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freixo1Brasil - Fórum - [Anna Beatriz Anjos e Igor Carvalho] Em entrevista à Fórum, Marcelo Freixo, deputado estadual com maior votação do Brasil, fala sobre seu futuro político, apoio ao PT e revela medo das urnas em 2014 depois de perseguição da Globo por "ligação com ativista". "O que eu vivi ali foi algo pra lá do surreal, a tentativa mais torpe de destruição de uma vida pública".


Dentro do táxi até a casa do deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), resolvemos puxar papo com o motorista. O taxista desde o princípio professou sua fé e falou da Bíblia. Resolvemos lhe perguntar sobre o nosso entrevistado, já esperando uma resposta que espezinhasse o psolista.

"Freixo? O Marcelo Freixo? Pô, esse cara é sinistro demais. Dizem que se tu precisar de alguma coisa no Rio de Janeiro, pode falar com ele que o cara não deixa na mão." O taxista, seguindo a toada que demoniza a classe política, afirmou que não votou em ninguém. "É tudo igual". Mas fez questão de dizer que se votasse, teria escolhido o deputado do Psol.

As eleições de 2014 confirmaram Marcelo Freixo como a principal, ou uma das principais, lideranças do partido, depois que foi consagrado, no estado, como deputado estadual mais votado do paísem termos absolutos, com 350 mil votos. Em 2012, vinte dias após a histórica disputa com Eduardo Paes (PMDB) pela prefeitura do Rio de Janeiro, quando terminou com 915 mil votos (28%), Freixo afirmou: "A grande campanha será em 2016". Agora, em 2014, o otimismo é mantido. "Chegaremos muito fortes em 2016", afirma o deputado.

No meio do caminho, entre as duas eleições à prefeitura, um 2014 que "nunca terminará". "Nove de fevereiro foi a data do programa do Fantástico tentando me associar àquelas confusões por causa do telefonema de uma ativista", lembra Freixo, que revela ter tido medo das respostas das urnas neste ano.

Com um título no mínimo exótico, o portal G1 noticiou uma possível relação de Freixo com a ativista Sininho, que teria recebido oferta de ajuda jurídica em nome do psolista aos dois manifestantes responsáveis por atirar o rojão que vitimou o cinegrafista Santiago Andrade no dia 6 de fevereiro.

Confira a entrevista na íntegra:

Fórum – Na última entrevista que o senhor concedeu à Fórum, em abril de 2013, afirmou que seria candidato em 2016 à prefeitura do Rio e que a campanha seria maior. Após o processo eleitoral de 2014, está mais otimista quanto a isso?

freixo-campanhaMarcelo Freixo - São duas reflexões sobre isso. Primeiro, que a vida da gente não pode ser movida pela lógica eleitoral, mas ela faz parte e está dentro do planejamento da gente. Outra coisa, política você não pode errar no tempo, nisso a gente consegue ir bem, a gente não erra no tempo. Em 2012, tivemos uma campanha que foi um marco, chegamos a 28% dos votos, quase um milhão na cidade do Rio de Janeiro. Ficamos em segundo lugar e só não houve um segundo turno porque houve uma concentração da direita na candidatura do outro candidato, com 22 partidos. Dessa forma, o segundo turno foi no primeiro. Mas, enfim, ali gerou uma outra forma de se fazer política e um outro mundo possível na cidade.

Foto: Em 2012, Freixo concorreu à prefeitura do Rio de Janeiro e terminou em segundo lugar, com 28,15% dos votos (por Adriana Lorete).

Há um projeto hegemônico que impera no Rio de Janeiro que é o da "cidade negócio", onde há pouco diálogo e participação das pessoas. Vou dar um exemplo: UPP da Rocinha. Primeira manifestação do governo, após instalar a UPP, foi construir um teleférico. Nenhum morador da Rocinha foi ouvido, nenhum morador concorda com esse teleférico e fazem um protesto contra o teleférico, mas não são escutados. Essa insatisfação já é parte daquilo que ia explodir em junho de 2013, que não foi um movimento, foi um sentimento. Porque, em um movimento, sei com quem estou e onde quero chegar, pode ser de direita ou de esquerda. O que acontece em junho não é isso, porque não sei com quem estou e nem sei onde quero chegar. Era muita gente e cada um querendo ir para lugares diferentes, eram mais cartazes do que faixas, com pautas inúmeras e urbanas, sem pautas rurais, e com algo em comum entre todos: a crise de pertencimento, a falta de identidade.

