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antonio aniceto monteiro 1943Portugal - Resistir - [Jorge Rezende] O livro de Jorge Buescu "A Matemática em Portugal: uma questão de Educação" , constitui o ponto de partida para uma reflexão sobre as razões que estiveram na origem da repressão política contra cientistas, particularmente nos anos 40, tanto em Portugal como no Brasil. São abordados, em especial, o caso de António Aniceto Monteiro e a vaga de expulsões de 1947.


Editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) saiu, em 2012, o livro "A Matemática em Portugal: uma questão de Educação" , de Jorge Buescu (3,50 euros, preço de capa). "À venda nas principais livrarias e cadeias Pingo Doce, Continente e El Corte Inglês" , segundo informação da FFMS, foi distribuído com o Diário Económico de 7 de Setembro de 2012 (2,40 euros). O livro foi objecto de várias críticas favoráveis ([JCN], [JMF]) e, coisa inédita, segundo me parece, teve um anúncio que ocupou toda a contracapa do Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática (BSPM), número 66, de Maio de 2012, onde, habitualmente, aparece o "Sumário".

Nesse livro faz-se referência às perseguições a cientistas (sobretudo nos anos 40), dando particular relevo ao "caso" de António Aniceto Monteiro . É sobre este assunto que nos concentraremos neste artigo.

A tese fundamental que o autor do livro defende relativamente a António Aniceto Monteiro e que aplica a outros cientistas (exclui apenas Bento de Jesus Caraça e Ruy Luís Gomes ) está claramente expressa nas seguintes passagens que, para já, não comento:

"O grande motor da Geração de 40, António Aniceto Monteiro, deixa escrito de forma bem clara, como veremos, que quem está a boicotar e a reagir à sua acção modernizadora no domínio da Matemática são os seus pares académicos, não o regime ou a polícia política.(...) Foram os seus pares quem o rejeitou e à modernização que ele representava." [JB1, pág. 18]
"Associa-se por vezes este exílio de Monteiro a uma perseguição pelo regime salazarista. Não parece existir, contudo, suporte documental para esta afirmação." [JB1, pág. 83]
"O Movimento Matemático parece assim ter sido decapitado pela acção cirúrgica da comunidade académica e científica contra um alvo muito incómodo." [JB1, pág. 84]
"É simplesmente absurdo imaginar que, quando Monteiro critica aqueles que apregoaram "um interesse e um entusiasmo pelo desenvolvimento da cultura matemática que são desmentidos categoricamente pela sua actuação presente" se esteja a referir à PIDE ou ao aparelho repressivo do Estado." [JB2, pág. 90]

Uma das falhas importantes do livro, já apontada pelo historiador Luís Saraiva ([LS1], [LS2]), é a ausência de referências e anotações suficientes que sustentem as afirmações que o autor faz. Isso teria evitado armadilhas do género daquela exposta no exemplo que se segue. Imaginemos que alguém dizia "X nunca foi sócio do clube A", a propósito de "X" que já faleceu há muito tempo. É praticamente impossível provar a veracidade desta frase, com a agravante de que pode ser muito fácil de provar que é falsa. Também o facto de não se encontrarem provas de que X foi sócio do clube A, não significa que o contrário seja verdadeiro… Pesa sobre nós a "maldição" de termos que provar aquilo que afirmamos, mesmo quando o que escrevemos é um "ensaio".

Uma segunda falha importante é o facto de o autor classificar amiúde as suas próprias interpretações como "cristalinas" ([JB1, pág. 82], [JB2, pág. 91]), ou outro qualificativo do género. A minha experiência diz-me que quando se examina um documento histórico raramente ele nos aparece como "cristalino"; pelo contrário, o que sucede é mais a sensação de se estar a ver através de um vidro embaciado. Por vezes, só o confronto com várias fontes permite ter uma ideia aproximada, ou até exacta, do que realmente se passou.

Um terceira falha importante prende-se com o autor atribuir afirmações a "alguém", sem dizer quem e se elas são relevantes, para melhor combater ideias que ele considera erróneas. "Inventou um interlocutor colectivo imaginário a quem atribuiu uma série de ideias simplistas (…) de modo que a desmontagem dos dislates do suposto interlocutor se torna obviamente um figo" , na feliz formulação de Paulo Almeida [PA]. É o caso, por exemplo, dos seguintes trechos:

"é também hoje claro que atribuir-se ao regime salazarista uma vontade de abafar a Matemática e as ciências porque seriam arautos de uma abstracta "liberdade de pensamento" é de um lirismo que roça a candura." [JB1, pág. 18]
"A expulsão de 1947 é interpretada por vezes como uma machadada, guiada pela intolerância, de um regime que teria resistência ao "novo", àquilo que não compreende e suspeita que não pode controlar. A principal razão pela qual os líderes matemáticos seriam considerados personae non gratae pelo regime é que a Matemática exige liberdade de pensamento, e estes eram homens livres num país silenciado pela ditadura. Os matemáticos da Geração de 40 teriam sido expulsos do mundo académico apenas porque tinham opções e actividades políticas contra o regime." [JB1, pág. 86]

Uma quarta falha importante do livro reside nas contradições tais como:

"O Movimento Matemático parece assim ter sido decapitado pela acção cirúrgica da comunidade académica e científica contra um alvo muito incómodo." [JB1, pág. 84]
"De um dia para o outro, é afastada das universidades uma elite intelectual que se tornara incómoda para o regime." [JB1, pág. 85]

Uma quinta falha importante reside na existência de vários erros e imprecisões factuais, de que darei exemplos, e que mostram a "leveza" com que o autor apurou os acontecimentos.

A tese defendida por Jorge Buescu sobre as expulsões de 1947 baseia-se sobretudo no artigo de Ana Simões "O ano 1947 e o Laboratório de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa" [AS1]. Esta tese é retomada, já em 2013, no livro "Uma História da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (1911-1974)" [AS2] anunciado, pela própria FCUL, logo à cabeça, com a seguinte frase: "Conhece as reais causas das expulsões de 1947?" Abordaremos este tema mais adiante deixando o leitor suspenso a meditar sobre quais seriam as reais causas das expulsões de 1947…

O fascismo e as universidades

Em meados de 1932, Salazar ascende ao poder e logo no início de 1933, é aprovada a Constituição em plebiscito em que as abstenções contaram como votos a favor. Em Setembro desse ano, é promulgado o Estatuto do Trabalho Nacional, inspirado na Carta del Lavoro de Mussolini (um dos documentos fundamentais do fascismo italiano que continuaria a influenciar muitas das leis portuguesas publicadas de seguida). Também em 1933 é decretada a fascização dos sindicatos e os sindicatos livres são proibidos. Ainda nesse ano é criada a PVDE, mais tarde designada por PIDE (1945). Em 1934 são proibidos os partidos políticos e as organizações secretas (como a maçonaria) e o forte de Peniche é transformado em prisão. Em 1936 são criados o campo de concentração do Tarrafal e a Legião Portuguesa. Paralelamente, organizava-se a resistência encabeçada pelo PCP; muitas pessoas foram presas e torturadas, outras deportadas, outras assassinadas.

O regime organizava também os "costumes". Dois exemplos: Pelo Decreto-Lei nº 27279, de 24 de Novembro de 1936, no seu Art. 9.º, "O casamento das professoras não poderá realizar-se sem autorização do Ministério da Educação Nacional, que só deverá concedê-lo nos termos seguintes: 1.º Ter o pretendente bom comportamento moral e civil; 2.º Ter o pretendente vencimentos ou rendimentos documentalmente comprovados, em harmonia com os vencimentos da professora." Pelo Decreto-lei nº 31913, de 12 de Março de 1942, Art. 3º, § 4º, "O tirocínio ou prestação de enfermagem hospitalar feminina são reservadas a mulheres solteiras ou viúvas sem filhos."

O governo de Salazar estipulava também como devia ser a cultura e o ensino. O Decreto-Lei nº 27279, de 24 de Novembro de 1936, o mesmo relativo ao casamento das professoras, no seu preâmbulo, sentenciava que "O ensino primário elementar trairia a sua missão se continuasse a sobrepor um estéril enciclopedismo racionalista, fatal para a saúde moral e física da criança, ao ideal prático e cristão de ensinar bem a ler, escrever e contar, e a exercer as virtudes morais e um vivo amor a Portugal."

Finalmente, há dois decretos que são importantes como instrumentos de repressão sobre os cientistas (e todos os outros funcionários, como os militares) nos anos do fascismo.

O Decreto-lei n.º 25317, de 13 de Maio de 1935, determinava no seu artigo 1º:

"Os funcionários ou empregados, civis ou militares que tenham revelado ou revelem espírito de oposição aos princípios fundamentais da Constituição Política ou não dêem garantias de cooperar na realização dos fins superiores do Estado serão aposentados ou reformados, se a isso tiverem direito, ou demitidos em caso contrário" . E, mais adiante, no seu artigo 4º: "A demissão, reforma ou aposentação e a exclusão dos concursos ou escolas é sempre da competência do Conselho de Ministros".

No parágrafo único deste último artigo, os cidadãos são "brindados" com esta cínica possibilidade de recurso:

"Das decisões do Conselho de Ministros só há recurso para o próprio Conselho o qual será interposto no prazo de oito dias, por simples requerimento, que poderá ser instruído com quaisquer documentos".

No dia seguinte à saída deste decreto, 14 de Maio, foram afastados 33 funcionários, entre os quais professores e militares. A lista completa pode ser vista no final deste artigo, no anexo 1 .

O Decreto-lei n.º 27003, de 14 de Setembro de 1936 exigia que

"Para admissão a concurso, nomeação efectiva ou interina, assalariamento, recondução, promoção ou acesso, comissão de serviço, concessão de diuturnidades e transferência voluntária, em relação aos lugares do estado e serviços autónomos, bem como dos corpos e corporações administrativos, é exigido o seguinte documento com assinatura reconhecida: Declaro por minha honra que estou integrado no ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas". E, mais adiante: "Os directores e chefes dos serviços serão demitidos, reformados ou aposentados compulsivamente sempre que algum dos respectivos funcionários ou empregados professe doutrinas subversivas, e se verifique que não usaram da sua autoridade ou não informaram superiormente".

Estes decretos foram instrumentos políticos fundamentais na acção repressiva do regime, e de várias maneiras. O decreto 25317 era o mais "prático" e frontal: funcionário que não fosse a favor do regime era posto na rua. O decreto 27003 obrigava o candidato a uma humilhação política e os directores e chefes dos serviços eram transformados em delatores, num prolongamento do aparelho repressivo do regime.

