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030913 cinemaPortugal - Esquerda - Neste texto divulgado à imprensa internacional presente no Festival de Veneza, o cineasta Miguel Gomes e o produtor Luís Urbano acusam o Governo de assobiar para o ar enquanto os operadores da televisão por cabo se recusam a pagar o que devem ao cinema português.


Uma vez mais o alarme soa: o cinema português está em perigo. Depois de um ano zero, em 2012, em que o Estado português decidiu não abrir concursos de apoio à produção para novos filmes, o espectro de mais uma paralisação do sector é uma ameaça bem concreta.

Mas de onde vem essa ameaça? Da crise económica em Portugal?

Não, uma vez que o actual Governo gizou uma nova lei do cinema que dota o Instituto do Cinema e Audivisual de receitas próprias, à margem do Orçamento do Estado, resultantes das contribuições financeiras a que estão obrigados pela lei os operadores de audivisual no território português.

Virá então essa ameaça do facto da nova lei não ter entrado em vigor? Não, porque após 18 meses de discussão pública da lei e dos respectivos decretos de regulamentação (não há memória de uma lei tão amplamente discutida), finalmente foi homologada e entrou em vigor.

Bom, se a lei está em vigor e se foi fabricada pelo mesmíssimo Governo que agora tem de zelar pela sua aplicação – um governo que se mantém em funções, sem que exista conhecimento público de um golpe de Estado –, o seu incumprimento constituiria um surreal caso de desgoverno na República.

Pois bem, quebre-se o suspense e confirme-se a surrealidade: os contribuintes da nova lei recusam pagar o que já devem e a tutela encolhe-se e assobia para o ar. Os operadores de audiovisual (cabo) aproveitam a falta de força e convicção política do actual Governo e anunciam que não pretendem pagar aquilo que a lei estipula.

Provavelmente a ver se pega e se suscita uma renegociação da lei, utilizando como chantagem a possibilidade de eclosão de uma longa batalha jurídica, o que paralisaria por vários anos o sector do cinema. Por sua vez, o Governo aceita a chantagem e não vem a público defender a lei que produziu, debateu e homologou. Recorde-se que a responsabilidade máxima na área da cultura em Portugal está entregue à figura mais poderosa do regime político parlamentar português, o primeiro-ministro, isto desde que o Ministério da Cultura foi extinto (por este Governo) e substituído por um secretário de Estado. Sobre o incumprimento da lei e sobre a situação de calamidade que gera não são conhecidos ao doutor Passos Coelho quaisquer comoções ou pensamentos... Pelo contrário, num governo que não tem sido piedoso para com incumprimentos fiscais dos contribuintes em nome individual, pasme-se em saber que acabam de caucionar na última semana a fusão de duas das empresas incumpridoras, a Zon e a Optimus! Por curiosidade, desde que estas empresas iniciaram o processo de fusão, Dezembro de 2012, só a Zon conheceu uma valorização bolsista de 47%.

Vejamos então quem são as empresas que recusam cumprir a lei: – a Zon Audiovisuais, grupo detido a 28,8 % pela dra. Isabel dos Santos (saberá ela porventura que a empresa que detém em Portugal se alinha como incumpridora face ao fisco português?), que concentra hoje 61,5% do negócio da distribuição cinematográfica, 57,6% da exibição, 100% dos canais exclusivos de cinema pay TV, 50,2% da TV/Internet por cabo, 27% da rede fixa de telefone e 1% da rede móvel;

– a Portugal Telecom (PT), que detém da rede fixa de telefones, 45% da rede móvel e 39,2% da televisão por cabo;

– a Vodafone Portugal, que assegura da rede móvel de telefones e 1,6% da TV/ Internet por cabo;

– a Optimus, com 14% da rede móvel telefones e 1,2% da TV/Internet por cabo;

– e a Cabovisão, com uma quota de 7, do mercado de TV/Internet por cabo [fontes: Anacom e ICA]

Este incumprimento impediu o ICA de arrecadar cerca de 12 milhões de euros em finais de Julho do corrente ano. Os argumentos (poucos) tornados públicos pelas empresas incumpridoras (alegada inconstitucionalidade da lei e alegada inconformidade com o direito europeu) dificilmente poderão colher efeitos nos tribunais portugueses, nem no quadro de uma jurisprudência europeia que prevê mecanismos semelhantes para o financiamento de cinema nos respectivos países. Os serviços da Comissão Europeia já negaram qualquer inconformidade da lei portuguesa no âmbito do direito europeu.

Em termos internos, esta nova lei do cinema apenas retoma e alarga mecanismos de financiamento que estavam nas leis anteriores e que vigoram desde início dos anos 70 sem que nunca se lhes tenha detectado sinais de inconstitucionalidade.

Quanto ao Governo, é o mesmo que impávida e serenamente assiste ao definhar da Cinemateca Portuguesa e do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, cujo modelo de financiamento também se esgotou. A tudo isto os partidos da oposição assistem tranquilamente em silêncio estival.

Para o filme que estreamos no Festival de Veneza, Redemption, utilizamos imagens de cinema português – cedidos pelo Arquivo Nacional das Imagens em Movimento que zela pelo preservação do património cinematográfico português e que agora anuncia a possibilidade de fechar portas.

E por uma estranha conjugação astral – ou talvez não – neste mesmo filme figuram como personagens/narradores alguns dos líderes políticos que chefiaram os executivos em países europeus na última década, entre os quais Passos Coelho... Sem querermos desvendar o filme para quem não o viu, acreditamos que para todos, mesmo para estes senhores, é sempre possível uma redenção.

Miguel Gomes é realizador e autor de filmes como Tabu, Aquele Querido Mês de Agosto e Redemption, agora estreado em Veneza. Luís Urbano é produtor da empresa O Som e a Fúria, responsável pela produção destes filmes.


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