, especialmente da empresa Fuel para publicidade desta:

Não se deu em hora de funcionamento da boate Kiss, a qual nunca contratou a Fuel. Esta nunca fez show pirotécnico na boate. Havia muita vela usada para produzir esse material. Não era em hora de festa da Kiss. A denúncia foi feita [pelo dr. Arigony] para fazer as pessoas acreditarem que o Elissandro assumiu responsabilidade pelo fogo.

Assim como as velas no champagne em festas promovidas pela Kiss, há mil festas no mundo, além do mais há em sua embalagem aviso de que pode ser usada em local fechado.

Grande crítico do inquérito policial e do julgamento pelo MP, por não incluir diversos funcionários públicos segundo o advogado de Spohr, o dr. Marques afirmou:

O máximo que houve foi culpa por previsão de risco de pegar fogo, enquanto delegados e promotores defendem a tese de dolo eventual.

Perguntado sobre o mínimo que houve em termos de culpa por parte de seu cliente, desconversou e disse:

O Meinerz e toda aquela turma fazem jogo político, não jurídico. O Ministério Público [de Santa Maria] e a Polícia criam uma forma de acusação errada, mas politicamente mais justa.

O dr. Jader Marques reclama que membros do Ministério Público e diversos funcionários da Prefeitura de Santa Maria deveriam ser chamados pela Justiça e condenados, já que seu cliente seguiu determinações destes. Para ele, a ausência de funcionários públicos enfraquecerá o julgamento do incêndio na Kiss.

Essa ideia é defendida inclusive por familiares de vítimas e sobreviventes da tragédia, o que lhes tem valido inclusive muitos protestos (por exemplo, aqueles em frente ao MP mencionados por Carina Correa).

Vale registrar que a Polícia de Santa Maria que investiga o caso não tem se omitido de responsabilizar e pressionar pela condenação de todos os envolvidos, inclusive os funcionários da Prefeitura conforme pode ser lido no Relatório Definitivo sobre o Incêndio na Kiss, e como evidenciam até as circunstâncias atuais envolvendo a conclusão do novo inquérito. Cabe à Justiça determinar quem deve depor, uma vez executados os inquéritos policiais.

Sobre as acusações do dr. Marques, o dr. Meinerz respondeu:

A postura do Jader é de advogado cujas teses são frágeis, não se sustentam, de quem tenta defender o indefensável, por isso apela para argumentos vazios e de ataques, como faz desde o início. Existe muito dinheiro envolvido nisso.

Esta reportagem recebeu a informação do professor Cabistani, de que o pai de Spohr pagou, através do cartão VISA, uma prestação que gira em torno de R$ 1,5 milhão ao dr. Jader Marques para a defesa do filho, pendente de pagar outra prestação do mesmo valor. Ainda segundo o sr. Cabistani, tal informação é algo bem sabido em Santa Maria, cidade também do sr. Spohr e de sua família.

(Ir) Responsabilidades

"A presença de material de fácil combustão (espuma de poliuretano) aderido ao duto de ar condicionado e ao forno, cujas placas não exibem uma perfeita justaposição entre si, apresentavam espaçamentos (frestas) entre as peças, permitindo o alojamento do corpo ignescente que deu gênese ao fogo". 

Relatório Definitivo da Polícia Civil de Santa Maria sobre as causas do incêndio na Kiss/março de 2013.

Para a Prefeitura de Santa Maria, conforme abordado mais acima, a espuma que contraria a Lei Municipal 3301/1991 foi colocada no segundo semestre de 2012 sem seu consentimento, e após a fiscalização municipal anual o que, segundo o prefeito Schirmer, isenta sua administração de toda e qualquer responsabilidade: "O proprietário da Kiss colocou a espuma à sua revelia, parece, não sei, mas a Prefeitura jamais foi informada de sua colocação, cumpriu todos os requisitos legais, e nunca recebeu nenhuma denúncia.

O dr. Marques, por sua vez, afirmou que:

A colocação deste material foi feita por indicação de inquérito especializado, do engenheiro [Miguel] Pedroso e do arquiteto Samir [Samara. Ambos os profissionais, contratados pela Kiss, negam tal fato, e em seus trabalhos em outros locais nunca fizeram tal recomendação].

Outras boates em todo o Brasil possuem o mesmo produto. O promotor de Justiça de Santa Maria, Ricardo Loza, fotografou a boate; ele tinha toda a documentação e recomendou a aplicação da espuma. É um raciocínio distorcido sobre a espuma: sua inflamabilidade não a torna combustível. A lei está sendo mal interpretada. Isso é fundamental: quem sabia disso antes? A Anvisa sabia? O Fórum sabia dessa espuma?

Segundo o inquérito policial, Spohr, quem realmente havia contratado ambos os especialistas para orientações em determinadas reformas na boate, decidiu pela espuma sozinho. Ambos os engenheiros - que haviam auxiliado projetos arquitetônicos referentes a obras na boate em 16/11/2011 - não apenas negaram veementemente a recomendação do uso da espuma, como o engenheiros Pedroso, segundo depoimento junto á Polícia, orientou Spohr a retirá-la pois, segundo ele, não resolveria o problema acústico, como realmente não resolveria jamais durante os 3 anos e meio de funcionamento da boate. Tal recomendação, segundo Pedroso, fora presenciada por seu colega Samir, quem confirmou iso à Polícia.