Este, o aparelho repressivo, era vasto. Contava não só com a PVDE/PIDE (mais tarde, DGS) e a Legião Portuguesa, como referimos, mas também com a Polícia de Segurança Pública (PSP), a Guarda Nacional Republicana (GNR), com informadores e delatores, e outros meios. Dentro das universidades, por exemplo, havia pessoas que passavam informações, faziam denúncias, intrigas e ameaças, não havendo, portanto, uma demarcação clara do aparelho repressivo. Confirma exactamente isso um artigo de Alberto Amaral (comentando um livro de Luís Reis Torgal):

"Mais do que o segundo capítulo, o terceiro é um terrível libelo contra a universidade. Como Reis Torgal demonstra exaustivamente, a instituição universitária coimbrã nunca assumiu uma posição de distanciamento ou de neutralidade em relação ao Estado Novo e, muito menos, assumiu qualquer atitude de revolta ou de condenação. Muito pelo contrário, como afirma o autor, "a Universidade de Coimbra, como aliás seria lógico — e tal verificar-se-á com outras instituições —, participou activamente no aparelho do Estado Novo. Ou, se quisermos, verificou-se uma identificação muito clara entre os interesses políticos do salazarismo e os interesses político-culturais da Universidade". (…)
O autor aborda também a complexa questão das relações entre ciência, cultura e ideologia. Apesar da dificuldade de análise, parece inquestionável que a Universidade de Coimbra albergou inegavelmente professores de ideologia fascista, ou mesmo nazi. Bastarão duas citações, a primeira de Cabral Moncada: "Fundai uma república em Portugal; mas fundai uma república (...) longe do odiento e odioso espírito judaico, o inimigo nato de todas as pátrias; e longe (...) do estúpido bolchevismo moderno, inimigo de todos os valores do espírito e, portanto, de toda a civilização e de toda a cultura", e a segunda do antropólogo professor Tamagnini: "Podem discutir-se os pormenores, pode discordar-se de certos processos, mas o que ninguém pode contestar é a seguinte afirmação de Adolfo Hitler: numa época em que as raças se estão intoxicando a si próprias, o Estado que devote os seus cuidados aos seus melhores elementos étnicos dominará um dia o mundo.""
[AA]

Quem era este "Tamagnini"? Era Eusébio Tamagnini, que foi vice-reitor da Universidade de Coimbra, ministro da Instrução Pública entre 23 de Outubro de 1934 e 18 de Janeiro de 1936 e fez parte do governo que expulsou os 33 funcionários em 1935! Quanto a Cabral de Moncada, professor da Faculdade de Direito de Coimbra, voltaremos a falar dele…

Não admira pois que a propósito da transferência da universidade portuguesa, de Lisboa para Coimbra, no tempo de D. João III, Aquilino Ribeiro , no livro "Príncipes de Portugal: suas grandezas e misérias", de 1952, tenha escrito:

"Assim ou assado, a Universidade, pedra lar das artes e letras, onde deviam prevalecer as luzes da razão em prejuízo das ideias estáticas da escolástica e da ciência antropocêntrica, tinha vivido o tempo que vivem as rosas. Dali em diante, ficou, no geral, a Instituição bafienta, inútil, arcaica, submissa às ideias feitas, onde jamais foi possível entrar um verdadeiro ar de civilização e sair outra coisa que não fossem as metanas exaladas pelo timpanismo dos mestres mais possidónios, mais abroeirados, mais sapateirais do Orbe."

No seguimento, no dia 13 de Dezembro de 1952, foram feitos três discursos inflamados na Assembleia Nacional contra o livro de Aquilino. Foram oradores António Abrantes Tavares, Manuel Múrias e Manuel Lopes de Almeida (este, era professor na Universidade de Coimbra, ex-chefe de gabinete do ministro da Instrução Pública e futuro ministro da Educação Nacional). Uma semana depois reagia o Senado da Universidade de Coimbra com uma moção assinada por Maximino Correia, professor da Faculdade de Medicina, vice-reitor (1939-1943), reitor (1943-1960), deputado na IV Legislatura da Assembleia Nacional (1945-1949) e amigo pessoal de Salazar (falaremos outra vez dele mais adiante).

E o livro de Aquilino? O livro de Aquilino foi proibido, claro.

A promiscuidade das universidades com o regime e o seu sistema repressivo não se limitava a Coimbra como aliás salientava Luís Reis Torgal.

Vejamos o exemplo de José Caeiro da Mata, que foi ministro da Educação Nacional de 6 de Setembro de 1944 a 4 de Fevereiro de 1947. Portanto, a 7 de Outubro de 1946, quando Bento de Jesus Caraça e Mário de Azevedo Gomes foram demitidos após um processo disciplinar por terem sido autores do manifesto "O MUD [Movimento de Unidade Democrática] perante a admissão de Portugal na ONU", era ele o ministro responsável. Provindo justamente da Universidade de Coimbra, em 1919 transferiu-se para a Faculdade de Direito de Lisboa. Era um homem de sete instrumentos. Foi reitor da Universidade de Lisboa de 25 de Setembro de 1929 a 31 de Maio de 1946, o que significa que acumulou, pelo menos, dois cargos durante quase dois anos, e que quatro meses depois de sair de reitor estava a demitir dois ilustres professores universitários. Entre muitos outros cargos políticos, foi ainda representante de Portugal junto do governo de Vichy, de 1941 a 1944, e foi ministro dos Negócios Estrangeiros, tendo assinado, por Portugal, o Pacto do Atlântico (isto é, o pacto fundador da NATO/OTAN), em Washington, no dia 4 de Abril de 1949.

O exílio de António Aniceto Monteiro

O que se passou com António Aniceto Monteiro, nos anos 30 e 40, que o obrigou ao exílio?

Uma carta da FCUL de 7 de Outubro de 1976, provavelmente redigida por Alfredo Pereira Gomes e assinada por ele e outros professores, conta que

"O Professor António Aniceto Monteiro após o seu Doutoramento em Paris, como bolseiro do Instituto de Alta Cultura, foi nomeado, em Julho de 1936, investigador deste Instituto tendo sido em Outubro do mesmo ano demitido pela honrosa razão de não assinar a declaração do conhecido decreto nº 27003 ["Declaro por minha honra que estou integrado no ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas"] ficando em consequência impossibilitado de prosseguir uma carreira docente universitária o que havia de o conduzir ao exílio anos mais tarde." [BAAM]

 No mesmo ano em que Monteiro embarcou para o Brasil, o jornal República, de 9 de Novembro de 1945, publicou "uma carta cuja publicação foi recusada por um jornal de Lisboa", na qual Manuel Valadares contava o mesmo episódio e ainda o que se passou depois:

"Regressado ao País e mau grado o valor dos trabalhos que realizara no estrangeiro, não encontrou lugar no corpo docente de nenhuma das três Faculdades de Ciências do País. Passou então a viver com uma modestíssima bolsa que o IAC [Instituto para a Alta Cultura] lhe concedeu; passados alguns meses, exigiram-lhe, para poder continuar a ser bolseiro, a assinatura de um compromisso político — que pessoa alguma lhe havia imposto ao enviá-lo para o estrangeiro. Tendo-se recusado a assinar um compromisso que repugnava a sua consciência, deixou de ser bolseiro, e a sua vida e a dos seus decorreu, de aí em diante, em condições de dificuldade económica que, por vezes, roçaram pela miséria." [BAAM]

No início do fatídico Setembro de 1936, António Aniceto Monteiro ainda procurou concorrer a um lugar de actuário do Instituto Nacional do Trabalho. Uns dias depois, sairia o famigerado Decreto-lei n.º 27003…

"Como diz António Monteiro no seu curriculum "durante o período de 1938-43 todas as minhas funções docentes e de investigação, foram desempenhadas sem remuneração; ganhei a vida dando lições particulares e trabalhando num Serviço de Inventariação de Bibliografia Científica existente em Portugal, organizado pelo IAC"" [RLG].

Estas datas "1938" e "1943" não são bem exactas, como se pode ler na proposta do INIC, assinada por Miller Guerra em 26 de Novembro de 1976:

"Considerando a actividade desenvolvida pelo Prof. Doutor António Aniceto Monteiro no âmbito do então Instituto de Alta Cultura (bolseiro fora do País desde Julho de 1931 a Junho de 1936, bolseiro no País desde Julho de 1936 a Setembro de 1936, colaborador no serviço de Inventariação da Bibliografia Científica existente em Portugal desde Junho de 1937 a Dezembro de 1942 num total de cerca de 10 anos) (…) o Instituto Nacional de Investigação Científica propõe, a título excepcional, a integração do referido Professor como investigador a tempo inteiro, no Centro de Matemática e Aplicações Fundamentais das Universidades de Lisboa (...)" [BAAM].

Este serviço de inventariação foi criado em 1937 [IP] e, provavelmente, dada a sua natureza precária, não exigia que Monteiro assinasse o compromisso do decreto 27003.

Para que nos situemos do ponto de vista histórico, relembremos que no ano de 1942 as tropas nazis-fascistas ocupavam uma boa parte do mundo. A fúria nazi tinha atingido o seu auge. De 23 de Agosto de 1942 a 2 de Fevereiro de 1943 deu-se a batalha de Estalinegrado, ponto de viragem de toda a história da Guerra, com a vitória decisiva das forças soviéticas.

Retomemos o "caso" de Monteiro… Em carta de 13 de Dezembro de 1942, Bento de Jesus Caraça escreve a Guido Beck:

"Sobre o assunto do Monteiro, infelizmente as notícias não são boas. [ilegível] sabe que, por iniciativa do Ministro da E. Nacional, os seus serviços foram dispensados e, sendo assim, acredito que se possa resolver a sua situação no Brasil, caso ele o queira." [AF-AV]

O que se tinha passado, entretanto, para que os seus serviços fossem dispensados?

Nessa altura o ministro da Educação Nacional era Mário de Figueiredo, professor da Faculdade de Direito de Coimbra, colega de seminário de Salazar de quem foi amigo íntimo toda a vida. Teve diversos cargos políticos tais como deputado da Assembleia Nacional (em todas as legislaturas; chegou a ser seu presidente) e membro vitalício do Conselho de Estado.

Monteiro sempre tinha sido protegido por Pedro José da Cunha, professor catedrático de matemática da Faculdade de Ciências de Lisboa, que foi quem descobriu o seu talento, e também por Augusto Celestino da Costa , professor da Faculdade de Medicina de Lisboa e presidente do IAC. Relembremos que era o IAC que lhe pagava o trabalho de inventariação.

Augusto Celestino da Costa foi fazer, à Câmara Municipal de Lisboa, em 25 de Outubro de 1941, uma conferência intitulada "Lisboa, capital de Portugal" [ACC]. Parece que Celestino da Costa terá dito que era Lisboa, e não Coimbra, a capital cultural do país [AntC]. Abel Salazar escreve-lhe a apoiá-lo:

"Soube pelo Corino do novo "incidente", e soube também — o que, de resto, estava previsto —, que se trata de uma nova amabilidade coimbrã que lhe não perdoa o famoso discurso. Assim, pela força natural das coisas, ei-lo armado em chefe das hostes anticoimbrãs. E cá nos tem nas filas de combatentes. Pelo menos os campos definem-se e um dia se verá..." [AntC].

E viu-se… Celestino da Costa foi demitido da presidência do IAC e de director da Faculdade de Medicina por Mário de Figueiredo.

Nova carta de Abel Salazar a Celestino da Costa:

"Soube pelo Ruy da notícia referente à Alta Cultura e venho neste momento exprimir-lhe a minha velha camaradagem.
Soube pelo Ruy ainda da primeira impressão e mesmo da grande inquietação determinada pelo facto da sua saída, que é considerada pelos meios científicos como um desastre para o nosso meio científico. Tive a ocasião de notar que a opinião é unânime a esse respeito."
[AntC]

Em 13 de Fevereiro de 1942 foram nomeados para a presidência e vice-presidências do IAC Gustavo Cordeiro Ramos, Amândio Joaquim Tavares (com o pelouro da Investigação Científica) e Luís Cabral de Moncada (com o pelouro da Expansão Cultural; o leitor lembra-se deste?); como vogais foram escolhidos Francisco de Paula Leite Pinto e João Rodrigues da Costa Couto e, como secretário, António de Medeiros Gouveia [IR].

Amândio Joaquim Tavares, professor da Faculdade de Medicina do Porto, foi o reitor que mais tempo esteve à frente da Universidade do Porto (1946-1961). Durante o seu mandato deu-se o afastamento compulsivo de Ruy Luís Gomes em 1947. Participou no 3º Congresso da União Nacional e foi deputado da Assembleia Nacional na 6ª legislatura.