Pós-2012, o grande trabalho que a gente tinha era passar bem pelas eleições 2014, para possibilitar 2016, e é isso que acontece. O Tarcísio [Motta, candidato do Psol ao governo do Rio de Janeiro] chega a 10% na cidade do Rio com uma campanha que foi escondida pela grande mídia, isso sem contar essa relação estranha que se estabelece com os institutos de pesquisa, que mostravam o Tarcísio com 1% ou 2% na cidade do Rio, e ele fecha com 10%. Isso não é margem de erro, tem outro nome, mas por conta disso o Tarcísio não tem sua agenda divulgada na Globo e nem é chamado para entrevistas. Olha que maluco, ele é conhecido pelo público no debate da Globo, que antecede a eleição, no dia 30 de setembro. Isso é muita violência, é brutal. No Parlamento, temos campanhas com ar de campanha majoritária que são as de Jean [Wyllys], Chico Alencar e a minha, sem militante pago e sem placa emporcalhando a cidade, e sou o deputado mais votado do Brasil.

Mas tem uma característica dessa campanha que é importante: dos 26 bairros onde a milícia atua de forma mais visível, fiquei entre os três mais votados em 17. Nas áreas de milícia não há um adesivo meu, não se pode nem falar meu nome porque morre, nunca pisei nessas áreas na campanha, isso é extraordinário, é fruto do trabalho do nosso mandato. No dia seguinte à eleição, fui à praia com minha namorada e passa um vendedor de água com seu isopor cheio de adesivos da Dilma. Bom, a gente mexe com ele e compra uma água, aí ele me reconhece e fala que queria votar em mim mas não conseguiu, perguntei por que, e ele respondeu: "Porque eu não sabia seu número". Isso é fantástico, porque mostra que é a força do trabalho, que não pode ser substituído pelo marketing político. Em função desses acertos, chegaremos muito fortes para 2016. Vai ser uma disputa intensa, já sabemos de alguns candidatos que estão colocados.

Fórum – Romário (PSB) e Alessandro Molon (PT) estão na sua lista?

Freixo - O Molon eu não sei porque não sei o que o PT quer para sua vida, mas o Romário é candidatíssimo. O Leonardo Picciani e o Pedro Paulo também, mas precisa ver o que o PMDB vai fazer, um vai ter que sair do partido. O Garotinho deve lançar a filha, Clarissa. Ou seja, muitos candidatos, o que vai provocar uma divisão e deve gerar um segundo turno. Nossa prioridade agora é estar nesse segundo turno. É militância na rua, responsabilidade com a cidade, e manter o projeto que estamos construindo desde 2012, com alianças diferentes, não dá para fazer qualquer tipo de aliança. Aliás, aí vai um recado para o PT. Ontem, o presidente do PT no Rio [Washington Quaquá] manifestou o desejo de me apoiar em 2016. Acho ótimo que o PT queira voltar para a esquerda, mas me apoiar não significa uma distribuição de cargos e nem tempo de TV, essa lógica de aliança eu não vou reproduzir.

