Os resultados foram notáveis:
- Gerou-se uma corrida de consumidores sem precedentes, com milhares de pessoas estacionadas todo o santo dia dentro e fora dos supermercados – até foi preciso chamar a polícia para pôr ordem na confusão.
- Essas dezenas de milhar de pessoas que tiveram de alinhar 3 a 6 horas em filas de espera, como é evidente, deixaram de poder participar na comemoração do 1.º de Maio, e na reflexão do seu significado. E provavelmente foram levadas a não racionar a sua economia doméstica.
- Os comentadores políticos de serviço nas televisões deram graças por um novo tema de debate sobre o qual, como de costume, nada de jeito souberam dizer, para além de vagas moralidades.
Mas então o que está realmente em causa em jogadas comerciais deste tipo? Isso mesmo explica Augusto Flor, num comentário enviado à Revista Rubra
O Pingo Doce deve ter arrecadado à volta de 90 milhões de euros em poucas horas em capitalização de produtos armazenados
De onde saiu o dinheiro: algum do bolso dos consumidores, mas grande parte saiu das contas bancárias por intermédio de cartões. Logo, os bancos vão acusar a saída de tanto dinheiro num curto espaço de tempo – no princípio do mês, em que os bancos contam com esse dinheiro nas contas, para se organizarem com ele. Mas ainda ganham algum, porque há quem compre a crédito.
Ora, se o Pingo Doce pedisse esse dinheiro à Banca, iria pagar, digamos a 5%, em 5 anos, 25% da quantia. Assim não paga nada. O povo deu-lhe boa parte do seu ordenado a troco de géneros. Alguns vão ver-se à rasca porque com arroz não se paga a electricidade.
O resto, 75% da quantia aparentemente «oferecida», distribuiu-se assim:
Uma parte dos produtos (talvez 20 a 25%) devem estar a chegar ao fim do prazo de validade. Teriam de ser amortizados como perdas e lançados ao lixo. Enquanto não fosse lixo seria material que entraria como existência, logo considerado como ganho e sujeito a impostos. Assim poupam-se impostos, despesas de armazenamento (logística, energia, pessoal) e o povinho acartou o lixo futuro.
- Outra parte (10 -15%) seria vendida com os habituais descontos de ocasião e as promoções diárias. Uma parte foi ainda vendida com lucro, apesar do «desconto».
- O Pingo Doce prescinde ainda de 30 a 40% do que seria lucro por motivos de estratégia empresarial a saber:
- Descartar-se da concorrência das pequenas empresas. Quem comprou para dois meses não vai às compras nesse mesmo tempo.
- Aumentar a clientela, que agora simpatiza com a cadeia «benfeitora».
- Criar uma situação de monopólio ao fazer pressão sobre os preços dos produtores (que estão à rasca e muitos são espanhóis) para repor os novos stocks em grande quantidade.
- Transpor já para euros parte do capital parado em armazém e levá-lo para fora do país, uma vez que a sede da empresa está na Holanda. Não vá o diabo tecê-las e isto voltar ao escudo nos próximos tempos, o que levou já J. Martins a passar a empresa para a Holanda.
- Diminuir com isto o investimento em Portugal, encurtar a oferta de produtos, desfazer-se de algum armazém central e com isso despedir alguns funcionários. O consumo vai diminuir no futuro e o Estado quer «imposto de higiene» pago ao metro quadrado.
- Poupança em todo o sistema administrativo e em publicidade – a comunicação social trabalhou à borla para eles.
Mesmo que tudo fosse ilegal, a multa máxima para dumping é de 15.000 a 30.000 euros; para o resto não há medidas jurídicas. Verdadeiramente isto são «feijões» em sacos de Pingo Doce, empresa do homem mais rico de Portugal.
A ASAE irá só apresentar serviço.
E o governo o que faz? Até agora calou-se. Se calhar sabia da manobra.
O grupo Jerónimo Martins, a que pertence a cadeia Pingo Doce, é o mesmo que em Março de 2010 estava sob investigação judicial devido à forma como obteve licenciamentos por parte de algumas câmaras (também elas sob investigação). É claro que, tanto quanto sabemos, a investigação deu em nada, como de costume.
É também um dos muitos grupos e empresas que fogem ao pagamento dos impostos em Portugal e colocam o seu capital no exterior, em vez de o reinvestir no sector produtivo. O mais certo é este imenso capital recolhido em poucas horas acabar por ser desbaratado nalguma operação de apostas financeiras, ou no endividamento de um país periférico qualquer, ou noutro «investimento tóxico» semelhante.
fontes:
Augusto Flor, em comentário enviado à Revista Rubra.
Sobre as ilegalides de licenciamento em 2010: RTP1.
editores:
RuiVianaPereira