Gustavo Cordeiro Ramos era professor de literatura alemã da Faculdade de Letras de Lisboa. Teve diversos cargos como deputado e ministro. Em 1938, este salazarista, hitlerófilo e germanófilo [JM] participou na edição de uma tradução em alemão de discursos de Salazar:

"Pouco antes, em 1938, eram os Alemães a tomarem a iniciativa de editarem um breviário do pensamento salazarista, (…) com uma curtíssima introdução (no original: "Geleitwort", isto é, à letra, nota de acompanhamento) da autoria do ministro alemão da Propaganda, Dr. Goebbels. Tratava-se de uma antologia dos principais discursos e outros textos de Salazar, sob o título de Portugal — Das Werden eines neuen Staates — Reden und Dokumente (isto é, Portugal — O Devir de Um Novo Estado — Discursos e Documentos (…).
O prólogo, da autoria de Gustavo Cordeiro Ramos (…), acentuava ainda mais este entendimento de regimes que mantinham entre eles as melhores relações. O facto de ali figurar uma nota oficiosa portuguesa opondo-se a um inquérito internacional acerca dos bombardeamentos de Guernica durante a guerra civil de Espanha (…) mostra até que ponto se procurou, nesta obra, cimentar as boas relações entre hitlerianos e salazaristas.
No seu prólogo, o Prof. Cordeiro Ramos espraiava-se num caloroso elogio do nosso ditador, não hesitando em pô-lo em confronto com Hitler e Mussolini. O facto de Cordeiro Ramos ser um entusiasta das ideias nacionais-socialistas tornava-o, aliás, particularmente apto a preencher esta tarefa, na qual o vemos mergulhado com manifesto deleite."
[JM]

Em carta a Celestino da Costa, Abel Salazar comenta:

"A impressão produzida pelo caso da Alta Cultura é cada vez mais penosa. Amigos, inimigos e indiferentes são unânimes em reconhecer que esta mudança foi um desastre. O Tavares é um homem trabalhador, mas não tem nem a cultura, nem a larga experiência, nem o largo contacto e conhecimento dos meios científicos que o Prof. Celestino possui. A tudo isto acresce que o Cordeiro Ramos é um homem sem categoria intelectual nem moral. A todos os respeitos, um desastre. Dizem que o facto foi devido a uma vingança de Coimbra por causa de algumas frases no seu discurso da Câmara. Isto junto a um movimento germanófilo. Se assim foi, o retorno ofensivo de Coimbra é a mais completa justificação das suas frases e a descida moral e intelectual da Alta Cultura adquire um significado quase simbólico. (...)" [AntC]

António Aniceto Monteiro, num acto de grande coragem política, recusou-se sempre a assinar um compromisso humilhante que envolvia até a obrigação de se tornar um delator a favor do regime (tal é o significado da palavra "activo" em "activo repúdio"). Em Dezembro de 1942 foi impedido de continuar a trabalhar no "Serviço de Inventariação de Bibliografia Científica" do IAC, tarefa que realizava desde Junho de 1937, sendo assim impossibilitado de continuar a "ganhar a vida". E, agora, vem Jorge Buescu dizer que

"Não há elementos factuais que indiciem qualquer envolvimento do regime político no exílio auto-imposto de Monteiro." [JB1, pág. 18]

Quando Jorge Buescu separa "os sectores mais anquilosados da Academia" da actividade da "PIDE" ou do "aparelho repressivo do Estado" [JB2, págs. 89-90], faz uma separação que é completamente artificial. Como vimos, o "aparelho repressivo do Estado" penetrava bem no interior das Universidades. Quando há um Mário de Figueiredo, um Gustavo Cordeiro Ramos, um Cabral de Moncada, para que é necessária a PIDE? Seja registada também a utilização da expressão "exílio auto-imposto de Monteiro", que mais tarde, lamentavelmente, retomará [JB1, pág. 84], que subentende uma espécie de autoflagelação do exilado, que, por pudor, me dispenso de comentar.

Quando Jorge Buescu afirma que "foram os seus pares [académicos] quem o rejeitou e à modernização que ele [Monteiro] representava" [JB1, pág. 18], a quem se está a referir? A palavra "par" significa "igual", "semelhante", "parceiro", etc., e ele vivia com uma "modestíssima bolsa", que, até essa, lhe foi retirada nos finais de 1936, passando a "ganhar a vida" dando lições particulares e trabalhando no Serviço de Inventariação do IAC. Sendo assim, era "par académico" de quem? Os seus amigos eram pessoas como as que fundaram o Núcleo de Matemática, Física e Química, a Gazeta de Matemática, a Portugaliae Mathematica e a Junta de Investigação Matemática (JIM), ou outras como Pedro José da Cunha e Celestino da Costa – e, esses, não o rejeitaram! Quem o rejeitou foram pessoas como António de Oliveira Salazar, Mário de Figueiredo ou Gustavo Cordeiro Ramos – todos professores universitários – e, esses, não eram seus "pares"!

Em 28 de Fevereiro de 1945, António Aniceto Monteiro e família embarcaram para o Brasil [RLG] com os olhos postos na esperança de um regresso com o fim da Guerra e do fascismo. A Guerra terminaria nesse mesmo ano. A forma como a morte de Hitler foi tratada no Portugal de Salazar, já Monteiro estava no Brasil, é descrita num artigo de António Melo no jornal Público de 8 de Maio de 2005:

"Quando "O Século", na edição de 3 Maio 1945, quinta-feira, noticiou na primeira página a morte de Hitler, titulou-a assim: "Morrendo no seu posto o Führer deixa a garantia da eternidade ao povo alemão". Segue-se o obituário, elaborado a partir de um jornal do partido nazi, "Front Blatt", onde se diz que ao escolher o suicídio, "Hitler entra na História não apenas como herói, mas como mártir".
Aí se relata que "por motivo do falecimento do chefe de Estado da Alemanha, nos edifícios públicos e nos quartéis a bandeira nacional foi içada ontem a meia adriça, mantendo-se assim até amanhã, às 12 h."
Em Coimbra, diz-se no parágrafo seguinte, "foi colocada a bandeira a meia haste na Torre da Universidade. Os sinos dobraram a finados". Maximino Correia era o reitor. A 4 de Maio, sempre na primeira página, o tema é a morte de Goebbels, que mereceu ao jornal uma longa biografia a ocupar metade da página a duas colunas, com continuado na página 2. O título é como uma homenagem: "[Morreu] O dr. José Goebbels que foi durante anos a voz oficial da Alemanha nazi"."
[OS]

Lembra-se o leitor de Maximino Correia? Foi ele o reitor que, sete anos volvidos, perseguiu Aquilino…

O segundo exílio de António Aniceto Monteiro

Depois de António Aniceto Monteiro ter chegado ao Brasil e com o fim da Guerra, viveu-se um período de grande abertura democrática, mas de curta duração, naquele país. Logo em 15 de Março de 1946, o decreto Lei nº 9070 limitava fortemente o direito à greve. A chamada guerra fria atingiu o Brasil em cheio no início de 1947. Em 7 de Maio de 1947 foi proibida a Confederação Geral dos Trabalhadores e foi anulada a existência legal do Partido Comunista do Brasil, cujas sedes são mandadas fechar três dias depois. No dia 1 de Setembro, Harry Truman, o presidente dos EUA chega ao Brasil para conversações com o presidente Eurico Gaspar Dutra. No dia 21 de Outubro o Brasil corta relações com a União Soviética. Em 7 de Janeiro de 1948 são cassados os mandatos dos parlamentares comunistas. Para o leitor ter uma visão do ambiente político e do ambiente académico e da respectiva interacção naquela época pode consultar o artigo de António Videira "António Monteiro no Brasil (1945-1949): uma breve passagem mas com resultados duradouros." [AV] Limitar-me-ei a transcrever trechos de três cartas de António Aniceto Monteiro e de três artigos de importantes figuras da ciência brasileira (dois matemáticos e um físico) que dão uma ideia das dificuldades por que passou o matemático português e de quem as causou. Os negritos são meus. Na segunda carta é mencionado o "Catete"; trata-se do bairro carioca onde se situava, na altura, a presidência da república.

Carta de António Aniceto Monteiro a Guido Beck enviada do Rio de Janeiro em 28 de Julho de 1948:

"Por enquanto não estou animado a pensar em ir para os Estados Unidos, muito embora reconheça as enormes vantagens que teria sob o ponto de vista científico. Não posso prever o que vai acontecer, continuará a vigorar um regime democrático ou continuará nitidamente para um regime fascista? Não tenho a mais pequena intenção, enquanto estiver no estrangeiro, de me ocupar de actividades políticas. O pouco que aqui fiz há mais de dois anos passados, mostraram-me que não tenho jeito, nem capacidade, para semelhantes actividades – que prejudicaram de resto a minha vida científica.
Também conheço mal a situação na Argentina. Mas seria possível viver em paz, sem ser perseguido pelas minhas opiniões? Deve responder com precisão a esta pergunta, dizendo o que pensa.
A vida está cada vez mais difícil e talvez chegue o dia em que a única solução na América seja um indivíduo atirar-se ao mar."
[AF-AV]

Carta de António Aniceto Monteiro a Guido Beck enviada do Rio de Janeiro em 31 de Julho de 1948:

"Trataremos agora do meu problema. Agradeço-lhe em primeiro lugar as boas palavras de encorajamento que escreveu. Preciso antes de mais nada de esclarecer a minha situação actual. O meu contrato, ou antes a sua renovação, foi aprovado no Departamento de Matemática (Outubro de 1947), na Congregação da Faculdade (Dez. 1947), no Conselho Universitário (Março de 1948), no Conselho de Curadores da Universidade (Abril de 48), entrou no Ministério da Educação em Maio, na Presidência da República em Junho e está agora no departamento Administrativo do Serviço Público, que deve elaborar um parecer. Voltará à Presidência da República para ser assinado e depois irá ao Ministério e finalmente regressará à Universidade. Na realidade, em vista da autonomia da universidade, tudo deveria estar terminado com a aprovação do Conselho de Curadores. Sob este aspecto a Universidade não está porém disposta a ser autónoma, prefere ficar subordinada ao Catete. Apesar de todas as aprovações anteriormente indicadas o problema não está portanto resolvido e por isso não tenho recebido os meus vencimentos, mas tenho continuado o meu serviço na Faculdade. A renovação do contrato é anual. Isto significa que todos os anos estarei na mesma incerteza. Estou convencido que na Universidade não haverá dificuldades, mas elas podem vir de cima. É isto que me traz inquieto. Posso encontrar-me de um momento para o outro sem trabalho assegurado. Não é certo mas é possível. Esta possibilidade deixa-me nervoso e preocupado porque tenho dois filhos e esposa, mas não tenho reservas para fazer face a esta situação eventual. A sua experiência de São Paulo deve ajudá-lo a compreender os meus receios. Você ainda encontrou no Departamento de Física de São Paulo quem lhe emprestasse dinheiro, mas nenhum dos meus colegas do meu Departamento se lembrou de me emprestar, até hoje, um centavo. E não o fazem por mal; é muito mais simples: nem se lembram de semelhante problema. Por outro lado também pouco ou nada fizeram para apressar a resolução do problema. Tudo isto me traz aborrecido e com vontade de ir trabalhar para outro lado. Mesmo que tudo se resolva favoravelmente, para o ano terei as mesmas preocupações, se não se alterar esta fluência burocrática.
Tenho pena que assim seja e isto não me leva a confundir o Brasil com o meu Departamento de Matemática. Há poucos dias o Carlos Chagas , Director do Instituto de Biofísica, quando me falou no caso do Valadares, propôs-me fazer umas lições de matemática, para os seus assistentes a partir de 15 de Outubro até fins de Dezembro (2 horas por semana) pagando-me as lições agora (!): Cr. 6.000,00. Está neste momento tratando do assunto e acho que o vai resolver em poucos dias. Foi esta a maneira que ele encontrou de atenuar as minhas dificuldades actuais. Senti que não estava sozinho aqui no Rio e isto trouxe-me um grande consolo.
Acho que não deve procurar uma solução para o meu caso, como se se tratasse de um problema imediato. É possível que o problema se venha a pôr desse modo, mas por enquanto não se trata disso. Por isso fiquei animado quando diz que as condições não são desfavoráveis para encontrar uma solução. Isso já não é mau. Antes de fazer qualquer démarche deve responder às duas perguntas seguintes: 1.°) Poderei viver tranquilo na Argentina, sem ser incomodado pelas minhas opiniões? 2.°) Quais são os vencimentos actuais dos professores? 3.°) Quais as Universidades que estão bem apetrechadas em periódicos? Preciso em primeiro lugar de ter uma ideia destes problemas. Se me decidir a sair do Brasil não o faria antes de Dezembro ou Fevereiro. Tenho portanto vários meses à minha frente, a não ser que surjam complicações."
[AF-AV]