Fórum – Sobre o sentimento de 2013. São Paulo sofreu um avanço da direita, com vitória do conservadorismo, assim como no Congresso Nacional, que terá sua formação mais conservadora em tempos. No Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro (PP) foi o deputado federal mais votado, e o Pezão lidera as pesquisas no segundo turno. Que tipo de relação o senhor faz entre a eleição e o junho de 2013?

jean-freixoFreixo - Uma sociedade que coloca um milhão de pessoas nas ruas não coloca um milhão de progressistas ou de fascistas, vai ter de tudo nesse meio. A maior referência que tínhamos de manifestação popular era a passeata dos cem mil, em junho tinha um milhão sem uma ditadura e com uma diversidade enorme de pautas mexendo com o nosso cognitivo. Na rua, tinha coisas genéricas como "educação e saúde padrão Fifa" – o que isso quer dizer? Tudo e nada ao mesmo tempo. Também tinha o cara contra a violência policial, mas daí para debater a desmilitarização, você tem opiniões diversas. Ou seja, se sabia muito mais o que não se queria. A chance desse movimento gerar um voto conservador era enorme.

Foto: Marcelo Freixo foi o deputado estadual mais votado do Rio de Janeiro. Jean Wyllys, deputado federal reeleito, aumentou sua votação em dez vezes (Por Reprodução/Facebook).

Não acredito que todo mundo que votou no Bolsonaro seja a favor da ditadura ou da tortura, mas o Bolsonaro faz algo que a esquerda não consegue: concentra o voto conservador, que sempre existiu. O Rio é isso, conservador e transgressor. O cara "sem partido" vai votar no Bolsonaro porque ele tem medo e está inseguro. O medo, diz Zygmunt Bauman, é sempre o combustível da intolerância, o medo pode gerar o preconceito e a eliminação e percepção da aceitação da diferença, e isso o Bolsonaro expressa bem. São Paulo é mais conservadora, esse processo vem de longa data, agora ficou mais agudo, mas é mais compreensível.

Fórum – Com esse Congresso conservador, devemos ter um freio no avanço das pautas progressistas?

Freixo - Essa entrevista está acontecendo depois de dez dias do primeiro turno, vou te dizer uma coisa, uma vitória do Aécio Neves representa o maior retrocesso da história da República. Com esse Congresso, pautas como redução da maioridade penal e privatização dos presídios vão decolar, vai ser uma pauta difícil de segurar. Por um lado, na luta pedagógica estamos fragilizados, não há um apelo popular favorável aos direitos humanos porque a intolerância e o medo alimentam a rejeição aos direitos humanos. Por outro lado, temos um Congresso cuja pauta política é o reforço de um projeto mais autoritário em relação à juventude sobrante, aos que o Bauman vai chamar de "supérfluos". Isso é muito preocupante, se o Executivo não for um freio, para equilibrar essas forças conservadoras, vamos ter um retrocesso brutal na área dos direitos humanos. Acho que devemos ter quatro anos de redução de danos.

Fórum – O senhor manifestou o voto na Dilma. Setores da esquerda pregam o voto nulo e há pessoas que afirmam que PT e PSDB significam o mesmo projeto de governo. O que o senhor acha desse tipo de análise?

Freixo - Não concordo com isso. Declarei meu voto e isso é uma instância particular e cidadã. Fiz isso no dia seguinte à eleição, de manhã, em uma entrevista à rádio CBN. Bom, isso teve grande repercussão, a própria Dilma me ligou vinte minutos após a entrevista e não houve qualquer acordo, quero deixar claro que não há qualquer moeda de troca. Não vou participar do governo da Dilma e não vou indicar ninguém para cargos. Não acho que os dois partidos representem a mesma coisa, e o principal discurso contra o PT não é o que eu faria.

