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professores-em-luta-470x260Portugal - Revista Rubra - [Pedro Almeida Ferreira] Sou um dos professores que vão ter que fazer a PACC – Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC)–, não só porque a partir de 29 de Maio de 2014 me torno detentor de uma qualificação profissional para a docência (grupos 400 e 420), mas porque tenho necessariamente menos de 5 anos de serviço.


 

Sem a aprovação na PACC e de acordo com o artigo n.º 2 do Decreto Regulamentar n.º 3/2008, de 21 de Janeiro, na sua actual redacção, ficarei impedido de ingressar na carreira docente, nomeadamente através da não admissibilidade aos concursos de selecção e recrutamento de pessoal docente, empurrando-me automaticamente para o desemprego, a mim e a 13.500 professores nesta situação.

A prova, desenvolvida pelo Instituto de Avaliação Educativa, I.P. (IAVE) é apresentada à população como um instrumento que «visa assegurar mecanismos de regulação da qualidade do exercício de funções docentes, garantindo a comprovação de requisitos mínimos nos conhecimentos e capacidades transversais à leccionação de qualquer disciplina, área disciplinar ou nível de ensino, bem como o domínio de conhecimentos e capacidades específicos essenciais para a docência em cada grupo de recrutamento»[1].

Com esta premissa o Ministério da Educação e Ciência (MEC) ignora todo o percurso que me tornou professor, profissão que sonhei desempenhar desde criança. Depois de concluir uma licenciatura em História e uma Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação, ambas no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, irei concluir o Mestrado em Ensino de História e Geografia no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Paralelamente realizei estágio pedagógico (onde não fui remunerado e onde não me contaram dias de serviço) e irei defender, publicamente e perante um júri, o relatório da minha prática, na qual, além das aulas que leccionei e das actividades extracurriculares que organizei, desenvolvi um tema de investigação inovador[2]. Ao todo são 7 anos de formação, de muitas avaliações e excelente notas, anos em que se criaram expectativas agora goradas.

Ao anunciar esta prova como um mecanismo de regulação da qualidade e de comprovação de conhecimentos e capacidades mínimas, o MEC nega as suas próprias orientações e decisões. Toda a minha formação teve lugar em instituições de ensino superior público, avaliadas e acreditadas pela agência de avaliação e acreditação no ensino superior (A3ES). Esta avaliação é quinquenal, o que garante que os cursos não se perpetuam ad aeternum se não tiverem condições para isso. Tive durante o meu percurso alguns dos melhores professores/investigadores do país na sua área, todos doutorados. Segundo a premissa europeia, implementada com o Processo de Bolonha, do reconhecimento académico mútuo, tive mais de 12960 horas de formação. Tendo em conta que tenho prazer em estudar e tenho seguido a carreira de investigador em paralelo, o número apresentado poderia ser muito maior se não fosse feito a partir de uma média.

Prosseguir com a PACC é afirmar que as Universidades Portuguesas não têm qualidade, que os doutorados em Portugal são incompetentes, que os professores do Ensino Básico e Secundário não têm avaliação de desempenho, e que os candidatos a professores não têm a capacidade de aprender.

Se o governo está tão preocupado com a qualidade dos professores dos nossos filhos, por que não reduz o número de alunos por turma e o horário dos professores? Por que não aposta num maior investimento na supervisão pedagógica em contexto de sala de aula? Por que não intervém nas escolas mais degradadas? Por que fecha as escolas mais pequenas? Por que, através de uma política de baixos salários, retira à população a capacidade de permitir aos seus filhos o acesso a bens sociais e culturais?

Com a criação de mais uma barreira no acesso à carreira, a introdução desta prova é uma tentativa de redução da taxa de desemprego docente, pois quem não comparece ou reprova na prova, deixa de contar para as estatísticas e, apesar de profissionalizado, não pode desempenhar as suas funções. Além de estarem a ser empurrados para o desemprego, os professores que se inscreverem na prova ainda contribuem para o tesouro. Estima-se que o Estado arrecadou em Dezembro cerca de 300 mil euros em inscrições. Em breve não serão poucas as instituições privadas de Ensino Superior que se vão preparar para ganhar também com a situação, ministrando cursos de preparação para a PACC.

A retórica que acompanha estes objectivos é a de maior rigor e exigência, fetiche de Nuno Crato, que, apesar de ter feito carreira a falar sobre o Ensino Básico e Secundário, deu aulas neste nível durante apenas 2 anos, o primeiro dos quais quando ainda nem tinha terminado a licenciatura em Economia, ou seja, com menos anos de formação que muitos dos professores de que agora desconfia.

Colegas e associações de professores têm-se concentrado também na denúncia aos conteúdos da PACC, algo que não me parece o rumo certo para esta luta. Se é verdade que as perguntas são inadequadas à especificidade da profissão docente e às finalidades que visa prosseguir (esta é uma prova escrita que se reduz a aferir aspectos parcelares e básicos de interpretação, de escrita e raciocínio lógico, ignorando os aspectos pedagógicos, sociais e humanos), relativamente aos aspectos científicos, estes ainda não se conhecem, uma vez que ainda não foram apresentadas as provas específicas de cada grupo de recrutamento. Mas discutir os seus conteúdos é aceitar que a prova poderia ser implementada desde que melhorada.

Mais importante parece-me ser o esclarecimento de uma questão que o MEC tem mantido na obscuridade. Ser aprovado na PACC torna-me apenas elegível a concurso e não me dá qualquer garantia de emprego, mas reprovar pode-me afastar da profissão por tempo indeterminado; ora, o MEC ainda não referiu durante quanto tempo será esse afastamento. Segundo a legislação em vigor, é-se eliminado com menos de 14 valores (numa escala de 0 a 20), algo que é inédito em qualquer outro sector profissional.