Carta de António Aniceto Monteiro a Guido Beck enviada do Rio de Janeiro em 7 de Janeiro de 1949:

"Aqui no Brasil estão démarches em curso em São Paulo e em Belo Horizonte. Tudo se faz lentamente e nada há de concreto. As dificuldades parecem-me grandes. Não lhe disse ainda que estou desempregado desde o dia 1 deste mês . O meu contrato foi assinado mas só até dia 31 de Dezembro, e não será renovado por ordem superior. Não consegui esclarecer ainda a origem de toda esta intriga. O mais provável é que algum "colega" do departamento de matemática, incomodado com os resultados da minha actuação científica, que tem levado a uma certa diferenciação de valores, intrigasse as autoridades sob o ponto de vista político e a partir daí inimigos de toda a natureza (colónia portuguesa, consulado etc.) ajudarem à missa.
O Stone e o Valadares estão fazendo outras démarches. Tudo me parece demasiado lento para a urgência que tenho de encontrar uma solução. Parece que me vão arranjar aqui um emprego para aguentar estes 3 meses. Tenho elementos para pensar que o Reitor que deve ser um salazarista feroz, procedeu com grande safadeza no meio de tudo isto. O contrato do Nachbin também não foi renovado pelo departamento de matemática porque um dos professores se opôs. Teve que ser renovado pelo departamento de Física (ele está actualmente em Chicago). Não disponho de tempo suficiente para lhe contar tudo em detalhe."
[AF-AV]

Depoimento de José Leite Lopes :

"Relembro a figura de Antônio Aniceto Monteiro, matemático português que deu importante contribuição matemática no Brasil enquanto aqui esteve como professor na FNFi, até que pressões políticas oriundas do regime salazarista de Portugal tiveram força suficiente, nesta universidade, àquela época, para afastá-lo ." [JLL]

Depoimento de Leopoldo Nachbin :

"Monteiro veio ao Rio de Janeiro em 1945 com um contrato de quatro anos para trabalhar na Universidade do Brasil. Entretanto, em razão de sua atitude abertamente anti-Salazar, a Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro (então a capital do Brasil) conseguiu convencer o Reitor da Universidade do Brasil a não renovar seu contrato em 1949 . Como consequência, Monteiro deixou o Brasil e mudou-se para a Argentina, onde sua contribuição para o desenvolvimento da matemática na América Latina foi também muito significativa, tal como fora sua permanência no Brasil." [LN]

Depoimento de Elon Lages Lima :

"Monteiro morou no Rio de Janeiro cerca de quatro anos, entre 1945 e 1949. Nesta época, seus interesses matemáticos se dividiam entre a Topologia Geral e os Conjuntos Ordenados, evoluindo daquela para estes. Mas sua energia pessoal era grande o bastante para permitir-lhe ação política e, neste campo, seu maior interesse era a derrubada da ditadura de Salazar . E claro, porém, que não havia aqui muito espaço para movimento, especialmente porque a alta direção da Universidade do Brasil (como então se chamava a Universidade Federal do Rio de Janeiro), era ligada, por laços afetivos e ideológicos, com o governo português . A posição de Monteiro tornava cada vez mais difícil a renovação de seu contrato e por fim ele teve de emigrar para a Argentina." [ELL]

Estas foram as trancrições prometidas. Agora, o leitor verifique se são justas as afirmações seguintes de Jorge Buescu:

"É claro que a promiscuidade entre o poder político e os pequenos poderes académicos, característico dos regimes autoritários, terá catalisado os sucessivos exílios de Monteiro. Mas nem em Portugal nem no Brasil há registo de ele se ter envolvido em actividades políticas nem ser essa a causa da hostilidade que em ambos os casos sentiu. Pelo contrário, a convergência da evidência documental é clara: foram "intrigas" académicas e científicas de "colegas" que culminaram na ostracização de Monteiro." [JB2, pág. 92]
"Se não é difícil imaginar como estas afirmações fantasiosas [como a de que a Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro conseguiu convencer o Reitor da Universidade do Brasil a não renovar seu contrato em 1949] se podem ter originado há algumas décadas, mais difícil é compreender como podem ainda hoje ser acriticamente repetidas contra toda a evidência histórica entretanto acumulada." [JB2, pág. 92]

O problema é que, ao contrário do que esta frase subentende, Jorge Buescu nada adianta de novo sobre esta matéria.

Obviamente que eu, desconhecendo "toda a evidência histórica entretanto acumulada", entre o que dizem os cientistas brasileiros e, até, o próprio Monteiro, que viveram os acontecimentos que relatam (com a provável excepção de Elon Lages Lima que, de qualquer forma, tinha deles um conhecimento muito próximo), e o que afirma Jorge Buescu, que não os viveu, prefiro dar crédito aos testemunhos dos primeiros.

Aconselha-se vivamente a leitura do artigo de António Videira "António Monteiro no Brasil (1945-1949): uma breve passagem mas com resultados duradouros" [AV] e a comparação com o que Jorge Buescu escreve e cita em [JB2].

Neste artigo do historiador António Videira pode-se recolher a informação de que um dos embaixadores de Portugal no Brasil, naquela época, foi Pedro Theotónio Pereira.

Curiosamente, Pedro Theotónio Pereira (1902-1972) era licenciado em Matemática pela FCUL, mas não foi por isso que ficou conhecido. A par com Marcelo Caetano era considerado um dos possíveis sucessores de Salazar, mas quando este ficou incapacitado e teve de ser substituído já Theotónio Pereira estava demasiado doente. Participou no 28 de Maio de 1926, ocupou vários cargos no governo (subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social entre 1933 e 1936, ministro do Comércio e Indústria entre 1936 e 1937, ministro da Presidência entre 1958 e 1961, sucedendo a Marcelo Caetano), foi deputado na Assembleia Nacional, procurador à Câmara Corporativa, etc. Mas foi a sua carreira de embaixador que o notabilizou mais porque o colocou nas principais frentes externas de defesa do regime fascista português: na Espanha de Franco durante a Guerra (de 1937 a 1945), no Brasil (de 1945 a 1947), em Washington durante os primeiros anos da "guerra fria" (entre 1947 e 1950). Foi ele o artífice da entrada de Portugal na NATO, de que já falámos a propósito de Caeiro da Mata.

Em Espanha, a 17-18 de Julho de 1936, dá-se a tentativa de tomada de poder por meio de um golpe militar fascista contra o governo legítimo republicano. Segue-se a "guerra civil", com a intervenção de tropas alemãs e italianas, que viria a acabar com a vitória, a 1 de Abril de 1939, dos fascistas cujo caudilho era Francisco Franco. O regime português foi, desde o início, aliado de Franco.

No final de 1937, o ano em que os alemães e os italianos bombardearam Guernica, Salazar nomeia Pedro Theotónio Pereira para seu "agente especial" junto do governo golpista de Franco. Foi acompanhando as tropas fascistas, primeiro em Salamanca, depois em Burgos e, finalmente, em Madrid. Em 25 de Maio de 1938, pede o "agrément" como Embaixador de Portugal que lhe é concedido no dia seguinte. Theotónio Pereira enviava informações directamente a Salazar em todas as frentes em que esteve, como em Espanha, no Brasil ou nos EUA, pelo que a correspondência entre os dois é numerosíssima. Viajando entre Espanha e Portugal, servia semanalmente de "correio" o agente da PIDE Rosa Casaco que veio a ficar tristemente célebre por ter chefiado a brigada que assassinou Humberto Delgado em Villanueva del Fresno. Theotónio Pereira e Rosa Casaco eram amigos tendo o primeiro sido padrinho do filho "Pedro" do segundo (sobre as relações entre Casaco e Theotónio Pereira, ver [SE]).

Finda a Guerra na Europa, Theotónio Pereira vai para o Brasil sendo aí embaixador de 19 de Outubro de 1945 até 30 de Junho de 1947, data em que seguiu para Washington [FM-PLF]. Os historiadores Fernando Martins e Pedro Leite de Faria descrevem a acção de Pedro Theotónio Pereira (que seria também a de outros embaixadores portugueses no Brasil):

"No entanto, noutros aspectos substanciais das relações entre Portugal e o Brasil, Theotónio Pereira acumulou alguns êxitos que apresentava a Salazar, num balanço de uma sua acção que considerava ter sido globalmente positiva, ao mesmo tempo que avaliava o estado em que se encontravam as linhas de força principais nas relações bilaterais afirmando:
"(…) a parte fazível da obra está assegurada: a colónia mais numerosa, unida vibrante de patriotismo [do] que nunca; os elementos adversos reduzidos a um punhado de pedras no fundo duma pedreira; (…) a imprensa completamente calma; as campanhas terminadas; os grupos de intelectuais brasileiros tendo deixado de apoiar os nossos reviralhistas e não tomando já parte em quaisquer manifestações; toda a virulência muito atenuada; toda a febre de há um ano reduzida a uns décimos que afloram de vez em quando. E, com tudo isto, um novo e crescente respeito por Portugal, pelo seu governo e por V. Exa." [1]
(…) Ou seja, tal como aconteceria com as missões de outros diplomatas portugueses acreditados no Brasil no pós-guerra, Theotónio Pereira conduziu uma acção que tentou a todo o custo limitar os danos que o desfecho da Segunda Guerra Mundial trouxera para o salazarismo no Brasil. Trabalhou em prol de um acréscimo do prestígio das colónias portuguesas espalhadas pelo Brasil através do duro combate que travou com os sectores da oposição à Ditadura portuguesa residente no Brasil. Ao mesmo tempo, Theotónio Pereira combateu politicamente, em especial na imprensa, todos os actos e sinais que além de prejudicarem as relações luso-brasileiras, se exprimiam através de críticas implacáveis, comentários violentos ou actos enérgicos contra o salazarismo e o seu representante diplomático no Rio de Janeiro."
[FM-PLF]

Isto significa que não foi só António Aniceto Monteiro que foi perseguido no Brasil naquela época. Todos os exilados portugueses oposicionistas (o matemático português incluído) foram, implacavelmente, combatidos pela Embaixada no Rio de Janeiro, "reduzidos a um punhado de pedras no fundo duma pedreira", segundo a confissão do embaixador na carta a Salazar.

As expulsões de 14-18 de Junho de 1947

Em 4 de Fevereiro de 1947, Fernando Andrade Pires de Lima, professor de Direito da Universidade de Coimbra, sucedeu a Caeiro da Mata, como ministro da Educação Nacional, mantendo-se no cargo até 7 de Julho de 1955. Exerceu ainda várias funções tais como comandante de terço da Legião Portuguesa, vogal da Comissão Central da União Nacional, tendo estado na Assembleia Nacional em seis legislaturas. Era ele ministro aquando da grande vaga de expulsões de 1947.

