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011011_rebLíbia - Brasil De Fato - [Alberto Pradilla] Trípoli, Líbia. Ninguém sabe quantas são, mas pessoas como Ali El Garari contradizem o argumento da precisão “cirúrgica” dos ataques do Ocidente.


Os seis familiares de Ali El Garari, de 70 anos, não estão incluídos na lista oficial de mártires da revolta líbia. Além de perder a família, sua casa foi destruída. Mas há algo que os diferencia de outras vítimas: eles não combatiam as forças de Muamar Kadafi, e sim tiveram suas vidas terminadas pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em um bombardeio qualificado depois como “um erro”.

Segundo os vizinhos, o objetivo era um apartamento usado por Saif Al Islam, filho do coronel. Mas acabou sepultando os El Garari e uma pessoa que passava por lá. Na rua Arad Zentlk, no bairro de Harada, em Trípoli, as pessoas não sabem onde o idoso se refugiou.

Ele deixou para trás sua casa de três andares destroçada e seis túmulos para visitar. Em troca, um perdão genérico emitido por um porta-voz ocidental que nunca saberá que Ali existe, e um carro novo que o regime lhe presenteou como compensação pelas perdas.

As vítimas dos aliados, que bombardeiam a Líbia, constituem os grandes esquecidos deste conflito. Sequer sabe-se quantas são. Mas com os rebeldes no poder graças aos militares ocidentais, é difícil reivindicar uma memória que põe em questão o que os comandantes da Otan definiram como “intervenção cirúrgica”.

Bombardeio

“Ninguém sabe onde Ali está”, diz Abdulbaser Richi, de 30 anos, que mora em frente a essa casa reduzida a escombros onde a família Garari passou sua vida. Segundo relata esse jovem taxista, a bomba caiu há aproximadamente três meses, embora não lembre o dia exato.

Era meia-noite e Richi estava em sua casa juntamente com os pais e os nove irmãos. De repente, uma explosão destruiu esse bairro humilde formado por casas modestas e que sequer tem as ruas secundárias asfaltadas. “Estava tudo em chamas, a casa tinha vindo abaixo e havia cinco carros destroçados e pegando fogo”, relembra. Em meio ao caos, sua irmão, grávida, sofreu uma crise. Tiveram que levá-la ao hospital. Por sorte, pôde dar a luz sem complicações.

Fares e Karima el Garari são os dois únicos nomes que seus próprios vizinhos conseguem lembrar. Com eles, morreram outros quatro familiares que também se encontravam no interior da casa quando o míssil caiu. Na rua onde perderam sua vida, só existe memória para se assegurar que um deles era palestino e estava de visita.

“Danos colaterais”

Além dos el Garari, um homem que passava caminhando por ali se converteu no sétimo cadáver que o bombardeio deixou. Só Ali sobreviveu. Os corpos de seus familiares foram enterrados no cemitério Suhada Ashut, que está voltado para o Mediterrâneo e que se localiza no bairro de Souq Al Jummah, no sudoeste de Trípoli.

Lá, as lápides dos combatentes rebeldes dividem espaço com as das forças leais a Kadafi caídas em combate e com civis que, como a família el Garari, passam a fazer parte dessa longa lista que os militares ocidentais definiram como “danos colaterais”.

Abdulbaser Richi teve mais sorte. Nenhum dos 12 membros de sua família sofreu arranhão algum, embora a fachada da casa tenha ficado em pedaços. “Estamos pensando em nos mudar”, reconhece.

Tampouco ninguém veio falar com ele, que teria gostado de receber uma desculpa ou um gesto de boa vontade. Mas, como Ali, teve que se contentar com o oficial da Otan que apareceu na televisão reconhecendo que eles não eram seu objetivo. Tampouco o Conselho Nacional de Transição (CNT), aliado dos ocidentais, dirigiram-se às vítimas do bombardeio. O ataque ocorreu no mês de junho, portanto, Kadafi ainda exercia autoridade em Trípoli. Foi seu governo que presenteou com um carro novo todos os que haviam visto seu próprio veículo reduzido a sucata e cinza.

“Foi um erro. A Otan buscava Saif Al Islam mas atingiu outra casa”, assegura Hisham, um tripolitano que mora na rua paralela e que insiste em que as vítimas “eram gente normal, que não apoiava Kadafi”. A casa, um apartamento colado à casa dos el Garari, está agora deserta e vários vizinhos andam por seu interior. Provavelmente, esperam encontrar algo útil para levar.

Proteção e medo

Na Trípoli controlada pelos rebeldes, é difícil que alguém exiba sua lealdade ao coronel. Mal se escutam críticas aos bombardeios ou militares que os dirigem. Sequer suas vítimas se atrevem a pôr em questão a legitimidade dos aliados para atacar seu país.

“A Otan apenas pediu perdão pelo erro”. É a única coisa que Abdulbaser consegue expressar. Em bairros em que as bombas aliadas não causaram vítimas, chega-se inclusive a se aplaudir a intervenção estrangeira. “Quando escutávamos os aviões, ficamos contentes, porque sabíamos que nos protegiam”, assegura Firas, que mora no bairro de Gorji, a menos de um quilômetro de Bab Al Aziziyah, o complexo presidencial de Kadafi que se converteu em um dos objetivos prioritários para os caças da Otan.

Nem todos os vizinhos compartilham essa opinião. “Parecia que as bombas caíam em casa. Ficamos com muito medo”, afirma Sami Barhuni, que mora também do outro lado da estrada que separa Gorji de Bab Al Aziziyah.

Kadafi culpado

Ele denuncia que nunca havia se dado conta do perigo que corriam, embora Trípoli ainda esteja repleta de panfletos em árabe lançados pelos aviões que rasgam insistentemente seu céu. “Vocês não contam com tanto poder militar como a Otan. Deponham as armas ou acabaremos com vocês” ou “quem mata um líbio está destruindo a Líbia” eram algumas dessas mensagens que aterrizavam com o carimbo da aliança atlântica.

Culpar Kadafi pelos bombardeios da Otan se converteu em um dos argumentos dos seguidores dos insurgentes. “Não existe esse tipo de vítimas, isso é mentira do regime”, assegurava ainda no dia 3 vários homens sentados em um café junto à praça dos Mártires.

A boataria, muito ativa nesta guerra, terminou fazendo com que os moradores que sofreram os bombardeios chegassem a responsabilizar o coronel, embora não seja preciso mais do que comprovar os destroços para se certificar de que a destruição da casa dos el Garari tem o carimbo dos aliados.

Trípoli já está sob controle rebelde. Portanto, as bombas ocidentais centram-se agora em outras vilas, como Sirte ou Beni Walid. Lá, outras famílias passam as noites rezando para que sua casa não termine reduzida a escombros ou algum dos seus membros sofra as penúrias que Ali el Garari padeceu. (Gara)

Tradução: Igor Ojeda


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