Tenho muitas críticas ao PT. Por exemplo, acho um desastre a política agrária e acho um absurdo o pagamento de nove dias de juros aos bancos ter o mesmo valor de um ano de Bolsa Família, entre outras coisas. Tem ainda a lógica da governabilidade, que se volta contra o PT neste momento. Mas grande crítica que vejo ao PT hoje, no Rio, é a crítica à corrupção. Tenho recebido ataques nas redes sociais pelo apoio, como se a vitória do PSDB consertasse a corrupção. O discurso antipetista hoje é marcado por uma suposta moralidade, não é uma crítica política ou de modelo. É evidente que tenho críticas em relação a isso também, mas o debate da corrupção não é comportamental, a corrupção é estrutural e sistêmica. Não estou dizendo que é inevitável. A corrupção tem ligação com sua política de alianças, com sua estrutura política e com a "não reforma" política brasileira. As lógicas que condenam o PT não são as razões que me levam a querer a mudança. O Aécio é uma bandeira moralista que não tem condições de ser isso. Se alguém condena o "mensalão" do PT, como eu condeno, deveria condenar também o "mensalão" do PSDB em Minas Gerais. Aliás, Minas o condenou, derrotando o Aécio e o candidato dele nas urnas. Além disso, a própria reeleição do FHC e o governo do Marcelo Alencar [PSDB] no Rio de Janeiro são outros exemplos de corrupção. O PSDB não pode se colocar como a solução comportamental do enfrentamento à corrupção.

No que diz respeito a pautas, o Aécio quer retomar o Estado mínimo e retomar a criminalização dos movimentos sociais, que são pautas em que tivemos pouco avanço da Dilma, mas avançar pouco é diferente de retroceder. Sou um militante histórico dos direitos humanos, são 27 anos atuando na área, não posso olhar para a minha história e olhar pra esse segundo turno dizendo que eles representam a mesma coisa. Mas aviso que farei oposição à esquerda ao governo de Dilma.

Fórum - Em São Paulo, o PSDB tem se colocado favorável à redução da maioridade penal e à privatização dos presídios. As duas propostas têm apoio do presidenciável Aécio Neves. O senhor, que atua na área de direitos humanos há 27 anos, com maior incidência no sistema carcerário, pode fazer uma análise sobre o impacto que essas medidas podem ter em nosso sistema carcerário?

Freixo - Por exemplo, quando falo que não é a mesma coisa, me refiro a essa pauta. Poderia dar mais exemplos, mas é que essa é muito aguda. Falo do Aécio, mas esse é um programa do PSDB. O Serra foi eleito senador em São Paulo justamente com essa bandeira: redução da idade penal e privatização de presídios. Isso diz muito, porque é um debate de classe. Não é técnico, de propostas. Coloca no centro do debate de direitos humanos o debate de classe. Você pode pegar entrevistas minhas de muitos anos, venho dizendo o seguinte: a luta por direitos humanos hoje é o novo paradigma da luta de classes. Acho que o Brasil vai ter que fazer uma escolha: se a gente quer botar a juventude no banco da escola ou no banco dos réus. Tem um setor da sociedade brasileira que já escolheu, vai botar no banco dos réus. Essa é uma escolha de classe.

Para você ter uma ideia, é só olhar o número de brancos mortos em 2002, 2006 e 2010, e o número de negros mortos nos mesmos anos. Em 2002, morreram 18.852 brancos; em 2006, 15.753; em 2010, 13.688. O número de negros mortos – são dados oficiais – em 2002 é de 26.952; em 2006, 29.925; em 2010, 33.264. Enquanto a população branca vítima de homicídio diminui, o que é extraordinário – redução de homicídios é sempre válida –, a negra cresce. Hoje, tem mais de três vezes chance de ser assassinado um negro do que um branco. Hoje, quando você entra em um presídio, vê uma massa de jovens pobres, negros, de baixíssima escolaridade, moradores de periferias e favelas. Há um processo de criminalização da pobreza que legitima uma política pública de segurança baseada na oficialização e na institucionalização dessa criminalização, que é quando você diz que vai reduzir a idade penal e que vai privatizar o presídio. Vai transformar em lucro a barbárie e a destruição de perspectiva de uma geração inteira de jovens pobres e negros.

Isso não é um detalhe, não é uma coisa pequena. Isso é central no debate de perspectiva de país, de concepção de desenvolvimento e de democracia, de pertencimento de luta de classe. Esse é um olhar de classe. Não posso, assim, dizer que eles [Dilma e Aécio] são iguais. Não são. Espero que no debate de amanhã [promovido pela TV Bandeirantes na terça-feira, 14] a Dilma fale isso, que se posicione em relação a isso, enfrente isso e se coloque como um projeto diferente. Que ela não dispute à direita o voto conservador.