Por decisão do Conselho de Ministros de 14 de Junho de 1947, foram expulsos 11 militares de alta patente (1 general, 1 vice-almirante, 3 brigadeiros, 3 coronéis, 2 capitães e 1 tenente) e 21 prestigiados professores universitários (7 da Faculdade de Medicina, 5 da Faculdade de Ciências, 3 do Instituto Superior Técnico, 2 de Agronomia, 2 do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, 1 da Faculdade de Letras – todos de Lisboa – e 1 da Faculdade de Ciências de Coimbra). A lista completa dos expulsos está no anexo 2 final. Imagine o leitor que mais nada sabia do que isto – que possibilidades vê para as razões de tal decisão? Eu vejo apenas duas... Ou estas pessoas – todas elas! – cometeram infracções disciplinares graves ou razões de carácter político. Se lhe dissessem que foram "principalmente debates no interior da própria academia, que espoletaram o processo que conduziu à decisão governamenta l" [AS2], o leitor acharia isso credível? Em muitos anos de vida profissional universitária, todos a seguir ao 25 de Abril de 1974, nunca vi debates desembocarem em expulsões!

Vejamos como o livro "A Matemática em Portugal…" introduz este tema:

"Pouco depois deste exílio auto-imposto de Aniceto Monteiro ocorre o triste episódio das expulsões académicas de 1947, no qual foram demitidos dos seus cargos pelo regime 21 professores universitários conhecidos pelos seus ideais democráticos e/ou com actividades oposicionistas. Entre outros intelectuais, como Crabée Rocha ou Celestino da Costa, estão os matemáticos Ruy Luís Gomes, Zaluar Nunes, Hugo Ribeiro, José Morgado ou Pereira Gomes, e os físicos Mário Silva, Manuel Valadares e Armando Gibert." [JB1, pág. 84]
"O caso mais dramático é provavelmente o de Ruy Luís Gomes. Depois da expulsão, ele intensificou a sua luta e resistência democráticas. Chegou a ser pré-candidato presidencial pelo Movimento de Unidade Democrática em 1951, numa candidatura que acabaria por ser rejeitada." [JB1, pág. 85]

Se o leitor for ler o anexo 2 no final deste artigo, verificará que nem Ruy Luís Gomes, nem Hugo Ribeiro, nem Pereira Gomes estão nesta lista. O primeiro, porque foi expulso em 1947, noutra ocasião, provavelmente antes, num processo diferente [2] . O segundo, nunca foi expulso, porque não era professor [3] . O terceiro, porque já tinha sido expulso em Outubro de 1946 [4] . Também Ruy Luís Gomes não foi candidato, em 1951, pelo MUD, porque este tinha sido ilegalizado pelo regime em 1948. Ruy Luís Gomes foi candidato pelo Movimento Nacional Democrático (MND), fundado em 1949. Estes erros não são pequenos e são significativos porque indiciam a ligeireza com que Jorge Buescu estudou estes assuntos. A oposição ao fascismo a seguir ao fim da Guerra e, nomeadamente, a formação e a ilegalização do MUD, são essenciais na compreensão dos motivos para as expulsões de 1947.

A propósito, diz a historiadora Júlia Gaspar:

"Em 10 de Novembro [de 1945] um apelo endereçado ao país por um grupo de intelectuais, afirmava "que só um povo livre pode gerar uma cultura e só uma democracia permite a formação de um povo livre". Assinavam bolseiros incluindo Valadares, Francisco Mendes, Zaluar Nunes, Marques da Silva, Torre da Assunção e também Bento Caraça. [JR1] No dia seguinte são anunciados os membros da Comissão Central do MUD que incluem Bento Caraça e a constituição de uma comissão consultiva com perto de uma centena de nomes, entre os quais figuram os de António Sérgio, Ruy Gomes, Valadares, Flávio Resende, Mário Silva e Marques Teixeira. [JR2]
Os opositores ao regime salazarista tinham grande confiança nos ventos de mudança. Chegaram mesmo a enviar telegramas ao Presidente da Republica e ao ministro da Educação, assinados pelos bolseiros referidos acima e também por Cyrillo Soares e Teles Antunes, entre outros, protestando contra a prisão de Ruy Gomes, dirigente do Movimento de Unidade Democrática (MUD) no Porto. Este matemático tinha-se recusado a entregar ao governo as listas que continham as assinaturas daqueles que exigiam eleições livres. [DN] (…)
O MUD continuou a sua actividade legal após o período eleitoral, organizando sessões públicas e emitindo documentos. Finalmente, entre Março e Maio de 1947, o governo passava ao ataque, prendendo membros da organização juvenil do MUD e,em Janeiro de 1948, promovia a sua ilegalização sob a acusação de fortes ligações ao Partido Comunista."
[JG]

Consultando apenas os jornais República ([JR1], [JR2] e [JR3]) e pouco mais, consegue-se perceber que, provavelmente, todos os expulsos de 14-18 de Junho de 1947 tinham ligações ao MUD. Os únicos casos que fiquei sem esclarecer são os de João Cândido da Silva Oliveira, Adelino José da Costa, João Lopes Raimundo e Orlando Morbey Maria Rodrigues.

Álvaro Cunhal, que viveu estes anos a seguir à Guerra e participou intensamente na luta política que então se desenvolveu, descreve assim o processo de "abertura" e a repressão que se lhe seguiu:

"Em 1945, com a derrota do fascismo na Segunda Guerra Mundial, Salazar, na 1ª Conferência da União Nacional, realizada em [9 de] Novembro de 1946, lançou também uma manobra "liberalizante". Declarou-se "de braços abertos para a colaboração de todos os portugueses" e proclamou a "democracia orgânica". Na mesma Conferência, Marcelo Caetano, apoiando Salazar seu mestre, declarou que "na União Nacional cabem portugueses de todas as tendências". Realizada uma mascarada eleitoral [18 de Novembro de 1945], Salazar pontificou que "as eleições foram tão livres como na livre Inglaterra". Mas, concluída a farsa, logo encerrou a "abertura" e voltou à habitual repressão pidesca." [AlvC]

As razões das expulsões de 1947, estão já bem identificadas nas duas citações anteriores. Mas pode-se ir ao pormenor.

O governo deliberou que todos os militares (11) e 13 professores (os primeiros da lista em anexo) estavam "abrangidos no artigo 1º do decreto-lei nº 25317": "Os funcionários ou empregados, civis ou militares que tenham revelado ou revelem espírito de oposição…". Aos restantes 8 professores não foi aplicada essa disposição legal, provavelmente, porque o seu vínculo laboral era diferente. Se não era claro antes, fica mais claro agora: os expulsos eram da oposição política ao governo.

Mas, na "Nota oficiosa" [DM] que então publicou, o assunto fica ainda mais claro. Quanto aos militares, diz o governo:

"Certo da sua razão e seguro da sua força, o Governo quase deixou desenvolverem-se livremente acontecimentos e actividades que nos últimos tempos conduziram à preparação simultânea de mais de um movimento subversivo. (…)
Não fez alargar as investigações relativas ao acto sedicioso liquidado na Mealhada em Outubro de 1946, nem à intentona que em 10 de Abril findo procurou inutilmente promover actos de rebelião na zona Tomar-Tancos-Entroncamento."
[DM]

Confirmei que 10 dos militares expulsos estiveram envolvidos no 10 de Abril de 1947. Os militares da tentativa de golpe de 10 de Outubro de 1946, já tinham sido julgados e estavam presos.

Quanto aos professores o governo sente-se na obrigação de dar uma explicação mais pormenorizada:

"Paralelamente a estas tentativas revolucionárias, diversos processos de desordem se esboçaram em Lisboa e noutros pontos do País. Fez-se a greve nos estaleiros e nalgumas outras zonas industriais da capital e fomentou-se a agitação dos meios académicos, especialmente universitários, com reuniões de protesto contra medidas policiais, além de legítimas, estranhas à vida escolar. Ostensivamente ou por detrás desta agitação, estava uma incipiente organização juvenil em que se depositaram esperanças exageradas, visto não ter sido possível aos dirigentes manter ocultas por muito tempo a inspiração e tendências do movimento.
Tratava-se de perturbações de carácter nitidamente político e não académico. E tanto que só foi impossível pôr-lhes termo por meio de acção exclusivamente académica, onde as autoridades escolares e o próprio ambiente da escola lhes eram propícios. É sabido que houve professores e assistentes que ostensiva ou veladamente animaram a agitação e os agitadores. Mostraram interessar-lhes mais o apostolado ideológico do que o exercício do seu múnus docente."
[DM]

Aqui, o governo faz referência à greve, que durou 21 dias, de milhares de operários dos estaleiros navais e de outras indústrias, que terminou vitoriosa mas também com centenas de prisões. É curiosa esta associação que é feita entre operários, MUD Juvenil e professores universitários. Se quisermos reunir em poucas palavras as razões pelas quais os professores foram expulsos, talvez bastem quatro: Movimento de Unidade Democrática. Isto mesmo é confirmado pela PIDE, em 26 de Março de 1954, quando transmite a seguinte informação à Presidência do Conselho de Ministros:

"O referenciado é o conhecido professor catedrático, Celestino da Costa que em 1945 aderiu ao MUD, pelo que, foi demitido de professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, tendo sido mais tarde reintegrado no mesmo lugar. Embora se trate de elemento que em tempos tenha dado provas de um adversário da Situação, é convicção geral de que se encontra afastado de quaisquer actividades políticas." [BI]

Os 21 professores expulsos, foram-no por razões políticas, tal como outros o foram antes ou seriam depois. E não vale desfocar a realidade usando expressões, que se atribuem a outros sem dizer quem são, para as contestar, tais como "razões exclusivamente políticas" ([JB1, pág. 87], [JB2, pág. 93], [AS1]), "pura perseguição política" [JB2, pág. 92] ou "simples perseguição política" [JB2, pág. 93], porque nestas matérias, como na vida, não há razões exclusivas, nem puras, nem simples.

As maneiras de ver as perseguições a cientistas nesses anos dependem das perspectivas. O que justifica uma perseguição política? O regime e os cientistas expulsos tinham opiniões muito diferentes sobre o que justifica uma perseguição política. Como o leitor poderá ver, mais adiante, Abel Salazar explica muito bem o que se passou com ele e que, provavelmente, se aplica a muitos outros.

Vejamos o que é dito em "Uma História da Faculdade de Ciências..." [AS2]:

"É nossa opinião que não foram só acontecimentos exteriores à academia, mas principalmente debates no seu interior, que espoletaram o processo que conduziu à decisão governamental. Questões políticas acabaram por fornecer ao governo o álibi necessário para resolver um problema interno à própria academia, a questão da investigação científica, que envolvia uma mudança difícil de mentalidades, como se torna evidente pela leitura das Actas do Conselho Escolar da Faculdade de Ciências." [AS2]

Uma das coisas que se pode "inferir dos debates nas Actas do Conselho Escolar" [AS2] é que não eram só debates académicos mas, também, políticos. A reuniões que decorrem sob o peso da coacção política, com total falta de liberdade, não se pode dar crédito. Esses "debates" não prestigiaram a universidade portuguesa. Pelo contrário, só a rebaixaram de uma forma aviltante.

