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Amy Goodman

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Democracy now!

Mark Udall podia fazer história tornando público o Relatório sobre a tortura

Amy Goodman - Publicado: Segunda, 29 Dezembro 2014 17:31

Mark Udall, o senador democrata do Colorado, vai deixar o seu cargo esta semana, mas poderá ter ainda por diante a sua tarefa mais importante como senador.


Durante a semana que fica no cargo, ainda será membro da Comissão de Segurança do Senado. Como membro do comité trabalhou no relatório de 6.700 páginas sobre o programa de detenção e interrogatórios da CIA, também conhecido como “Relatório sobre a tortura”, que ainda permanece em segredo. A Comissão de Segurança publicou recentemente um resumo desclassificado do relatório, redigido sob estrita censura, em que se tornaram públicos pela primeira vez novos e terríveis detalhes da tortura levada a cabo durante o governo de Bush e Cheney.
 
Udall está furioso com o programa de tortura dos Estados Unidos e com a grande censura que teve o resumo executivo. Também está furioso pela interferência da CIA e da Casa Branca no trabalho de supervisão da Comissão de Segurança e quer que o relatório completo esteja à disposição da população. Ainda que ainda tenha a classificação de secreto, Udall poderia publicar o documento classificado na sua totalidade. Para poder entender como, é útil voltar a 1971, recordar a publicação dos Documentos do Pentágono e um senador do Alasca chamado Mike Gravel.
 
Os Documentos do Pentágono são uma crónica secreta da participação dos Estados Unidos no Vietname, escrita por ordem do então Secretário da Defesa Robert McNamara. Daniel Ellsberg, um dos analistas de segurança que trabalharam no projeto, divulgou os Documentos do Pentágono ao jornal “The New York Times”. Ellsberg disse-me: “Encontrei-me com 7.000 páginas de documentos altamente secretos que demonstravam um comportamento inconstitucional por parte de uma sucessão de presidentes, a violação do seu juramento e a violação do juramento da cada um dos seus subordinados [incluindo eu], que tinham participado nessa fraude horrível e indecente ao longo de anos no Vietname, que nos lançou numa guerra inútil”.
 
O “New York Times” publicou a sua primeira crónica sobre os Documentos do Pentágono a 13 de junho de 1971. Um tribunal federal ordenou ao jornal que deixasse de publicar artigos sobre o tema, pelo que Ellsberg procurou um senador federal próximo da sua causa que pudesse fazer incluir os Documentos do Pentágono no Registo do Congresso. Por esta via conseguiria, além disso, que todos os documentos ficassem à disposição da população na sua versão completa, não somente os extratos selecionados pelo “Times” e outros jornais. Ellsberg encontrou Mike Gravel.
 
Gravel opunha-se à guerra do Vietname e tinha feito manobras de obstrução no Senado para bloquear o serviço militar obrigatório. Ellsberg tinha entregado uma cópia dos documentos secretos do Pentágono a Ben Bagdikian, editor do “Washington Post”, sob a condição de que desse uma cópia ao senador Gravel. Bagdikian reuniu com Gravel numa meia-noite em frente ao Hotel Mayflower e transferiu os documentos da mala de um carro para outro. Para conseguir incluir estes documentos classificados no Registo do Congresso, Gravel encontrou um vazio legal sobre o qual falou recentemente a “Democracy Now!”:
 
“Como era o presidente do Subcomité de Edifícios e Terrenos do Senado, eu podia convocar esse subcomité para uma sessão em qualquer momento, tomando como precedente a Comissão de Atividades Antiamericanas da Câmara de Representantes, que convocava uma sessão em qualquer lugar do país e a qualquer hora com o objetivo de conseguir que as pessoas testemunhassem, muitas vezes ao engano. Nesse momento eram perto das 11 horas da noite e decidi convocar de maneira urgente o subcomité. Tínhamos podido conseguir que um congressista de Nova York, [John G.] Dow, se apresentasse perante o comité para testemunhar. Ele queria que se construísse um edifício federal no seu distrito. E eu disse-lhe, 'Bom, compreendo-o e encantar-me-ia autorizar a construção de um edifício federal no seu distrito, mas não temos dinheiro. E a razão por que não temos dinheiro é que estamos a gastá-lo mas no sudeste da Ásia. Permita-me que lhe leia como nos metemos neste buraco'. E depois procedi à leitura em voz alta dos Documentos do Pentágono”.
 
Exausto, comovido e sem certezas sobre as consequências jurídicas das suas ações, Gravel começou a ler o registo dos horrores da guerra do Vietname de que dão conta os Documentos do Pentágono. E apesar de não poder continuar a ler porque rompeu num pranto, já não importava: ao ter lido uma parte do documento, o resto podia ser entregue ao registo público do Congresso para sua divulgação completa. No entanto, as tentativas para conseguir que a população conhecesse o conteúdo dos Documentos do Pentágono não tinha terminado. Gravel tentou que fossem publicados pelo setor editorial da Igreja da Associação Unitária Universalista, Beacon Press, mas o governo de Nixon fez tudo quanto estava ao seu alcance para impedir a publicação, ao ponto de quase destruir a Igreja. A edição dos Documentos do Pentágono, dividida em vários tomos, finalmente viu a luz, com a cara de Gravel na capa.
 
Recentemente, Dick Cheney respondeu a perguntas sobre o uso da tortura no programa de televisão “Meet the Press”. Ali disse: “Faria tudo de novo num minuto”. A sério? Waterboarding (técnica de afogamento simulado)? Morte por hipotermia ou à pancada? Alimentação retal? Privação do sonho? Talvez o ex-vice-presidente gostasse que a prática da tortura continuasse, mas não é algo que dependa dele. Depende do povo norte-americano. E para isso, o povo precisa de informação.
 
Aí é onde entra em cena o senador Mark Udall. Ele pode publicar o relatório completo sobre a tortura. Como senador, está protegido pela cláusula de Discurso e Debate da Constituição e não pode ser processado. O ex-Senador Mike Gravel tem um conselho para o ainda Senador Mark Udall. Dado que o relatório secreto sobre a tortura já faz parte do Registo do Congresso, Gravel afirmou: “A única coisa que tem que fazer é (...) tomar este documento de 6.000 páginas, publicar um comunicado de imprensa que detalhe por que o vai tornar público e apresentá-lo à população. É simples”.
 
Artigo publicado em Democracy Now em 24 de dezembro de 2014. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Inés Coira para espanhol para Democracy Now. Tradução para português de Carlos Santos/Esquerda.net

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