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130814 grafico21América Latina - Le Monde Diplomatique - [Otaviano Helene] O critério para avaliar o padrão escolar de um país ou região é necessariamente comparativo: como é o presente em relação ao passado e como é sua situação em relação aos demais países ou regiões. Com essa perspectiva, vamos ver como está a América do Sul.


A educação é um fator que revela, além de muitos outros aspectos, o nível de desenvolvimento social e cultural de um país ou região, bem como sua possibilidade de produção econômica. Em outras palavras, não há nenhum caso de país que possa ser considerado socialmente desenvolvido sem ter um bom padrão educacional. Igualmente, não há nenhum país com produção econômica alta em termos per capitasem um bom sistema educacional. As exceções, nesse último caso, são os países exportadores de recursos naturais, petróleo em particular, cujo PIB pouco depende do nível de preparo de suas forças de trabalho.

De forma equivalente, os padrões escolares atuais de um país indicam as possibilidades futuras tanto no que diz respeito ao desenvolvimento social como ao crescimento econômico.

Então, como avaliar o padrão educacional de um país? Diferentemente de outras necessidades humanas, a educação não tem um padrão ideal, como ocorre, por exemplo, com a alimentação. Na atual realidade mundial, podemos dizer que, no caso da educação, quanto mais, melhor. Assim, o critério para avaliar o padrão escolar de um país ou região é necessariamente comparativo: como é o presente em relação ao passado e como é sua situação em relação aos demais países ou regiões. Com essa perspectiva, vamos ver como está a América do Sul.

Indicadores educacionais

Uma avaliação educacional detalhada pode depender do exame de muitas variáveis e mesmo dos detalhes de cada uma delas. Entretanto, para uma avaliação ampla, alguns poucos indicadores quantitativos podem ser suficientes. Assim, vamos usar apenas dois para avaliar a situação da educação na América do Sul: a taxa de analfabetismo de pessoas com 15 anos de idade ou mais e a taxa de inclusão de jovens no ensino superior,1 ambos sistematicamente divulgados pelo instituto de estatística da Unesco.2As flechas da figura acima mostram como variaram esses indicadores em onze dos doze países da América do Sul3 entre 1980 e 2010, enquanto a flecha tracejada indica a variação nos países industrializados no mesmo período. As flechas começam na situação encontrada em 1980 e terminam na de 2010.

Antes de uma análise mais pormenorizada, é necessário considerar que os dados têm alguma margem de imprecisão por causa das incertezas intrínsecas dos levantamentos estatísticos, das diferenças de aplicação, em cada país, dos critérios recomendados pela Unesco, do rigor com que os diferentes países realizam o levantamento dos dados e de vários outros fatores. Embora as margens de incerteza possam impedir uma conclusão definitiva quando dois países apresentam diferenças relativamente pequenas nos indicadores, elas não afetam as conclusões que podemos tirar de variações mais significativas, como aquelas observadas entre 1980 e 2010.

Outro aspecto que impede conclusões baseadas em pequenas diferenças dos indicadores entre dois países é a qualidade da educação. Assim, por exemplo, dois países com taxas iguais de inclusão no ensino superior podem apresentar grandes diferenças quanto ao seu efeito na realidade nacional. Essas discrepâncias podem depender de como os estudantes se distribuem pelas diferentes áreas de conhecimento, do tipo de instituição, da qualidade da formação, da evasão durante o curso, de como instituições e cursos se distribuem pelo país, entre vários outros fatores. Mais ainda: como os indicadores considerados são baseados em médias, eles nada dizem sobre como a educação se distribui pela população. Desse modo, dois países com médias iguais podem ser muito diferentes se as distribuições da educação pela população em um deles forem relativamente uniformes e em outro forem consequência de dois grandes contingentes populacionais, um altamente escolarizado e outro analfabeto.

Com essas limitações em vista, vejamos o que de mais significativo mudou desde 1980 na América do Sul. Em 1980 (início das flechas, marcado com um círculo), havia dois grupos relativamente distintos de países: Bolívia, Peru, Paraguai, Brasil e Suriname, com indicadores de analfabetismo e de inclusão no ensino superior bastante baixos; e Chile, Argentina e Uruguai, com indicadores relativamente elevados em relação aos demais. Equador, Venezuela e Colômbia ocupavam, naquele ano, uma posição intermediária. Em resumo, havia, em 1980, uma grande heterogeneidade educacional entre os países sul-americanos. A Bolívia, com uma taxa de analfabetismo da ordem de 35%, e o Uruguai, com 5%, ilustram essa heterogeneidade.

A desigualdade interna em cada país era, em alguns casos, muito grande. O Equador, com uma taxa de analfabetismo de cerca de 20%, ao mesmo tempo que incluía no ensino superior mais de 30% de seus jovens, ilustra bem esse fato.