O principal depoimento de que se servem os autores de "Uma História da Faculdade de Ciências..." é o de Flávio Resende. O que ele diz não é relevante do ponto de vista histórico, porque, por um lado, a perspectiva que ele naturalmente tinha do que podia justificar uma expulsão era totalmente diferente da do governo e, por outro lado, ao que se diz sob coacção não se pode atribuir grande valor. Lembremos o "poema para Galileu" de António Gedeão: "E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual / conforme suas eminências desejavam, / e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal / e que os astros bailavam e entoavam / à meia-noite louvores à harmonia universal."

Em "Uma História da Faculdade de Ciências..." [AS2] diz-se de Flávio Resende que tinha "pouco envolvimento político" . Já Jorge Buescu afirma que "Resende nunca tivera actividade política" [JB1, pág. 86 e JB2, pág. 93]. Ora nós sabemos que ele pertencia ao MUD e, isso, do ponto de vista do governo, era motivo para expulsão, como já vimos.

O que se passava nos bastidores destes casos, as pressões que as vítimas sofriam, é contado por Abel Salazar a Celestino da Costa em várias cartas (46-58, de 1935 e 1936, [AntC]), a propósito da sua expulsão em 1935. Transcrevo apenas excertos da carta 56, de 1936:

"Os elementos da Ditadura no Porto queriam-me impor a "reclamação", o que eu não estava disposto a fazer, nem estou. Propuseram-me concordatas, plataformas, etc., mas eu respondo sempre que não tendo sido nunca político, não tendo ligações políticas, nem pertencendo a nenhum partido, não tinha que fazer concordatas nem reclamações. Sei muito bem que há muito tenho um "cadastro de café", isto é, um cadastro elaborado com "diz-se", com intrigas e mal entendidos; sei muito bem que esse cadastro de café é a única acusação que me fazem, sem no entanto revelarem o tal cadastro. Que pelo contrário nenhum cadastro existe ou pode existir na polícia secreta. A gente da situação sabe isso tudo, e confessa-o. Que tenho eu então que reclamar?
Tenho tomado apenas atitudes intelectuais e filosóficas, se tais palavrões são precisos para definir algumas insignificantes idéias e teorias; nunca falei, nem fiz conferências, nem cursos culturais que não fosse a pedido, em associações legais, em publicações legais, censuradas. Nunca, até agora, o Director, Reitor ou Ministro fizeram a menor observação sobre essas conferências ou cursos; a gente da Situação reconhece-o, confessa-o. Que tenho eu então que reclamar?
Se não sou político, também não estou com esta Situação, tenho esse direito, creio eu, como tenho também o de não entrar para a União Nacional: a gente da Situação reconhece-o. Não tenho portanto nada a reclamar pois não tenho nada a justificar. (…)
Disseram-me mais os "delegados" da Situação que isto foi feito para meter medo (sic) . Se assim é, e se eu, com outros, andamos servindo de cabeças de turco, também nada tenho que "reclamar".
Os mesmos "delegados" ameaçaram-me veladamente com o seguinte: 1.° — Que se não reclamasse confessava tacitamente o cadastro de café; 2.° — Que se não reclamasse seria acusado de fazer o jogo das esquerdas, procurando armar em mártir para exploração política. Estas duas ameaças deixo-as ao seu juízo porque ele as classificará como entender... Mas note que é pitoresco: põem-me a andar e ainda me ameaçam de... fazer de mártir! (…)
Manifestamente que tenho simpatias sociais por esta ou aquela corrente; mas com isso ninguém tem nada; e se eles põem a questão no dilema: "quem não é por nós é contra nós", direi francamente "que não sou por eles e portanto, neste sentido, claramente contra eles". Mas isto é política à força e não por gosto ou por vício ou interesse."
[AntC]

Estranhos "debates no interior da academia" (e estranhos "pares académicos") que incluíam pressões e chantagens, como as que Abel Salazar relata, e que conduziram a expulsões e a exílios!

Observações finais

Quando saiu de Portugal, em 28 de Fevereiro de 1945, certamente que António Aniceto Monteiro pensava regressar em breve. Deixava família como a mãe e as duas irmãs. Não é difícil imaginar a dor das despedidas. A Guerra acabaria nesse ano, mas o fascismo, não. Nem nesse ano nem nos anos seguintes. Em carta a Hugo Ribeiro, escrita de San Juan, datada de 4 de Janeiro de 1951, viria a escrever: "Acabo de sofrer um rude golpe com o falecimento de minha mãe. A esperança que ambos tínhamos de nos tornarmos a ver ficou assim definitivamente malograda." [BAAM]

Logo a seguir, na mesma carta, escreve sobre uma nova edição da "Aritmética Racional" cujo manuscrito, mais tarde, acabou por se perder:

"Já terminei com o trabalho da Aritmética, que vamos apresentar a concurso. O [José da Silva] Paulo deu-me a notícia das novas condições que regem a adopção dos livros para o ensino secundário suficientemente tarde para que tudo tivesse de ser feito à pressa e à última hora. E ele foi membro do júri que examinou os trabalhos apresentados a concurso o ano passado. Agora há o sistema de livro único, havendo um concurso cada 5 anos. O ano passado reprovaram quase todos os livros de matemática." [BAAM]

Como este trecho mostra, é completamente falsa a seguinte afirmação:

"Desencantado, recusa-se sequer a acompanhar à distância o desenvolvimento da Matemática em Portugal." [JB1, pág. 18]

Já aquando das expulsões de 14-18 de Junho de 1947, uma extensa carta, escrita no Rio de Janeiro em 19 de Junho, mostra-nos um Monteiro indignado e a propor formas de acção, apesar da distância a que seguia os acontecimentos:

"Se não conseguirmos criar um movimento forte contra esta política, essa gente não vai parar. É preciso que o maior número possível de escolas e de cientistas protestem publicamente contra a perseguição dos homens de ciência de Portugal. É um dever de solidariedade para qualquer homem de ciência e um dever político para um antifascista." [AF-AV]

Na "Ciência", "revista da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa" , números 9 e 10, de Setembro de 1954, respondendo a uma solicitação, Monteiro publicou o artigo "Problemas da cultura matemática portuguesa" , escrito em San Juan. A revista e a "I semana de matemática" foram parcialmente financiadas pela Junta de Investigação Matemática. O prefácio é de João Santos Guerreiro, Director da Secção Pedagógica da AEFCL, em 1952-53, futuro professor catedrático de matemática da mesma faculdade. Quem ler este artigo (Páginas 120-123 da Fotobiografia [JR-LM-EA] ou blogue [BAAM]), verificará que ele é, por si só, um completo desmentido da afirmação de Jorge Buescu (facto que, aliás, já tinha sido observado pelo historiador Luís Saraiva [LS1, págs. 197-198]).

Anos mais tarde, em 1959, a convite do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, António Aniceto Monteiro está no Brasil e dá uma entrevista ao jornal Portugal Democrático, e que sairá no seu nº 32, de Janeiro de 1960. Curiosamente, o jornal escreve que a entrevista foi dada à sua chegada, à capital federal, em meados de Dezembro, quando o seu CV diz que esteve no Brasil entre Julho e Novembro. É provável que tenha havido mais do que uma viagem. Um excerto dessa entrevista, desmente, mais uma vez, Jorge Buescu:

"Perguntado sobre a evolução das ciências matemáticas em Portugal, disse o prof. Monteiro que "o caminho dos matemáticos portugueses é emigrar. Isto é o que se observa. Agora, vêm eles para o Brasil, onde encontram uma segunda pátria. Não seria este, certamente, o desejo desses matemáticos se tivessem o auxílio que merecem."

Esta entrevista foi recortada cuidadosamente pela PIDE e constitui a folha 40, a última, do ficheiro reservado a Monteiro (Página 155 da Fotobiografia [JR-LM-EA] ou blogue [BAAM]).

Após a chegada ao Rio de Janeiro do general Humberto Delgado, em 21 de Abril de 1959, dia do Tiradentes, a acção da PIDE intensificou-se no Brasil. A PIDE tinha informadores e agentes infiltrados naquele país que relatavam a actividade do numeroso grupo de exilados políticos que aí viviam. É esta resistência ao fascismo português na América do Sul, que o regime temia, tinha dificuldades em controlar como o podia fazer em Portugal e sobre a qual queria estar informado, que leva a que a maior parte do material existente nos ficheiros da PIDE a respeito de António Aniceto Monteiro e de José Morgado, por exemplo, seja sobre essa época.
Sobre este assunto diz Jorge Buescu:

"Por outro lado, o dossiê de Monteiro na PIDE inicia-se em 1967, um quarto de século depois destes tristes acontecimentos, e contém apenas irrelevâncias." [JB1, pág. 18]
"Uma consulta ao magro processo (40 folhas) de Monteiro na PIDE, disponível na Torre do Tombo (Proc. PT-TT-PIDE/D/A/ 3/558/67), revela que o dossiê de Monteiro foi instaurado apenas em 1967. Ou seja, aparentemente Monteiro não terá interessado à PIDE até essa data. A sua ficha, datada de 7 de Março de 1967, inicia-se com um pedido ao serviço de registos de "informações prévias sobre este indivíduo". A resposta, a 9 de Março de 1967, é esclarecedora: "nada consta". Apenas se encontraram alguns recortes de jornais ou a sua assinatura, no meio de algumas dezenas de outras, em abaixo-assinados colectivos contra o regime ou a guerra colonial. O documento mais antigo do seu processo é o recorte de uma entrevista dada a um jornal brasileiro em 1961." [JB1, págs. 83-84]

Já fizemos referência a esta entrevista, que é de Dezembro de 1959 e não de 1961. Também dizer que o Portugal Democrático é um "jornal brasileiro" é uma deturpação da realidade. O Portugal Democrático era um jornal da resistência portuguesa exilada editado em São Paulo. O seu primeiro número saiu em 7 de Julho de 1956 e o último (o nº 203) em 4 de Março de 1975.

Não é verdade que as informações de que a PIDE dispunha e que estão no ficheiro relativo a Monteiro sejam "apenas irrelevâncias" ou que se trate "apenas" de "alguns recortes de jornais ou a sua assinatura, no meio de algumas dezenas de outras, em abaixo-assinados colectivos contra o regime ou a guerra colonial."

Na folha 27 (página 153 da Fotobiografia [JR-LM-EA] ou blogue [BAAM]) constam "14 indivíduos" e o "informador habitual" , em 12 de Junho de 1962, comunica a existência de um "apelo aos democratas do mundo inteiro para a primeira conferência da Europa ocidental pela amnistia aos presos e exilados políticos portugueses" datado da Primavera desse ano. Assinam esse apelo: Humberto Delgado, Álvaro Cunhal, Ruy Luís Gomes, Adolfo Casais Monteiro, Aniceto Monteiro, António José Saraiva, Castro Soromenho, Emídio Guerreiro, João Sarmento Pimentel, Jorge de Sena, Manuel Sertório, Manuel Valadares, Manuel Tito de Morais, Paulo de Castro. São estes os "14 indivíduos" . Humberto Delgado viria a ser assassinado pela PIDE em 13 de Fevereiro de 1965, Álvaro Cunhal tinha-se evadido de Peniche na célebre fuga de 3 de Janeiro de 1960, Manuel Valadares tinha um mandado de captura, etc., etc, etc.

Na folha 35 (página 154 da Fotobiografia [JR-LM-EA] ou blogue [BAAM]) constam "8 indivíduos" e o "informador habitual" , em relatório de 27 de Janeiro de 1961, menciona uma reunião preparatória, realizada em 15 de Outubro de 1960, da "II Conferência latino-americana para amnistia aos presos e exilados políticos de Espanha e Portugal" , finalizando:

"Consta que a pseudo-delegação portuguesa àquela "Conferência" será constituída pelos seguintes comunistas que fixaram residência na Brasil e noutros países da América do Sul, Dr. Ruy Luís Gomes, Jorge de Sena, Adolfo Casais Monteiro, Dr. Manuel Sertório de Carvalho Marques da Silva, Dr. Rodrigo Teixeira Mendes de Figueiredo Abreu, Dr. Victor de Almeida Ramos e Dr. Aniceto Monteiro."

