Líder opositor Henrique Capriles. Foto: ICP Colombia (CC BY-SA 2.0)
Em recente entrevista concedida ao jornal espanhol El Pais, Henrique Capriles, o principal líder da direita agrupada na MUD (Mesa de Unidad Democrática), se mostrou muito cauteloso com a enorme vitória conseguida na Assembleia Nacional. Além de a direita ocultar o programa na campanha eleitoral, há a força do chavismo no movimento de massas e a própria radicalização social.
Alguns órgãos que são diretamente controlados pelos chavistas estão no olho da direita, a começar pelo Tribunal Supremo de Justiça, o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) e o Poder Popular. E, obviamente, a direita tentará avançar, fundamentalmente, neste sentido. Mas “as prioridades são a economia, o social e a insegurança”, segundo Capriles. Em outras palavras, os principais problemas são a crise econômica e a radicalização das massas, o que passa pelos coletivos, as milícias, os mecanismos de organização popular, mesmo mediatizados pelo chavismo, e o potencial explosivo da crise econômica.
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“É preciso chamar a todos os ministros de Economia e que prestem contas. É preciso pedir os números da inflação oficial, que não se sabem desde dezembro do ano passado. A diplomacia petroleira deve acabar-se; não mais petróleo de graça”. Este é o cerne da principal política da direita, um ajuste econômico contra a população.
O ajuste implica na clássica política neoliberal da redução, ou eliminação, dos subsídios e dos programas sociais, e a entrega, gradual, da PDVSA (Petróleo de Venezuela) para os monopólios.
Capriles segue a cartilha da direita tradicional norte-americana que, neste momento, está encabeçada pela Administração Obama com a sua política da “contrarrevolução democrática”.
A direita unificada contra o chavismo?
Na entrevista, Capriles deixou claro as contradições existentes no interior da MUD. “No ano passado, algumas pessoas nos diziam que a Venezuela não chegaria a estas eleições e que nós éramos uma fraude”. Essas “pessoas” são os grupos de extrema direita que fazem parte da MUD e que mantêm vínculos com a extrema direita norte-americana, como o Partido Voluntad Popular, de Leopoldo López, da deputada Corina Machado e do Alcalde Mayor de Caracas, agora preso, Antonio Ledezma.
Ainda sobre a ala mais direitista da MUD, Capriles complementou: “Qual foi o erro do ano passado? [quando a extrema direita impulsionou protestos de rua que deixaram 43 mortos e 900 feridos] Convocaram a mudar o Governo quando tinha 54% de apoio popular ... Isso já passou, ficou para trás, mas foi um erro pelo qual nós todos pagamos um preço. Esse é o problema da Unidad [MUD], que quando se comete um erro todos devemos pagar por ele. Além disso, não houve a intenção de retificá-lo publicamente. Problema deles. Essa colocação errada não convocou a maioria do país, que vive nos setores populares.”
Com quais setores do chavismo a direita procura se aliar?
“Há vários grupos de poder dentro do oficialismo. Há um deles que é o Maduro, outro Cabello [o atual presidente da Assembleia Nacional], outro denominado 4F, outro Jorge Rodríguez. Parece que estão num torneio para ver quem fica, quem é mais duro frente ao país, quando deveria ser o contrário. Deveria ser quem tem a sensatez de ler o resultado e convocar o país ao diálogo.”
“Os do 4F são alguns governadores, companheiros do presidente Hugo Chávez, do projeto 4 de fevereiro, o intento de golpe do ano 92. Tenho conversado informalmente com alguns deles e vi que há muito mais consciência da gravidade da crise que há no país e da incapacidade do governo neste momento.”
É evidente que, conforme a crise tem aumentado, tem se fortalecido uma ala no interior do chavismo que busca a aproximação com a direita na busca de uma “saída” neoliberal para a crise. Essa saída passa pelo ajuste, pela submissão ao FMI (Fundo Monetário Internacional), pelos cortes aos subsídios e aos programas sociais.
A direita do chavismo não tem condições de impor o ajuste sem a direita tradicional. Esta precisa da contenção social do chavismo para impor o ajuste.
O entrave para impor o ajuste se relaciona com a radicalização das massas, principalmente dos setores sociais. Jorge Rodríguez, o atual alcade [prefeito] do Município El Libertador (cidade de Caracas), é um dos elementos da alta cúpula do chavismo mais ligado aos movimentos sociais.