Spohr, segundo depoimentos de funcionários à Polícia, "usou cola de sapateiro de nome Cascola. A ordem e a disponibilização do material foram feitas todas por Elissandro [Spohr]". Elissandro foi orientado por seu advogado a não se pronunciar à Polícia após o primeiro depoimento, logo após a tragédia, sobre a colocação da espuma. 

Porém, depoimentos de ex-funcionários da boate somados a notas fiscais da aquisição do produto, apontam que no final de 2011 elas começaram a ser instaladas na Kiss(sempre, de acordo com o Inquérito Policial, por livre, espontânea e irresponsável vontade de Spohr). Tais evidências envolvendo datas jogam importante luz às responsabilidades pelo incêndio inclusive no que diz respeito à fiscalização, conforme será abordado em uma próxima reportagem sobre a liberação de alvarás.

O Relatório Definitivo declara que Spohr confirmou à Polícia ter sido responsável pela instalação da espuma, sem nenhuma recomendação do engenheiro e nem do arquiteto, responsáveis pela Kiss. Tal afirmação coincide com os depoimentos de ambos os profissionais à Polícia.

Reformas indevidas foram realizadas no interior da Kiss, sem acompanhamento de responsável técnico, inclusive a colocação da espuma combustível no teto localizado acima do palco.

Era prática comum de Elissandro Spohr antecipar-se a especialistas, e fazer reformas e modificações à sua maneira na boate, segundo as investigações policiais. Relatando que o engenheiro Pedroso tenha negado a indicação da espuma para isolamento acústico, pois segundo ele sequer tinham tal finalidade, o Relatório Definitivo policial atesta:

Tal fato poderia ter sido melhor elucidado se Elissandro tivesse prestado um segundo depoimento, ao que se negou em virtude de estratégia de sua própria defesa.

A dra. Solange Garcia afirmou em conversa com esta reportagem que "as pessoas que colocaram a espuma foram gananciosas", enquanto o dr. Smaniotto questionou: “Quem confiou ou mandou confiar no engenheiro Pedroso? Ele foi contratado pela Kiss, e a Prefeitura e os Bombeiros nada fizeram".

Alegando que “todos os colchões possuem o poliuretano”, o dr. Marques questionou desconhecendo ou querendo se lembrar da já mencionada Lei Municipal 3301/1991 de Santa Maria: Onde consta que este material é proibido? Qual a capacidade de saber que isso era proibido? Há locais que ainda hoje mantêm a espuma. Qual regra impede isso? A presidente Dilma pediu um estudo sobre sua utilização.

O advogado Luiz Fernando Smaniotto afirmou a esta reportagem que:

O Ministério Público (MP) avocou a responsabilidade pelo barulho; abriram um inquérito pelo barulho. Permitiram uma emenda para abafar ruído e, assim, colocaram a espuma sob ciência do MP. As esferas municipal e estadual trabalharam juntas, de maneira catastrófica.

O dr. Smaniotto pleiteia uma lei de reparação, a exemplo do que ocorre na capital argentina de Buenos Aires após o incêndio na boate República Cromañón em 30 de dezembro de 2004 (causas e consequências idênticas às da Kiss), através do qual o Estado prestando assistência para o resto da vida a familiares de vítimas e sobreviventes com sequelas.

O advogado Antoniel Bispo, de São Paulo, foi procurado por esta reportagem para analisar tal questão, e declarou que:

Se existe uma lei municipal que proíbe o uso do material que revestia o teto da casa noturna, esta lei é plenamente válida e era obrigação da fiscalização municipal verificar o cumprimento desta lei. A lei municipal de Santa Maria, que proíbe o uso da espuma de poliuretano, deve ser cumprida e a fiscalização era de responsabilidade do Município, pois lei sem fiscalização e sem penalidade é uma lei vazia. Toda lei que estabelece regras e proibições deve prever também a penalidade. E se não houver fiscalização, certamente não haverá penalização ou sanção.

Na Argentina, os culpados foram punidos: músicos, os donos da boate, fiscais municipais e o então prefeito, que se safou por lobby mas teve a carreira política arruinada.

Para o dr. Smaniotto, assim como para o professor Cabistani, para o presidente e o vice da AVTSM, Adherbal Ferreira e Sérgio Silva, respectivamente, as três esferas governamentais são culpadas, e devem ser responsabilizadas. 

Não há políticas de prevenção de catástrofes para este material”, pontuou o dr. Smaniotto. Para reivindicar essas políticas além de Lei de Reparação, os quatro foram com a dra. Solange Garcia ao Senado em dezembro de 2013, recebidos pelo senador Paulo Paim (PT-RS). 

Uma pergunta inevitável que se coloca, quanto ao proprietário da Kiss, sr. Spohr: de onde tirava tanta liberdade para fazer os ajustes que bem entendia em seu estabelecimento, ao que tudo indica sem a menor preocupação com fiscalização?

Existem evidências, com base em depoimentos exclusivos a serem também publicados nas próximas reportagens desta série, de que a (ausência de) fiscalização objetiva e a certeza de que essa fiscalização jamais seria efetiva - portanto jamais o incomodaria -, davam sinal verde para que os sócios da Kiss fizessem o que bem entendessem em sua propriedade. 

Tudo isso a ser esmiuçado adiante, nesta série de  reportagens por memória, verdade e justiça, elementos cada vez mais distantes da tragédia em Santa Maria, há quase dois anos da tragédia. Paradoxalmente, quanto mais se investiga o incêndio da boate Kiss, mais se confirma o Brasil como o país do jeitinho sem perspectiva de solução - neste caso, jeitinho fatal que tende a se repetir.


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