Os "8 indivíduos" são estes 7 mais Calil Chade ( "Chadde" , no "relatório").

Também, a referida entrevista de António Aniceto Monteiro ao Portugal Democrático, existente nos ficheiros da PIDE, não é "apenas" um recorte de um jornal, como se pode constatar pelos seguintes excertos de afirmações suas:

"A lista dos intelectuais lusitanos perseguidos pelo fascismo é imensa, isto porque a inteligência portuguesa se mantém ao lado do povo, na luta contra o regime, que asfixia o país há 33 longos anos".
"Os alunos da escola primária do meu país vestem, obrigatoriamente, o uniforme verde dos "lusitos" e os da escola secundaria o uniforme castanho da mocidade portuguesa. São obrigados a desfilar de mãos estendidas à fascista e marcham a passo do ganso. E os professores universitários são expulsos das suas cátedras, por manifestarem sua oposição ao regime asfixiante".
"Preciso falar de política, porque o desenvolvimento da cultura só é possível quando existem as liberdades democráticas fundamentais."
"A maior riqueza de um país, são as imensas reservas de inteligência existentes nas amplas camadas populares, que só podem revelar-se numa atmosfera de progresso".

António Aniceto Monteiro concluiu suas declarações lembrando a figura de Tiradentes, "exemplo que ilustra a ferocidade manifestada pela reacção portuguesa, sempre que governou o país. Tiradentes deve estar sempre presente no espírito dos portugueses que desejam um Portugal livre e independente".

De Setembro de 1969 a Agosto de 1970, António Aniceto Monteiro, aproveitando uma licença sabática, foi bolseiro do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) e viajou pela Europa. No seu regresso, escreveu a Maria Laura Mouzinho Leite Lopes em 10 de Julho:

"Volto para a Argentina sem ir a Portugal. (...) Tive o cuidado de escolher um barco que não pára em Portugal. Ao sair de Vigo talvez veja a costa de Portugal de longe! O fascismo continua em Portugal devido ao apoio inglês e yanque. Assim são as democracias ocidentais e cristãs! A palavra de ordem "abaixo o fascismo" não perdeu actualidade desde a década de 30, inclusive em França" [CS]

Se Monteiro tivesse decidido fazer escala em Portugal é bem provável que fosse "convidado" a deslocar-se à "rua António Maria Cardoso" para "prestar declarações" devido às tais "irrelevâncias" existentes nos ficheiros da PIDE…

Quem quiser conhecer melhor o posicionamento político de António Aniceto Monteiro terá proveito em ler as quatro cartas que, em 1961, escreveu a Manuel Sertório sobre a guerra colonial e que coloquei no blogue que lhe dediquei [BAAM]: "Nenhum povo pode ser livre se oprime outro povo" : carta de 23 de Março de 1961 a propósito do início da guerra em Angola; "Sobre o problema da auto-determinação dos povos coloniais não pode haver nenhuma espécie de reticências" : carta de 24 de Abril de 1961; "Estamos frente a uma guerra colonial que só terminará com a derrocada do fascismo" : carta de 29 de Maio de 1961; "Penso que no exterior o que é fundamental é apoiar as directivas da frente interna de resistência" : carta de 6 de Julho de 1961. O artigo que escrevi aquando do seu centenário ([JR] e blogue [BAAM]) também pode ser útil para a compreensão da grande actividade política dos resistentes portugueses na América do Sul nos anos 60 e da intervenção que homens como Monteiro e Ruy Luís Gomes nela tiveram.

A resistência ao fascismo por parte dos cientistas portugueses torna-se facilmente explicável quando se comparam as duas visões, a deles e a do governo, chocantemente divergentes sobre as questões culturais.

Nos anos 30, Salazar declarava (citado por José Morgado [BJCM]) algo que, como já vimos, veio a estar fixado, oficialmente, no Decreto-Lei nº 27279, de 24 de Novembro de 1936:

"Considero (…) mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar o povo a ler. É que os grandes problemas nacionais têm de ser resolvidos, não pelo povo, mas pelas elites enquadrando as massas." (1933, entrevista a António Ferro)
"Por vezes reclama-se do Governo que mande o povo aprender a ler. Para ler o quê? A educação moral que se impõe pela selecção da leitura é para encher o espírito de conhecimentos úteis. (…) Considero mais um mal que um bem ensinar o povo a ler sem preparação moral." (Maio de 1935, discurso proferido na "liga 28 de Maio")

No campo oposto, Bento de Jesus Caraça, na histórica e notável conferência "A cultura integral do indivíduo" , reclamava que "a cultura (...) tem de reivindicar-se para a colectividade inteira".

Esta era uma barreira intransponível que separava o regime dos cientistas.

António Aniceto Monteiro, provavelmente no discurso de agradecimento por lhe ter sido outorgado o título de membro honorário da União Matemática Argentina em 1 de Outubro de 1974, reafirma a posição de Bento de Jesus Caraça, e de todos os cientistas que se opuseram ao fascismo, de uma forma extremamente clara falando da actividade dos homens da ciência:

"En esta aventura de la razón no es posible hacer abstracción del uso que se hace de los resultados obtenidos en el campo de la investigación, ni de sus motivaciones; para el Bien o para el Mal. Disyuntiva siempre presente en el curso de la Historia, en la cual intervienen todos los hombres, cuanto mas no sea por su indiferencia.
Pienso que todos los hombres tienen derecho a la cultura y espero que llegará pronto la era en que todos ellos podrán satisfacer plenamente sus necesidades de orden material, sin distinciones de ninguna naturaleza.
Paralelamente todos deben tener consciencia de sus deberes y obligaciones, trabajando de acuerdo con sus posibilidades, para el bien de la humanidad.
Esto será posible si la generación actual, y en particular los jóvenes, se proponen alcanzar esos objetivos por caminos inteligentes y adecuados para cada contexto.
Las ciencias matemáticas, como todas las otras, tienen un importante rol a desempeñar en la construcción de un mundo mejor.
Pensar de esta forma es un deber, creo yo, pero se trata de un pensamiento de muchos millones de hombres y que tiene profundas raíces en la historia."

O que separou o fascismo dos cientistas não foram "debates" entre "pares académicos" mas confrontos que por vezes atingiram uma violência brutal vinda sempre do regime.

Os cientistas que foram perseguidos pelo fascismo optaram por diferentes caminhos para a resolução das dramáticas situações pessoais com que se confrontaram. Embora valorizando as opções que revelaram grande coragem política, todos eles merecem o nosso respeito. O primeiro dever que temos perante a sua memória é o de defendermos a verdade histórica comprovada. A alguns, como Bento de Jesus Caraça, foi-lhes amargurada e encurtada a Vida. A outros, como a António Aniceto Monteiro, foi-lhes roubada a Pátria. A muitos, como a Ruy Luís Gomes, foi-lhes tirada a Liberdade. Com o projecto que defendiam para a ciência, o ensino, a educação e a cultura, Portugal teria sido, sem sombra de dúvida, um país melhor.

NOTAS
(1) "Carta de Pedro Theotónio Pereira a Oliveira Salazar", Rio [de Janeiro], 26 de Março de 1947. Arquivo Oliveira Salazar / CD-17 , fls. 58-74.

(2) Ruy Luís Gomes foi "demitido em 1947, do seu lugar de professor catedrático da Universidade do Porto. Afastado do serviço por telegrama do Ministro da Educação Pires de Lima, por ter reclamado contra a prisão de uma aluna, foi-lhe instaurado processo disciplinar, tendo o juiz instrutor proposto a aplicação de uma pena de seis meses de suspensão de exercício e vencimento. O chamado Conselho Permanente de Acção Educativa, presidido por Mário de Figueiredo, da Junta de Educação Nacional, agravou essa pena transformando-a em demissão. [Ruy Luís Gomes] recorreu, então, para o Supremo Tribunal Administrativo, mas foi-lhe negado provimento" (Complemento ao curriculum vitae de Ruy Luís Gomes - vida política [BRLG]).
"A causa próxima da minha demissão foi a atitude que tomei, conjuntamente com o meu assistente Laureano Barros, em relação à prisão [em 13 de Maio de 1947], pela PlDE, de uma aluna da Faculdade de Ciências, [Maria] Nazaré [Ferreira] Patacão. Os dois dirigimos uma carta ao director da Faculdade, entendendo que o Conselho Escolar devia reunir e considerar o problema. O Conselho não reuniu e o director chegou mesmo a propor-me que retirasse a carta, pois em caso contrário teria de dar conhecimento dela ao ministro da Educação. Eu não retirei a carta, e o assistente viu rescindido o seu contrato. Pouco depois, eu era afastado do serviço…" (excerto da entrevista de Ruy Luís Gomes à Revista Flama, 24 de Maio de 1974)

(3) "In 1946, Hugo Ribeiro returns to Portugal at a particularly bad time for the history of portuguese universities. The government, with the help of the political police, had identified all dissidents or critics of the regime and started to get rid of the undesirables. António Monteiro never managed to find a position at any university in Portugal and had moved to Brasil in 1945. Hugo Ribeiro never even had his doctoral degree recognized in Portugal. In fact, the only support both had from official agencies came from the Instituto de Alta Cultura. When Hugo Ribeiro presented himself at the Instituto after returning from Zürich, the president asked him what he was doing there. This was to say that he was glad he was successful in his work; but forget it, he would never be allowed to work in any university in Portugal. Most of the best mathematicians in Portuguese universities were fired at this time and some were even arrested. Many of them ended up immigrating in search for places where they would be allowed to do their work. In 1947, Hugo Ribeiro moved to Berkeley where he worked with A. Tarski for three years with a position of Lecturer in Mathematics at the University of California." [JA]

(4) Segundo Ruy Luís Gomes, Alfredo Pereira Gomes foi afastado da Universidade em Outubro de 1946, por decisão do Governo, alegadamente por "estar incurso no disposto do decreto-lei nº 25317" [RLG].

