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John Pilger

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Em coluna

A verdade sob a mira

John Pilger - Publicado: Sábado, 10 Agosto 2013 13:30

O momento crítico no julgamento político do século foi em 28 de Fevereiro, quando Bradley Manning levantou-se e explicou porque havia arriscado a sua vida para revelar dezenas de milhares de documentos oficiais.


Foi uma declaração de moralidade, consciência e verdade, as próprias qualidades que distinguem seres humanos. Isto não foi considerado nos noticiários de referência da América; e se não fosse Alexa O'Brien, uma jornalista freelance independente, a voz de Manning teria sido silenciada. Trabalhando toda a noite, ela transcreveu e divulgou todas as suas palavras. É um documento raro e revelador [1] .

Ao descrever o ataque da tripulação de um helicóptero que filmou civis a serem assassinados e feridos em Bagdad em 2007 , Manning disse: "Para mim, o aspecto mais alarmante do vídeo era a aparente e deliciada sede de sangue que eles mostravam. Pareciam não dar valor à vida humana referindo-se às vítimas como "bastardos mortos" e congratulando-se mutuamente com a [sua] capacidade para matar em grande escala. Num trecho do vídeo há um indivíduo sobre o chão a tentar arrastar-se para lugar seguro [o qual] está gravemente ferido... Para mim, isto parece semelhante a um criança a torturar formigas com uma lupa de aumento". Ele tinha esperança de que "o público ficaria tão alarmado quanto eu" acerca de um crime o qual, como suas denúncias seguintes revelaram, não era uma aberração.

Bradley Manning é um denunciante com princípios e um homem que diz a verdade, o qual foi caluniado e torturado – e a Amnistia Internacional precisa explicar ao mundo porque não o adoptou como um prisioneiro de consciência; ou será que a Amnistia, ao contrário de Manning, está intimidada pelo poder criminoso?

"É um funeral aqui em Fort Meade", disse-me Alexa O'Brien. "O governo dos EUA quer enterrar Manning vivo. Ele é um jovem verdadeiramente sincero sem um grama de falsidade. Os media de referência finalmente vieram no dia da sentença. Eles compareceram para um combate de gladiador – para observar a luva cair e o dedo polegar apontar para baixo.

A natureza criminosa dos militares americanos é indiscutível. As décadas de bombardeamentos ilegais, a utilização de armas venenosas sobre populações civis, as "rendições" e as torturas em Abu Graib, Guantánamo e alhures, está tudo documentado. Quando era um jovem repórter na Indochina, comecei a perceber que a América exportava suas neuroses homicidas e chamava isso de guerra, até mesmo de nobre causa. Tal como o ataque do Apache, o infame massacre de My Lai em 1968 não foi atípico. Na mesma província, Quang Ngai, reuni provas de carnificinas generalizadas: milhares de homens, mulheres e crianças, assassinadas arbitrariamente e anonimamente em "zonas de fogo livre".

No Iraque, filei um pastor cujo irmão e toda a sua família haviam sido mortos por um avião americano, abertamente. Isto era desporto. No Afeganistão, filmei uma mulher cuja casa de adobe, e sua família, havia sido obliterada por uma bomba de 500 libras [226,5 kg]. Não havia "inimigo". Minhas latas de filmes estremecem com tais provas.

Em 2010, o soldado Manning fez o seu dever para com o resto da humanidade e apresentou, a partir de dentro, a demonstração da máquina de matar. Isto é o seu triunfo; e o seu julgamento espectáculo exprime simplesmente o medo permanente do poder corrupto de que o povo saiba a verdade. Este julgamento também esclarece a indústria parasita em torno do que dizem a verdade. O carácter de Manning foi dissecado e insultado por aqueles que nunca o conheceram e afirmam apoiá-lo.

O publicitado filme "Nós roubamos segredos: a estória da WikiLeaks" (We Steal Secrets: the Story of WikiLeaks) transforma um heróico jovem soldado num "alienado ...solitário ...muito necessitado" caso psiquiátrico com uma "crise de identidade" porque "estava no corpo errado e queria tornar-se uma mulher". Ao assim falar, Alex Gibney, o director, cuja lasciva psico-tagarelice encontrou ouvidos atentos em todos os media demasiado acomodatício ou preguiçosos ou estúpidos para desafiar o alarde publicitário e compreender que as sombras que caem sobre denunciantes podem atingi-los. Desde o seu título desonesto, o filme de Gibney executa um zeloso trabalho de machadinha sobre Manning, Julian Assange e a WikiLeaks. A mensagem era familiar — dissidentes sérios são extravagantes. O meticuloso registo de Alexa O'Brien da coragem moral e política de Manning demole esta difamação.

No filme de Gibney, políticos dos EUA e o chefe do estado-maior das forças armadas são alinhados para repetir, sem contestação, que, ao publicar as denúncias de Manning, a WikiLeaks e Assange colocaram as vidas de informantes em risco e que tinham "sangue nas suas mãos". Em 1 de Agosto, o Guardian informou: "Nenhum registo de mortes provocadas pelas revelações da WikiLeaks, disse o tribunal". O general do Pentágono que efectuou uma investigação de 10 meses sobre impacto mundial das denúncias informou que nem uma única morte podia ser atribuída às revelações.

Contudo, no filme, o jornalista Nick Davies descreve um Assange desapiedado que não tinha "plano de minimização de dano". Perguntei ao director de cinema Mark Davis acerca disto. Davis, um respeitado locutor da SBS Austrália, foi uma testemunha ocular, acompanhando Assange durante grande parte da preparação dos documentos divulgados para publicação no Guardian e no New York Times. Ele me disse: "Assange foi o único que trabalhou dia e noite extraindo 10 mil nomes de pessoas que podiam ser visadas pelas revelações nos documentos".

Enquanto Manning enfrenta a vida na prisão, diz-se que Gibney está a planear um filme em Hollywood. Um filme biográfico de Assange está a caminho, de acordo com uma versão Hollywood do livro de mexericos de David Leight e Luke Harding sobre a "queda" da WikiLeaks. Ao extraírem lucro da coragem, clarividência e sofrimento daqueles que se recusam a ser cooptados e dobrados, todos eles acabarão no caixote de lixo da história. Pois a inspiração dos futuros denunciantes da verdade pertence a Bradley Manning, Julian Assange, Edward Snowden e os jovens notáveis da WikiLeaks, cujos feitos são sem paralelo. O resgate de Snowden é em grande medida um triunfo da WikiLeaks: um filme de suspense demasiado bom para Hollywood porque os seus heróis são reais.
08/Agosto/2013
[1] Ler a declaração de Bradley Manning aqui.


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