Fórum - Quando o senhor entregou o relatório da CPI das Milícias, em 2008, eram 170 áreas dominadas por milicianos. Hoje, estima-se que cheguem a 300. O senhor já recebeu notícias da atuação de milicianos dentro das UPPs?

freixo-tarcisioFreixo - Esse é um debate. Primeiro, ao contrário do que alguns diziam, não acho que a UPP seja uma milícia, são coisas diferentes. Se você acha isso, acha também que em qualquer lugar onde há polícia, há milícia, e essa é uma afirmativa muito perigosa e irresponsável. Agora, a UPP não é um instrumento de enfrentamento às milícias, essa é a primeira coisa que tem que ser dita. É um instrumento de retomada de território de áreas muito específicas, que interessam a outros projetos, do tráfico. Só tem uma única UPP instalada em área de milícia, na favela do Batan, onde os jornalistas foram torturados. É muito simbólico que seja exatamente ali. Nenhuma outra UPP está em área de milícia, todas elas estão em áreas do tráfico e muito específicas. Por exemplo, 100% estão em favelas da zona sul. Em Jacarepaguá há uma área muito dominada por milícias, e só tem unidade na Cidade de Deus, que é onde tinha tráfico. UPP não um instrumento para enfrentar milícias, é outra coisa, um projeto de cidade, que envolve um debate mais profundo.

Foto: Freixo ao lado de Motta, candidado do partido ao governo do Rio de Janeiro em 2014.

As milícias surgem no governo Rosinha [Garotinho], crescem muito no governo Cabral. Na eleição de 2006, foi o momento de maior avanço institucional das milícias – elas elegem um deputado, já tinha eleito vereadores, que alcançam uma representatividade institucional como nunca antes. Um ano depois, vem a CPI [das Milícias, da qual Freixo foi presidente], e isso dá uma mexida nesse tabuleiro político. Hoje, aqueles que eram representantes institucionais das milícias estão todos presos e condenados, não sobrou nenhum. Mas, como a milícia tem uma estrutura de máfia, não é detida pela prisão de seus líderes – nenhuma máfia do mundo é detida porque seus líderes são presos. As milícias evidentemente têm os seus braços econômicos, territoriais e políticos. Isso continua, tanto é que no governo Cabral, mesmo com as prisões efetivadas, foi o momento em que mais cresceram, prova contundente de que só a prisão não resolve. Não foram tirados deles nem território, nem o braço econômico.

A ideia de que as áreas de UPPs podem se transformar em milícias é um risco, porque sempre tem território disputado. Se olharmos para a favela da Maré hoje, o exército está ali preparando para instalar uma UPP. A favela da Maré é composta, na verdade, por 16 comunidades. Uma delas, Ramos, que está ao lado, onde não há a presença do exército, é da milícia, e não está prevista UPP ali. Está prevista em todo o entorno, mas não ali.

Fórum – Na última entrevista que o senhor concedeu à Fórum, em abril de 2013, fez um paralelo entre o projeto de UPPs e megaeventos. Isso se confirma, mais de um ano depois?

Freixo - Claro.

Fórum – O senhor falou também que, em seu embrião, a ideia do projeto de UPPs não era ruim.

Freixo - A gente nunca foi contra o policiamento comunitário, a ideia da política de aproximação da polícia. Isso defendemos há anos. O problema é que a UPP é muito mais complexa do que isso. Seis anos depois, há a possibilidade de aproximação da polícia, mas não tem a formação de uma outra polícia. Ela continua não sendo uma polícia de aproximação, porque continua sendo formada para a guerra, para uma invasão do território do inimigo, e isso mata completamente a possibilidade de política de aproximação. Há ainda, nas outras áreas que não são de UPPs, um deslocamento do crescimento da violência, algo muito previsível de que governo não tratou. Se olharmos o que acontece hoje em São Gonçalo, Niterói, Baixada, é um horror, as taxas de criminalidade explodiram nesses locais, porque é evidente que haveria deslocamento. E, mais do que é isso, nos lugares onde há UPP, não há mediação. Então, o morador não sentiu que essa política de aproximação da polícia pudesse gerar mais autonomia sua nas decisões do local onde vive. Pelo contrário, ele agora precisa se destinar à polícia para pedir autorização em relação a coisas que só a polícia determina. Se eu quiser fazer, na minha casa, o aniversário de quinze anos da minha filha, não preciso pedir autorização à polícia, mas isso é necessário em qualquer área de UPP.