A heterogeneidade entre os países da América do Sul foi mantida em 2010, e ao grupo de países com melhores indicadores quantitativos – Argentina, Chile e Uruguai – juntou-se a Venezuela. O Equador e a Colômbia, que ocupavam uma posição intermediária em 1980, passaram a fazer parte do conjunto de países com piores indicadores educacionais, juntamente com Bolívia, Peru, Paraguai e Brasil, cujas posições relativamente ruins foram mantidas.

O Suriname, em 2010, passou a ocupar uma posição particular, com uma grande redução do analfabetismo em relação a 1980, mas com uma taxa de inclusão no ensino superior bastante baixa se comparada à dos demais países. Se essa característica do desenvolvimento da educação no Suriname for um esforço para priorizar o aumento da escolaridade média da população sem criar desigualdades, que é uma grave característica de alguns sistemas educacionais, como o brasileiro,4 ele está no bom caminho; mas, se essa característica indicar uma incapacidade nacional de fomentar níveis mais avançados de educação, o trajeto está errado.

Quando os indicadores educacionais das nações sul-americanas são comparados com os dos países industrializados e de alta renda, algumas observações parecem interessantes. Em 1980, com exceção talvez dos índices de alfabetização do Uruguai e, em menor grau, da Argentina e do Chile, os dois indicadores dos países da América do Sul aqui analisados eram piores, ou mesmo bem piores, do que os dos países industrialmente desenvolvidos. Em 2010, os indicadores educacionais da Argentina, Chile, Uruguai e Venezuela, com exceção da taxa de analfabetismo neste último, são equivalentes aos dos países industrializados. Esse fato talvez indique que a diferença educacional entre nossos vizinhos geopolíticos mais avançados em termos educacionais e os países industrializados não seja mais perceptível nesses indicadores, podendo ter migrado para indicadores educacionais além do ensino superior, como a pós-graduação e a pesquisa científica, esta última fortemente dependente de um sistema escolar mais sofisticado, ou se manifestam apenas nos indicadores qualitativos.

Os demais países – Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Suriname – apresentavam em 2010 indicadores educacionais significativamente inferiores aos dos outros. Além disso, a comparação dessas nações com a realidade dos países desenvolvidos em 1980 sugere um atraso educacional superior a três décadas em relação a estes. Aparentemente, na Bolívia e no Peru o problema atual mais grave é o analfabetismo, enquanto no Brasil e no Suriname a principal questão parece ser a inclusão no ensino superior.

Se é possível uma conclusão...

Os países sul-americanos melhoraram seus indicadores educacionais ao longo das últimas décadas de modo consistente. Entretanto, é necessário observar que são raros os casos de países que retrocedem nesses ou em outros indicadores sociais em um período de algumas décadas; os poucos que retrocederam foram vítimas de guerras internas ou externas, invasões estrangeiras, tragédias naturais ou epidemias, ações violentas por parte dos países econômica e/ou militarmente mais fortes (em geral, em busca de recursos naturais) ou uma combinação desses fatores. Assim, a melhora observada nos países sul-americanos não é nenhum mérito intrínseco desse conjunto de países, mas uma característica atual em todo o mundo. Apesar desse desenvolvimento, a América do Sul ainda está muito distante dos padrões educacionais encontrados nos países industrializados.

Se quisermos construir um futuro mais promissor para nossa região, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Suriname devem fazer um esforço educacional intenso para melhorar os indicadores educacionais quantitativos, reduzindo as desigualdades com relação a dos demais países. Afinal, desigualdades podem servir de fermento para situações políticas que a ninguém deveriam interessar. Além disso, cada país deve desenvolver seu sistema educacional evitando as desigualdades internas, as quais acabam por se transformar em desigualdades regionais e de distribuição de renda – problemas infelizmente bem conhecidos dos brasileiros – e que levam a tensões que em nada contribuem para o desenvolvimento nacional.

Notas:

1-Uma das formas padronizadas de medir a taxa de inclusão no ensino superior é comparar o número total de matrículas com a população em uma faixa etária de cinco anos iniciando-se ao final do ensino médio. Esse indicador, chamado de taxa bruta de matrícula no ensino superior pela Unesco, é aqui denominado resumidamente de taxa de inclusão.

2-UIS-Unesco (www.uis.unesco.org), consultado em maio de 2014.

3-Há um único ano, 1999, para o qual há informação sobre o analfabetismo na Guiana, disponibilizada pela Unesco, de 15%. A taxa de inclusão no ensino superior nesse país variou de aproximadamente 3% em 1980 para cerca 12% em 2010. Por causa da restrição de informações, a Guiana não foi incluída nesta análise.

4-Sobre a relação entre desigualdade e educação, veja o artigo “O círculo vicioso da desigualdade”. Disponível em: www.cartacapital.com.br/sociedade/quase-um-teorema-4522.html.

Foto: VARIAÇÃO DOS DOIS INDICADORES EDUCACIONAIS CONSIDERADOS NOS PAÍSES SUL-AMERICANOS ENTRE 1980 E 2010.

Otaviano Helene é professor associado do Instituto de Física, presidiu a Adusp (Associação de Docentes da Universidade de São Paulo) de julho de 2007 a junho de 2009. Foi presidente do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).


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