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300712 filomena1Portugal - Casa das Aranhas - [João Silva Jordão] Em 1968 Henri Levebvre lançou um tema que desde então tem permeado o estudo e a prática do urbanismo moderno, um conceito que pela sua simplicidade e pertinência universal tem vindo a influenciar o discurso dos urbanistas profundamente- o conceito do Direito à Cidade.


Dia 26 começou, às 8 da manhã, a demolição do Bairro da Santa Filomena, e o abuso de poder, ilegalidade e imoralidade que esta ação incorre é visível a todos, sendo os principais culpados a Câmara Municipal da Amadora e a PSP. Fica no meio de tanta injustiça e tristeza, uma imagem que ilustra a visão urbanística que impera em Portugal, que beneficia a destruição antes da construção, que não prescinde do controle total, em detrimento da liberdade, que prefere a força bruta à negociação e ao raciocínio, que prefere a imposição de ideias pre-construidas à consulta do povo.

Aos moradores de Santa Filomena, de nada serve o conceito do Direito à Cidade, por muito que este conceito seja incontornável para os urbanistas modernos. Ainda para mais, de nada lhes serviu as providências cautelares. Neste cidade, neste país, neste continente, não impera a justiça, nem o direito, nem muito menos a lei. A única lei é a do mais forte, e a relação de forças é sempre desigual. O Bairro de Santa Filomena mais parecia hoje um campo de batalha parecido com os desalojamentos ilegais dos moradores Palestinianos de Gaza ou da Cisjordânia. O exagerado contingente policial expulsou os moradores das suas casas, e não deixou que outros moradores entrassem no bairro. Tendo isto em conta, o Colectivo pelo Direito à Habitação e à Cidade tem todo a razão em apresentar uma queixa às Nações Unidas por abusos aos direitos humanos (queixa apresentada ainda antes das demolições) pelo que a destruição de habitações é sem duvida um atentado aos direitos dos moradores, e mais uma vez demonstra a intransigência e até indiferença das Câmaras no que toca à dignidade e o bem estar dos cidadãos que supostamente representam.

Sobretudo, devemos prosseguir à desconstrução de uma série de mentiras que normalmente servem de apoio a tais ações de despejo e demolição. A mentira que afirma que não há alternativa. A mentira da ‘informalidade’, da ‘urbanização ilegal’, a mentira que a Câmara da Amadora está a agir para servir o interesse público. Existem alternativas. Melhorar a infraestrutura de bairros ‘informais’. Trabalhar conjuntamente com os moradores para encontrar soluções. Em vez disso, os moradores receberam informação contraditórias, mentiras, desrespeito, e finalmente, expulsão, abuso e violência.

O Programa Especial de Realojamento que supostamente iria realojar os desalojados  não abrange todos os moradores do Bairro. Mesmo se abrangesse, o abuso seria mesmo assim considerável. Muitos dos moradores são crianças, e alguns estão desempregados, adicionando assim às sua vulnerabilidade, adicionando à falta de ética que este desalojo representa.

Precisamos de compreender este novo episódio de demolição no seu devido contexto económico- os interesses dominantes não querem que os cidadãos possam construir as suas próprias habitações, e utilizando o pretexto da salubridade, da segurança pública e do cumprimento da lei, destroem as habitações construídas pelos cidadãos para poder abrir caminho para mais construção, mais betão, mais torres de habitação cujas ambições verticais são cada vez mais vertiginosas e que não parecem ter limite. Os bairros construídos à escala humana estão em vias de extinção, e Grande Lisboa é cada vez mais um campo de torres de habitação sem áreas para comércio, convívio, sem espaço público de qualidade, sem serviços, sem mobilidade nem acessibilidade. Não são poucos os casos em que a ‘habitação informal’ demonstra um sentido urbanístico mais erudito do que os bairros de habitação ‘social’ que as Câmaras adoram construir, ou melhor, a construção dos quais adoram adjudicar às empresas dos amigos, dos familiares, ou até às suas próprias empresas. A batalha por uma cidade melhor está a ser perdida pelos habitantes, em beneficio dos interesses económicos consolidados.