Tem um processo de militarização da vida que não caracteriza uma política de aproximação, porque não há mediação dos conflitos. Não há a presença de um outro setor para além da polícia para que possa dar a ela um papel diferente do que o que etem hoje nas áreas de UPP. E, seis anos depois, os conflitos existem inevitavelmente, porque não há um canal de escuta, por exemplo. Então, por um lado, não há uma polícia preparada para a lógica da aproximação, que ainda vive na lógica da guerra – há uma desorganização muito grande dessa polícia –, não tem a mediação dos conflitos – a presença de um mediador que esteja para além da polícia –, não há investimentos em áreas essenciais e mais desejadas por esses moradores, não há canal de escuta desses moradores para que o Estado possa saber onde esses investimentos precisam chegar. Ou seja, sobra para a polícia administrar e ser o xerife, uma função que não existe constitucionalmente. A polícia hoje, nas áreas de UPP, são prefeitos, governadores, síndicos, além de policiais, em uma área dominada militarmente.

É evidente que é bom não ter o tráfico, embora ele continue em diversas áreas de UPP. O fato de ele não existir traz ao morador, em um momento inicial, a ideia de conforto, mas, com o tempo, isso passa a não justificar o conjunto de problemas – até porque, em vários lugares, a presença armada do tráfico voltou.

Fórum - O Rio de Janeiro elegeu o primeiro prefeito do Psol, ampliou o número de parlamentares do partido de três para cinco, na Alerj; além disso, aumentou de dois para três o número de parlamentares representando o Rio de Janeiro na Câmara. Por que a relação do Psol com o Rio tem se fortificado tanto, de forma distinta do resto do país?

Freixo - O Psol, se não me engano, elegeu doze deputados estaduais. Destes, cinco estão no Rio de Janeiro, o que confirma o que está dizendo. Dos cinco federais eleitos, três estão no Rio de Janeiro. Os números, pelo menos do ponto de vista eleitoral, dão ao Rio um protagonismo muito forte, isso não tem como negar. Acho que tem a ver com essa característica do Rio de Janeiro. Nossa campanha de 2012 [quando Freixo era candidato à prefeitura do Rio] foi um divisor de águas. Não por minha causa, mas por conta do contexto. O embrião daquilo que explode em 2013 já existia aqui no Rio de Janeiro.

O último ato da campanha, que foi um comício na Lapa, dava para fazer uma leitura de que tinha alguma coisa acontecendo no Rio. Foi um dia que dava inveja para Noé, porque nunca vi chover tanto na minha vida. Às três horas da tarde, quando estávamos reunidos, eu estava em pânico, chegou um momento que achei que tinha que cancelar, porque não parava de chover torrencialmente. Mas ia desmarcar como? As pessoas iam aparecer. Aí me vem uma informação de que às cinco horas da tarde começa a chegar gente debaixo da chuva. Eu disse para manter. Foi chuva do princípio ao fim, e a gente tinha milhares de pessoas na Lapa, a perder de vista. Se não chovesse, poderia ter sido um dos maiores comícios dos últimos tempos no Rio de Janeiro. O Psol, no Rio de Janeiro, consegue expressar esse sentimento [de dualidade transgressor x conservador].