REFERÊNCIAS:
[AA] Alberto Amaral, A propósito do livro de Luís Reis Torgal "A Universidade e o Estado Novo: o Caso de Coimbra, 1926-1961". Coimbra, Minerva, 1999 (Análise Social, vol. XXXV (Verão), 2000).
[ACC] Augusto Celestino da Costa, Lisboa, capital de Portugal (Conferência lida em 25 de Outubro de 1941 na Câmara Municipal de Lisboa). Lisboa, Câmara Municipal, 1942.
[AlvC] Álvaro Cunhal, A verdade e a mentira na Revolução de Abril: A contra-revolução confessa-se . Edições Avante!, Lisboa, 1999.
[AntC] António Coimbra, Abel Salazar – 96 Cartas a Celestino da Costa . Gradiva, Lisboa, 2006.
[AF-AV] Augusto J. S. Fitas e António A. P. Videira, Cartas entre Guido Beck e cientistas portugueses . Instituto Piaget, Lisboa, 2004.
[AS1] Ana Simões, O ano 1947 e o Laboratório de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa . Gazeta de Física, Volume 34, Fascículo 2.
[AS2] Ana Simões, Ana Carneiro, Maria Paula Diogo, Luís Miguel Carolino e Teresa Salomé Mota, Uma História da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (1911-1974) . Edições FCUL, Lisboa, 2013, páginas 125-131.
[AV] António Augusto Passos Videira, António Monteiro no Brasil (1945-1949): uma breve passagem mas com resultados duradouros . Actas do Colóquio Antonio Aniceto Monteiro, Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática (BSPM), número especial.
[BAAM] Blogue "António Aniceto Monteiro" (de Jorge Rezende), http://antonioanicetomonteiro.blogspot.pt/
[BI] Boletim de informação da PIDE 77656, NT 8007 (IAN-TT).
[BJCM] Blogue "José Cardoso Morgado" (de Paulo Morgado), http://josecardosomorgado.blogspot.pt/
[BRLG] Blogue "Ruy Luís Gomes" (de Jorge Rezende), http://ruyluisgomes.blogspot.pt/
[CS] Circe Mary Silva da Silva, António Aniceto Ribeiro Monteiro (1907-1980) no Brasil. Anais/Actas do 2º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática e Seminário Nacional de História da Matemática, pp. 113-121, Sérgio Nobre (Editor), Águas de São Pedro, 1997.
[DM] "Diário da Manhã", 15 de Junho de 1947, primeira página.
[DN] Diário de Notícias, 13 de Novembro de 1945, "A atitude da oposição".
[ELL] Elon Lages Lima, Impressões sobre António Aniceto Monteiro. Boletim do CIM, pag. 7-8, Dezembro 1977.
[FM-PLF] Fernando Martins, Pedro Leite de Faria, Um Primeiro Passo no Bom Caminho: O Tratado de Amizade e Consulta (16.11.1953). Em "Tratados do Atlântico Sul: Portugal-Brasil, 1825-2000", Instituto Diplomático, Ministério dos Negócios Estrangeiros, colecção Biblioteca Diplomática, 2006.
[IP] Ilda Perez, António Monteiro e um relatório de 1939 do Instituto para a Alta Cultura. Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática n º 68, 137-150, Maio de 2013.
[IR] Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Revista, Volumes 4-6.
[JA] Jorge Almeida, The Mathematician Hugo Ribeiro. Portugaliae Mathematica, Vol. 52, No. 1, pp. 1-14 (1995)
[JB1] Jorge Buescu, A Matemática em Portugal: uma questão de Educação. Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2012.
[JB2] Jorge Buescu, Em defesa do rigor na investigação em história da Matemática. Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática n º 68, 83-95, Maio de 2013.
[JCN] João César das Neves, Fraude histórica. Diário de Notícias de 13 de Agosto de 2012.
[JG] Júlia Gaspar, A investigação no Laboratório de Física da Universidade de Lisboa (1929-1947). Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, Lisboa, 2009.
[JLL] José Leite Lopes, Trinta anos de física no Brasil: evocações. Revista Brasileira de Tecnologia, Brasília, 16 (6) Nov.-Dez. 1985, p. 25-33.
[JM] João Medina, Salazar na Alemanha – acerca da edição de uma antologia salazarista na Alemanha hitleriana. Análise Social, vol. xxxiii (145), 1998 (1.°), 147-163.
[JMF] José Manuel Fernandes, Para preencher o vazio das tardes de Verão. Jornal Público de 20 de Julho de 2012.
[JR] Jorge Rezende, Angola e António Aniceto Monteiro. Actas do Colóquio Antonio Aniceto Monteiro, Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática (BSPM), número especial, 2008.
[JR1] Jornal República , 10 de Novembro de 1945, págs. 4 e 5.
[JR2] Jornal República , 11 de Novembro de 1945, págs. 4 e 5.
[JR3] Jornal República , 31 de Outubro de 1945.
[JR-LM-EA] Jorge Rezende, Luiz Monteiro, Elza Amaral (coordenadores), António Aniceto Monteiro: uma fotobiografia a várias vozes / una fotobiografía a varias voces. Edição da SPM, Lisboa, 2007.
[LN] Leopoldo Nachbin, A influência de Antonio Aniceto Ribeiro Monteiro no desenvolvimento da Matemática no Brasil. Ciência e Sociedade, Ed. da UFPR, Curitiba (1996). [Versão brasileira de: The influence of António A. Ribeiro Monteiro in the development of Mathematics in Brazil. Portugaliae Mathematica 39 (1-4), XV-XVII (1980).]
[LS1] Luís Saraiva, O rigor na investigação em história da Matemática – reflexões suscitadas pela leitura do livro "A Matemática em Portugal: uma questão de Educação" de Jorge Buescu. Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática n º 67, 185-200, Outubro de 2012.
[LS2] Luís Saraiva, O rigor na investigação em história da Matemática (II) – notas ao texto "Em defesa do rigor na investigação em história da Matemática". Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática n º 68, 97-113, Maio de 2013.
[OS] "O Século", de 3 de Maio de 1945 (citado num artigo de António Melo no jornal "Público" de 8 de Maio de 2005, por sua vez citado no blogue "In extenso" ).
[PA] Paulo Almeida, Crítica com sinceridade a um sincero amigo. Referencial (Boletim da Associação 25 de Abril), Julho-Setembro de 2012, págs. 38-40.
[RLG] Ruy Luís Gomes, Tentativas feitas nos Anos 40 para criar no Porto uma escola de Matemática. Boletim da SPM nº 6, Outubro de 1983.
[SE] Semanário "Expresso" de 20 de Julho de 2006, "Voltaria a ser da PIDE".

ANEXOS
As listas que se seguem referem-se às duas grandes expulsões colectivas feitas durante o fascismo (a de 1935 e a de 1947). Os expulsos aparecem pela ordem que o "Diário do Governo" lhes deu. O mesmo sucede com o seu nome e a sua classificação profissional. Muitas outras expulsões houve durante o fascismo, algumas das quais se dão conta no texto deste artigo. O leitor notará a diferença dos padrões das duas vagas de expulsões: a de 1935 é mais heterogénea e a de 1947 é de militares de alta patente e de professores universitários.


Expulsões de 14-16 de Maio de 1935 (decisão do Conselho de Ministros de 14 de Maio de 1935, publicada em 16 de Maio, Diário do Governo nº 111, série I)
Bacharel Nuno Simões, secretário director geral do Supremo Tribunal Administrativo. Bacharel Germano Martins, director geral dos serviços centrais do Ministério da Justiça. Bacharel Adriano António Crispiniano da Fonseca, juiz do 8º juízo criminal de Lisboa. Bacharel Luiz de Loureiro Melo Borges de Castro, conservador do registo predial em Lisboa (4ª Conservatória). Bacharel Domingos Leite Pereira, chefe da secretaria judicial da 5ª vara de Lisboa. Doutor Adelino Hermitério da Palma Carlos, assistente do Instituto de Criminologia de Lisboa. General Joaquim Mendes Cabeçadas. Coronel de aeronáutica Norberto Ferreira Guimarãis. Major Eduardo Rodrigues de Areosa Feio. Major Matias dos Santos. Capitão Mário Marrecas Ferreira Pimentel. Tenente de aeronáutica Francisco Ferreira Sarmento de Morais Pimentel. Doutor Sílvio Vieira Mendes Lima, professor auxiliar da Faculdade de Letras do Coimbra. Doutor Aurélio Quintanilha, da Faculdade de Ciências de Coimbra. Doutor Manuel Rodrigues Lapa, professor auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa. Doutor Álvaro Isidro de Faria Lapa, encarregado de curso na Faculdade de Medicina de Lisboa. Doutor Abel de Lima Salazar, da Faculdade de Medicina do Porto. General José Mendes Ribeiro Norton de Matos, do Instituto Superior Técnico. Professor Manuel de Sousa Coutinho Júnior, do Liceu de Gil Vicente, de Lisboa. Professor Eduardo Ferreira dos Santos Silva, do Liceu de Alexandre Herculano, do Porto. Professor Alberto Álvaro Dias Pereira, do Liceu de Júlio Henriques e da Escola de Brotero, de Coimbra. Professor Fernando Alfredo Palyart Pinto Ferreira, director do Instituto de António Aurélio da Costa Ferreira. Professor Mem Tinoco Verdial, do Instituto Industrial do Porto. Professor José Vicente Barata, da Escola Industrial da Covilhã. Heitor Eugénio de Magalhãis Passos, inspector chefe, director de zona, Lisboa. Jaime Carvalhão Duarte, professor de ensino primário. Bernardo José da Costa Amaral, professor de ensino primário. Manuel da Silva, professor da Casa Pia de Lisboa. Doutor José de Oliveira Neves, secretário geral da Universidade de Coimbra. Rafael Augusto de Sousa Ribeiro, chefe da secretaria da Faculdade de Direito de Lisboa. Engenheiro Artur Guilherme Rodrigues Cohen, chefe da Repartição dos Serviços Geológicos da Direcção Geral de Minas. Bacharel Álvaro Manuel dos Santos Silva Machado, chefe de repartição na Direcção Geral do Comércio e Indústria. António Tavares Pereira, chefe da Repartição de Contabilidade do Instituto Geográfico e Cadastral.


Expulsões de 14-18 de Junho de 1947 (decisão do Conselho de Ministros de 14 de Junho de 1947, publicada em 18 de Junho, Diário do Governo nº 138, série I)
General na situação de reserva José Garcia Marques Godinho. Brigadeiro de artilharia Vasco de Carvalho. Brigadeiro de engenharia Eduardo Corregedor Martins. Brigadeiro de aeronáutica António de Sousa Maia. Coronel do corpo do estado maior Celso Mendes de Magalhães. Coronel de infantaria Luís Gonzaga Tadeu. Coronel de cavalaria Carlos Tavares Afonso dos Santos. Capitão de infantaria Francisco Marques Repas. Tenente do extinto quadro auxiliar do serviço de saúde José Joaquim Gaita. Vice-almirante José Mendes Cabeçadas Júnior. Capitão-tenente Manuel Lourenço das Neves Pires de Matos.
Dr. Mário Augusto da Silva, professor catedrático da Faculdade de Ciências de Coimbra. Dr. Augusto Pires Celestino da Costa, professor catedrático da Faculdade de Medicina de Lisboa. Dr. João Cândido da Silva Oliveira, idem, idem. Dr. Francisco Pulido Valente, idem, idem. Dr. Fernando da Conceição Fonseca, idem, idem. Dr. Adelino José da Costa, idem, idem. Dr. José Henrique Cascão de Anciães, professor extraordinário da Faculdade de Medicina de Lisboa. Dr. Carlos Fernando Torre de Assunção, professor catedrático da Faculdade de Ciências de Lisboa. Dr. Flávio Ferreira Pinto Resende, idem, idem. Bacharel António Augusto Ferreira de Macedo, professor catedrático do Instituto Superior Técnico. Engenheiro Arnaldo Peres de Carvalho, idem, idem. Licenciado Manuel Augusto Zaluar Nunes, professor catedrático, interino, do Instituto Superior de Agronomia. Dr. João Remy Teixeira Freire, professor extraordinário, interino, do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Drª Andrée Crabée Rocha, da Faculdade de Letras de Lisboa. Dr. Luís Dias Amado, da Faculdade de Medicina de Lisboa. Dr. Manuel José Nogueira Valadares, da Faculdade de Ciências de Lisboa. Dr. Aurélio Marques da Silva, idem, idem. Licenciado Armando Carlos Gibert, idem, idem. Engenheiro João Lopes Raimundo, do Instituto Superior Técnico. Licenciado José Cardoso Morgado Júnior, do Instituto Superior da Agronomia. Licenciado Orlando Morbey Maria Rodrigues, do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras.

Do Grupo de Física-Matemática (GFMUL) e Departamento de Matemática (DMFCUL) da Universidade de Lisboa

Este artigo é a reprodução, com ligeiras alterações, de "Sobre as perseguições a cientistas durante o fascismo" que saíu na Revista Vértice 166, páginas 59-89. Foi também eliminada a referência aos que participaram no jornal Portugal Democrático por haver sérias dúvidas sobre alguns dos nomes apontados.


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