Os movimentos sociais chavistas têm enorme penetração popular e atuam principalmente por meio das Misiones, às quais se destina mais de 40% do orçamento público. Os movimentos sociais também contam com vínculos com uma parte dos Coletivos, que é a população dos Bairros que se armou depois do golpe de estado fracassado de 2002.
Qual é o papel de Diosdado Cabello?
A ala que controla o PSUV está encabeçada pelo presidente Nicolás Maduro e o presidente da Assembleia Nacional Diosdado Cabello.
Umas das principais questões que deverá ser acompanhada nas próximas semanas é o papel de Cabello na nova reforma ministerial anunciada por Maduro. Se Cabello for nomeado Ministro da Defesa se confirmará a tentativa do fortalecimento da alta cúpula militar do chavismo para enfrentar a direita.
Cabello tem origem militar. Além de controlar a Assembleia Nacional, ele mantém grande influência sobre os aparatos de segurança e de inteligência, principalmente as Forças Armadas Bolivarianas e a Agência de Inteligência Bolivariana, além dos ministérios relacionados à segurança, ao planejamento e controladoria e ao desenvolvimento industrial. Cabello mantém relações próximas com vários governadores, muitos deles ex-militares, o que o colocaria no campo do acordo com a direita. Mas Cabello também aparece como o principal financiador das Milícias Bolivarianas e do Movimento Revolucionário Tupamaro, o que também o coloca no campo dos setores mais radicais do chavismo.
Rodríguez tem feito reiteradas declarações sobre que a “revolução será defendida nas ruas.”
Qual é o papel de Nicolás Maduro?
No programa semanal de televisão “Em Contato com Maduro”, do dia 8 de dezembro, ele pediu a renúncia de todos os ministros. É preciso acompanhar qual será a composição do novo gabinete.
Maduro também disse que irá vetar a liberação dos presos políticos da direita, que aprovará uma lei de estabilidade no trabalho, por três anos, para os funcionários públicos e outorgou, em comodato, o Quartel da Montaña, onde repousam os restos mortais de Hugo Chávez, à Fundação Hugo Chávez. Essas foram reações contra declarações de elementos da ala mais direitista da MUD que haviam provocado um enorme mal estar entre a militância chavista.
Junto com Diosdado Cabello, Maduro anunciou a nomeação dos 12 magistrados que faltam nomear para o TSJ (Tribunal Supremo de Justiça). O TSJ estará colocado no centro da disputa com a direita, pois pode ser usado como contenção da Assembleia Nacional pelo governo.
Maduro convocou uma reunião extraordinária e imediata do PSUV para avaliar a crise aberta pela derrota eleitoral que teria sido provocada, em primeiro lugar, pela guerra econômica.
Maduro disse que “a cada medida que a Assembleia tomar teremos uma reação, constitucional, revolucionária e, acima de tudo, socialista”.
Nicolás Maduro começou sua atuação militando no movimento sindical, na categoria do transporte. Ele mantém ligações com a esquerda do chavismo, as comunas e os movimentos sociais, principalmente os do Município Libertador, a cidade de Caracas.
O papel de Maduro, e até o de Diosdado Cabello, deve ser avaliado numa dupla perspectiva. O aprofundamento da crise econômica tem inviabilizado os programas sociais, que estão na base do chavismo. Ao mesmo tempo, a cúpula precisa manter o chavismo unido e impedir uma implosão. Para isso, ela precisa manter os vínculos com a ala esquerda chavista, os movimentos sociais.
Da resposta das massas, nas ruas, à direita, dependerá a aplicação do plano de ajuste e a própria evolução do PSUV e do chavismo. O mais provável é que o chavismo rache, o que também deverá acontecer com a direita. Maduro, e também Cabello, poderá avançar na direção do acordo com a direita ou no combate ao burocratismo do PSUV e pela radicalização das massas para garantir e aprofundar as conquistas da “Revolução Bolivariana”. Isto deverá ser avaliado conforme a situação política se desenvolver.
A Venezuela representa hoje um dos países da América Latina onde as contradições de classe tendem a se desenvolver mais rapidamente, com um potencial de contágio alto para o restante da região.
Alejandro Acosta é cientista social, colaborador do Diário Liberdade e escreve para seu blog pessoal.