O Psol tem um parlamentar como o Jean [Wyllys], absolutamente atípico, que pega as pautas que ninguém nunca teve coragem de pegar, e coloca no centro de seu debate político. E foi o deputado que assistiu ao maior crescimento de sua votação. Sai de 13 mil votos para 140 mil. Acho que hoje o grande acerto do Psol do Rio de Janeiro foi ter insistido nessa política de escuta e de ampla participação dos setores dos movimentos, dialogar com eles. Há muita vida que pulsa no Rio de Janeiro para além dos partidos. Não que isso não tenha acontecido em outros lugares do Brasil, vejo isso ocorrer no Sul, no Ceará, mas não tem o mesmo resultado eleitoral. Só não estou dizendo que essa iniciativa é exclusiva do Rio de Janeiro, porque não é. São as características do Rio de Janeiro. O Sul, por exemplo, convive ainda com um PT muito forte, a gente aqui não, convivemos com um PT que foi governar com o PMDB. Há diferenças específicas de conjunturas que também ajudam a entender isso.

Fórum – E, nacionalmente, como o Psol sai destas eleições? O senhor considera que a Luciana Genro é uma nova liderança?

Freixo - A Luciana já era. Mas ela vive um negócio atípico. Tenho uma relação das melhores com a Luciana, tenho muito carinho por ela. Fiquei muito contente com a sua candidatura dela, quero deixar claro que desde o início achei que a candidatura tinha que ser dela, acho que perdemos tempo. Não quero com isso remontar ao passado, isso é bobagem, mas acabamos perdendo tempo. A Luciana acabou sendo candidata já muito perto das eleições, trocou a roda com o carro andando, e isso atrapalha, mas ela teve uma capacidade incrível de se posicionar. Esta campanha, sem Luciana, teria sido muito pobre. Ela cumpriu um papel decisivo, e acho que será muito importante daqui para frente na consolidação do Psol, no amadurecimento do Psol como uma força de esquerda. Não dá para o Psol continuar sendo uma força carioca nacional. A gente precisa ampliar isso.

Fórum – O quanto o não financiamento privado das campanhas do Psol contribui para os mandatos exitosos de seus candidatos eleitos?

freixo-lucianaFreixo - Isso é decisivo. A reforma política é essencial para a democracia. Disse algo no começo da entrevista que me apavora muito: as razões que a sociedade tem para derrotar o PT não são as razões que eu tenho para derrotar o PT. Esse debate moralista da corrupção é um grande equívoco. Não estou dizendo com isso que a corrupção é algo menor, mas não é o PSDB o antídoto para a corrupção no Brasil, mas sim a reforma política, que vai atingir tanto o PSDB quanto o PT. Porque têm os mesmos métodos, os mesmos financiadores – é uma mera questão de intensidade. Acho que o Psol tem que insistir nisso. O Tarcísio usou uma frase que fez muito sucesso durante a campanha: "quem escolhe a música é quem paga a orquestra". Se você é financiado pelas empreiteiras, você vai administrar uma cidade como o Rio de Janeiro com quem?

Foto: "Esta campanha, sem Luciana, teria sido muito pobre", diz Marcelo Freixo (Reprodução/Facebook).

Fórum – Em setembro, tivemos o plebiscito popular pela Constituinte Exclusiva à reforma política, 7,7 milhões de pessoas votaram. A mídia tradicional escondeu totalmente esse fato. A democratização dos meios de comunicação não é também uma pauta essencial?

Freixo - Claro. Brinco dizendo que uma das pautas da reforma política é a democratização dos meios de comunicação. É um dos itens. Sempre que falo isso, me remetem à Cuba, Venezuela. Eu digo que podemos ir mais longe, subir mais um pouco e chegar aos Estados Unidos. A legislação norte-americana sobre os meios de comunicação é muito diferente da nossa. Jamais pode haver lá a concentração que há aqui, uma mesma empresa não pode ser dona de jornais, TV e rádio. É decisiva para a democracia a discussão dos monopólios da informação hoje e os interesses de uma empresa sobre a produção de informação. É evidente que isso não pode cair nesse jogo barato de dizer que estamos defendendo a censura.

