Mas quem não aprendeu alguma coisa com o que está para trás arrisca-se a imaginar novidades em cinemas onde apenas está a passar um filme muito visto. E, chocado com o sensacionalismo das coisas “nunca vistas”, arrisca-se a deixar passar despercebidos os ingredientes verdadeiramente novos da situação que temos pela frente.
Velho, quase tanto como o mundo, é este jogo do empurra entre as principais potências ocidentais: em Julho de 1938, reuniu-se em Evian a conferência convocada pelo presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt para discutir a situação dos judeus que fugiam das perseguições nazis na Alemanha e na Áustria recém-anexada pelo nazismo. Alguns convidados, como a Itália fascista e a URSS estalinista recusaram-se a comparecer. Outros governos, como os de Portugal e Espanha, não foram convidados, tendo em conta a sua óbvia inutilidade.
Outros ainda – a maioria, e essa é a mais interessante para a comparação que agora nos importa – estiveram presentes e desmultipliciaram-se em declarações filantrópicas sobre o destino dos perseguidos. Era urgentíssimo, diziam, que a “comunidade internacional” fizesse alguma coisa por ele. Eram elementaríssimos, acrescentavam, os princípios universais que obrigavam a dita comunidade de países “civilizados” a tomar iniciativas imediatas.
Pequeno problema, e aí Evian torna-se igual a Bruxelas: cada um entendia que isso era, principal ou exclusivamente, tarefa dos outros. E não só dos outros parceiros imperialistas, como sobretudo dos povos coloniais. Assim, o Reino Unido nunca considerou acolher judeus em número apreciável nas ilhas britânicas, mas tão-somente na Palestina, acabando finalmente por desistir da ideia por recear que alguma precoce Intifada viesse perturbar o seu domínio na região; o mesmo para a França, em relação à Argélia; e o mesmo para os Estados Unidos, em relação à América Latina.
Onde a Alemanha nazi pensava despachar os judeus para Madagáscar, as potências ocidentais pensavam despachá-los para outros territórios periféricos ou coloniais.
Passados dois anos, com a invasão da França, começaram a ser acolhidos judeus nos EUA a conta-gotas, com quotas de vistos limitadas. Mas havia sempre uma discussão de números e não uma prioridade do tal princípio universal: atribuir o asilo a quem foge do genocídio – pela guerra, pela fome, por todo o tipo de catástrofes – sejam esses refugiados quem forem e sejam eles e elas quantos forem.
Já vimos então tudo o que a presente crise dos refugiados nos apresenta? Não há então nenhuma novidade no que está a passar-se? Não há nenhuma novidade nos hipócritas e cínicos mecanismos de comportamento das potências imperialistas. Há, sim, uma novidade objectiva: o que está a passar-se agora é pior que aquilo que sucedia com os judeus no momento da conferência de Evian e mesmo no momento da invasão nazi em França.
É que os judeus eram nesse momento brutalmente perseguidos, expropriados, humilhados ou marginalizados nos países sob domínio nazi. Não tinham começado ainda as deportações e, menos ainda, os gaseamentos de Auschwitz. O genocídio que já então estava nas primeiras fases da sua marcha, ainda, sobretudo um genocídio económico, social e cultural. Os refugiados que hoje nos batem à porta já sofrem também um genocídio físico. Mas os pomposos senhores de Washington, Berlim e Bruxelas continuam a ser rápidos para destruir países inteiros (Afeganistão, Iraque, Líbia) com as suas invasões e, por outro lado, absolutamente inoperantes para fecharem a caixa de Pandora que abriram. Isso, que nada mudou, faz toda a diferença diante de um genocídio físico em fase muito mais avançada do que estava o Holocausto em 1938 ou mesmo em 1940.