Este modelo de desenvolvimento urbanístico permitem extrair o máximo de lucro por lote, em cima dos quais se irá construir um centro comercial, mais uma autoestrada, mais uma rotunda inútil, ou muitas vezes, mais habitação ‘social’ que de social nada tem; muitas vezes nada mais é do que habitação cuja tipologia arquitectónica e cujas características de desenho urbano muitas vezes impossibilitam ou dificultam a vida em comunidade. Não cultivam a vida em sociedade porque não foram construídas para ser o palco para uma vida humana prospera e funcional,  são somente o veiculo através do qual os arquitetos atingem as suas ambições profissionais, através do qual os proprietários, sejam privados ou públicos, de maneira legal ou ilegal, extraem o máximo de lucro, muitas vezes através da utilização legal, ilegal ou duvidosa dos instrumentos de planeamento.

Helena Roseta, vereadora da habitação da Câmara Municipal de Lisboa é uma das melhores expedientes da hipocrisia urbanística moderna. Possui um discurso cheio de conteúdo politicamente correto e vanguardista, discurso que porém não consegue dissimular uma prática urbanística que é acima de tudo modernista, autoritária e capitalista, completamente obsoleta e imoral. O urbanismo de Roseta e da grande maioria dos urbanistas Portugueses é na realidade um urbanismo onde o direito à cidade é uma miragem, onde existem os que têm muito e os que nada têm, e quem nada tem corre constantemente o risco, nesta nossa cidade injusta, de ser despejado, esquecido, marginalizado, espancado ou preso.

Disse Roseta em 2011: “Não podemos deixar que este “espaço público” nos seja roubado. Saberemos defendê-lo com convicção e civismo. Na rua e nas redes sociais, saberemos demonstrar o que queremos e o que não queremos. Fá-lo-emos também nas urnas. Chegará o dia em que os poderes instituídos, políticos, económicos ou mediáticos, terão se ser capazes de ouvir o clamor da rua – pela liberdade, pela democracia, pelo direito ao sonho e ao futuro.” Em 2012, à imagem da demolição de Santa Filomena, ignorou uma providência cautelar e ordenou ilegalmente o despejo dos ocupantes da Casa de São Lazaro, que tinham reabilitado a casa gratuitamente, dando nova vida a um edifício que a Câmara Municipal de Lisboa se recusou durante anos a reabilitar, ou por falta de dinheiro, ou por falta de vontade, provavelmente por causa dos dois.

E existem inúmeros outros exemplos. O desalojo irracional, violento e incompreensível da Escola da Fontinha, no Porto. O desalojo da Biblioteca Popular do Porto. A demolição do Bairro das Marianas. Tal violência só gera mais violência, e sobretudo, um legitimo sentido de raiva e alienação pelos cidadãos lesados.

E não esqueçamos a expulsão muitíssimo estranha da Barbuda (Largo da Severa, Mouraria, Lisboa), que fora de portas expunha uma lição em urbanismo de maior qualidade que grande parte dos currículos do urbanismo das nossas faculdades.

O urbanismo em Portugal está profundamente doente, e por consequência, as nossas cidades estão doentes também, desconexas, irracionais, opressivas e mal construídas, mal preservadas e mal construídas. E por consequência, num pais onde mais de 60% da população é população urbana, a grande parte de nós vive num estado de alienação social que resulta em grande parte da segregação espacial, da falta de oportunidades económicas resultantes do mau planeamento urbano: em resumo, todos somos, diretamente ou indiretamente, em maior ou menor escala, vitimas da territorialização da opressão a que se chama de ‘urbanismo’ em Portugal. A qualidade de vida de todos sofre com a desigualdade, a pobreza colectiva aumenta para o beneficio de uma minoria. Querer resolver a crise económica, a crise de identidade da juventude e a crise social em geral é também querer retomar a cidade, exigir o direito à cidade e exigir mais justiça para os mais desprotegidos. Por enquanto as nossas Câmaras fazem precisamente o contrário, será o nosso dever obriga-las a mudar os seus hábitos.

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Fotos: Casa das Aranhas


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