Esse ano passei por uma situação muito delicada. O pessoal que diz que 1968 é ano que não terminou não conheceu 2014. Nove de fevereiro foi a data do programa do Fantástico tentando me associar àquelas confusões por causa do telefonema de uma ativista. O que vivi ali foi algo pra lá do surreal, a tentativa mais torpe de destruição de uma vida pública. Sem nenhuma possibilidade de defesa, sem nenhuma acusação, porque não havia qualquer elemento de acusação. "O estagiário recebeu um telefonema de uma ativista e o estagiário disse para o advogado, que disse para a jornalista, que a ativista teria dito para o estagiário que eu ofereci um advogado". Isso deu uma matéria de oito minutos no Fantástico e queriam que eu me explicasse. Explicar o que? Foi uma campanha de ataque contra mim, fui assunto em três editoriais na Globo em uma semana, nunca tinha visto isso, era uma tentativa de destruir uma vida política.

A reação vem das redes sociais. O Caetano Veloso, a quem devo muito, escreve um artigo dentro do jornal O Globo me defendendo, começa uma campanha espontânea de cancelamento de assinatura do O Globo, que a gente nem sabia de onde estava vindo. No Facebook, começa uma página "Tenho ligação com o Freixo" e meu rosto vira máscara de carnaval. Toda essa reação mostra que há um outro lado nisso tudo, esses caras não são mais donos do que eles achavam que eram, hoje é possível fazer um contraponto. E, olha, vou falar algo pela primeira vez em uma entrevista. Eu estava esperando demais o resultado dessa eleição, porque seria uma resposta. A coisa mais dura, pra mim, foi que os caras me acusavam de não acreditar na democracia. Uma vida inteira dedicada à democracia e me dizem isso? Diziam que eu estimulava e pagava militante para depredar e causa tumulto. Foi duro.

Fórum – O senhor estava falando da força das redes sociais. Em 2012, sua candidatura foi alavancada na internet. Em 2014, talvez a disputa eleitoral já tenha sido mais propositiva na internet do que na televisão. O senhor acha que é possível ganhar a eleição em 2016 na internet?

Freixo - Acho que sim, apesar das limitações impostas pelo Facebook, que nos prejudicou bastante. Se você pegar o meu mapa eleitoral de 2014, vai ver que eu tive votos em todos os 92 municípios, foram 250 mil votos na cidade do Rio de Janeiro e os outros 100 mil espalhados. Se olhar esse mapa dos 250 mil votos, vai ver que tive votos em áreas que nunca coloquei o pé e isso tem duas explicações: o meu mandato e o alcance da internet. Não é verdade que a rede social é elitista, hoje você chega nos lugares mais afastados e mais pobres com a rede social. Fui o candidato mais votado do Rio de Janeiro e isso é bom pra acabar com essa palhaçada de "candidato zona sul", fui o mais votado da Rocinha. Entra na Rocinha, tem mais placa do que morador na Rocinha, nenhuma placa minha. Aliás, tem um deputado que se acha o dono da Rocinha, tem placa dele para tudo que é canto, e eu encontrei com ele nessa semana na Alerj e não resisti, passei por ele e mandei: "Tá vendo, foi fazer economia, gastou pouco na Rocinha e te ganhei lá."

Fórum – Deputado, o senhor já consegue caminhar sem segurança pelo Rio de Janeiro? As ameaças de morte cessaram?

Freixo - Faz tempo que não recebo uma ameaça direta de morte. Quanto mais visibilidade eu tenho, maior tem que ser a defesa, mas isso não é garantia. Evidente que se um deputado é assassinado, isso vira um escândalo internacional, mas não posso achar que o sujeito que quer me matar vai ter esse pensamento. O que a gente fez foi algo muito duro pra eles [milicianos]. Vingança é um prato que se come frio e não posso me descuidar, os sinais e os recados que me mandam a Secretaria de Segurança é que devo me cuidar, principalmente com a rotina, que é onde mora o perigo de quem é ameaçado. Mas não me privo de sair, de namorar, de fazer as coisas que gosto, com algumas privações, mas vivo e sou feliz porque acredito no que faço.


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