A PACC devia e poderia ter caído definitivamente, mas infelizmente parece que a decisão do Tribunal Central Administrativo do Norte vai relançá-la. A via jurídica foi a única possível, depois da falta de solidariedade entre colegas. As provas são realizadas em Escolas Básicas e Secundárias da rede pública e os vigilantes são professores do mesmo sector. Existindo um pré-aviso de greve, cabia aos quadros permanentes a protecção do elo mais frágil desta cadeia: os professores com menos de 5 anos de serviço. Muitos professores do quadro decidiram resistir, fazendo greve, ajudando nos cordões humanos que rodearam muitas escolas de norte a sul do país, mas foram poucos para impedir a realização da prova em muitas escolas. Muito mais eficaz teria sido se tivesse existido uma união semelhante à que houve em 2009, ano em que se realizaram cerca de uma dezena de manifestações de professores, uma delas com cerca de 100 mil pessoas nas ruas. Em causa estava sobretudo a exigência da suspensão do modelo de avaliação de desempenho e a revisão do estatuto da carreira docente, temas que parecem ter interessado a um maior número de professores, uma vez que afectava a carreira desde a base até ao topo.

Esta questão serve também para introduzir o papel dos sindicatos nesta luta. A maior parte dos atingidos hoje por esta medida não estão sindicalizados, uns por vontade própria, outros porque estão fora do sistema e sem meio de pagar a sua quota. Sejamos claros: a maior parte dos professores com menos de 5 anos de serviço estão no desemprego. Esta situação criou assim uma ainda maior desprotecção destes professores, uma vez que não tinham influência, nem capacidade de pressão dentro das organizações sindicais. O resultado foi a crucificação de uma minoria (c.13.500) para libertar uma maioria (c.28.000). Desde o início que o grande objectivo dos sindicatos foi a dispensa da realização da prova por parte dos professores com mais de 5 anos de serviço, i.e., aqueles que compõem os seus quadros e pagam quotas.

A FNE, principal paladina desta ideia, afirmou que este abandono foi uma vitória, porque, «consciente de que não conseguiu libertar todos os docentes contratados da realização desta prova, o secretariado nacional afirma que a oportunidade surgida não poderia ser desperdiçada em nome do maior número possível de docentes dispensados»[3]. A via a seguir seria então apenas a jurídica, o que se torna muito cómodo para quem já fez um acordo com o governo, uma vez que elimina do seu reportório de luta as acções de rua. A mesma atitude teve a FENPROF. Apesar do apelo à greve para os professores vigilantes e de maior contenção nas palavras, os actos acabaram por trair aqueles que diziam defender. Estive, em solidariedade com os meus colegas, no dia 18 de Dezembro de 2013, à porta da Escola Básica Marquesa de Alorna, em Lisboa, ponto de encontro entre sindicato e imprensa. Lá estiveram, antes do início da prova, Mário Nogueira, conjuntamente com outros dirigentes sindicais e dois deputados do Bloco de Esquerda. Foram ditas coisas impressionantes. Bloqueando a oportunidade da realização de um cordão humano, não houve piquete de greve e ainda se incentivou os inscritos na prova a realizarem o exame. Felizmente, alguns colegas revoltaram-se já nas salas, antes do início da prova, não tendo havido condições para o seu prosseguimento. Tudo o que se pretendeu foi marcar o ponto junto da opinião pública. Durante as semanas anteriores a FENPROF já se tinha demarcado de inúmeras acções realizadas por professores inscritos na PACC, como a concentração do dia 16 de Novembro de 2013, em frente à Assembleia da República e outras que se lhe seguiram[4].

Quais as consequências para um professor que decide resistir a esta medida, não se inscrevendo na PACC? Se o governo for vitorioso, a consequência é que me vejo obrigado a abdicar de ser professor, depois de muito trabalho, por uma luta que me parece justa. As minhas habilitações ficam suspensas, assim como a minha vida.

Para o país e para os trabalhadores, as consequências serão também enormes e não é apenas pelo investimento financeiro em recursos que não serão aproveitados. Nos últimos anos, tornou-se comum a ideia de que cada vez menos jovens querem ser professores. Na ausência de estudos sobre esta matéria, temos a nossa percepção empírica sobre quando os alunos escolhem os cursos para a sua formação superior; temos também a informação de que a cada ano são cada vez menos as vagas em mestrados que conduzem à habilitação profissional. Somando a isto o envelhecimento progressivo do corpo docente, que, segundo os relatórios do Conselho Nacional de Educação, se tem vindo a tornar muito preocupante, podemos perceber que no futuro poderemos voltar a uma situação como a vivida nos anos 70, 80 e início da década de 90, onde não era obrigatório uma licenciatura para aceder à carreira, nem, muitos menos, a profissionalização ou qualquer PACC. É que se existe uma homogeneização das faixas etárias nas escolas, é de esperar que, num futuro próximo, se verifique um aumento de pedidos de reforma, restando o corpo docente sem a força de trabalho com a formação apropriada que o possa integrar, porque, simplesmente, as pessoas deixarão de estar disponíveis. São muitos os jovens professores que estão hoje a emigrar ou a seguir outras carreiras que perspectivam ser de maior estabilidade. Com o tempo desaparecerá a vontade e a paixão que nos fez querer ser professores, porque a traição é o pior dos pecados.


[1] Ministério da Educação e Ciência, http://pacc.gave.min-edu.pt/np4/home.html, consultado em 16-05-2014.
[2] Momentos de avaliação exigidos pelo decreto-Lei n.º 43/2007, de 22 de Fevereiro.
[3] Federação Nacional de Educação, http://www.fne.pt/content/item/show/id/6210, consultado em 17-05-2014.

 


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