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Paulo Marçaioli

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Batalha das Ideias

“A Guerra de Hugo Chávez Contra o Colonialismo” – Núnzio Renzo Amenta

Paulo Marçaioli - Publicado: Segunda, 31 Agosto 2015 01:12

Resenha do Livro- "A Guerra de Hugo Chávez Contra o Colonialismo - Núnzio Renzo Aumenta  - Ed. Expressão Popular.


Frequentemente, observamos uma interface entre jornalismo e história contemporânea. Trata-se de momentos em que um observador se propõe a narrar acontecimentos que acabem se desdobrando em eventos de proporção histórica (eventualmente a sua revelia), exigindo um trabalho a posteriori de contextualização que situe os fatos observados, as entrevistas feitas, as imagens e fotografias tiradas a primeira mão (elementos jornalísticos) com dados referentes à economia, índices de crescimento econômico, características dos produtos de exportação/importação, dados da sociologia, a estrutura social e de classes, a conformação histórica, eventualmente de origem remota, enfim, todos estes lances que remetem à conformação histórica, sem a qual a narrativa se reduzirá somente a uma simples reportagem superficial, a um relato de fatos, eventualmente importante, mas sem uma densidade teórico-metodológica que tenha o condão de fazer o leitor compreender mais a fundo os acontecimentos.
 
O livro do italiano Núnzio Renzo Amenta é um livro reportagem que se aventura a passar pela supracitada interface entre história e jornalismo investigativo. A pauta de sua matéria é o Golpe de Estado contra o governo Chávez desferido em 11 de Abril de 2002 – uma ação movida por militares da alta cúpula, o grande empresariado, as chamadas “4 irmãs”, qual seja as 4 principais redes de televisão que tiveram um papel central ao ponto de muito considerarem aquele um golpe midiático. Ademais, constata-se que a Igreja Católica naquele país tem uma tendência muito mais conservadora, reacionária e antipopular do que no Brasil (se imaginarmos o peso da CNBB e sua opção pelos pobres) com relevância da Opus Dai, sendo certo o seu apoio ao golpe de estado anti-chavista. O golpe teve também apoio da Fedecamaras (Federação Venezuelana de Câmaras de Comécio) que meses antes ajudara agitar movimentos de greves patronais para desestabilizar o governo: seria o presidente deste instituto o autonomeado presidente após a retirada de Chávez do Palácio de Miraflores.
 
Todavia, para se compreender melhor todos estes acontecimentos, talvez seja válida uma exposição sumária do roteiro político venezuelano e seu histórico. Após o exaustivo estudo, Núnzio Renzo qualifica o regime venezuelano de Colonialismo Interno (enquanto o colonialismo externo é uma forma de dominação de uma dominação de um país pelo outro, lá dá-se uma o mesmo com uma oligarquia branca que lesa e vende o país ao imperialismo a troco de corrupção, como se observa na gestão da PDVSA, por ex.). