Mas aí, pouco a pouco, com o desenrolar do conflito, a recusa permanente do governo português em discutir independência de territórios ultramarinos, uma organização maior começa a brotar desses movimentos de independência que até pouco tempo existiam quase que totalmente só em papel. Mas nem por isso o dinheiro começaria a fluir, e o custeio de exércitos, equipamentos, rações e armas era um problema constante nos movimentos de independência de Guiné, Angola e Moçambique. A sorte desses movimentos é que já naquela época um riflezinho de assalto, muito simplório, fazia sucesso em forças rebeldes e guerrilhas por todo globo: a "Automat Kalashnikova Odraztzia 1947 Goda" (em português, Arma Automática Kalashnikov, modelo de 1947).
É incrível como esse fuzil foi de uma utilidade impensável para as forças rebeldes que lutavam contra Portugal. A característica mais importante e cara à AK47, e que faz seu sucesso ainda hoje, mais de 50 anos depois de sua concepção, é que é uma arma extremamente simples, de pouquíssimas peças, fácil de montar e desmontar, fácil de recarregar, e – o melhor – não emperra nem falha quando mergulhada em barro, água, ou qualquer outro material no meio de um campo de guerra qualquer.
Os portugueses, por sua vez, utilizavam o fuzil de assalto Heckler & Koch G3, mais conhecido simplesmente como "G3?, de origem alemã ocidental. O desempenho do armamento português em terreno africano, de clima tórrido, ficava muito atrás das AK47 de guineenses, angolanos e moçambicanos.
Foi essa simples arma que ajudou os guineenses a conquistarem dois terços do território de Guiné-Bissau de facto, quando Portugal finalmente aceitou a independência de sua colônia. Grandes regiões de Angola e Moçambique foram conquistadas através do mesmo armamento.
Ironia das ironias, durante o período em que Timor foi ocupado pela Indonésia, as AK 47 mais uma vez deram as caras nas mãos da Fretilin. Do outro lado, os indonésios, contando com o imoral mas lucrativo apoio norte-americano utilizavam o armamento de seu aliado, o M16. Mais uma vez, assim como Portugal, os M16 perdiam de longe para as AK47 dos timorenses. É certo que muito da resistência deve-se à tenacidade e coragem da guerrilha, mas a AK47 mostrou-se novamente uma companheira valorosa.
Volta e meia, em reportagens ou entrevistas com antigos combatentes de Guiné, Angola, Moçambique e Timor, vê-se uma velha AK47 ainda em forma na mão dos locais. E, mais curioso ainda, como demonstrado no meu artigo sobre brasões do ultramar português, me interesso muito por heráldica e emblemas de países. E, o que me parece mais cativante, é que exatamente em dois países, Moçambique e Timor, a AK47 foi imortalizada, fazendo parte dos brasões de ambos os países. Já reparou alguma vez na arma que aparece tanto no escudo de Moçambique quanto no de Timor? Pois é, é a velha AK47. E como tentei explicar aqui, ela não aparece nesses dois brasões (e em mais nenhum outro no planeta) não é à toa!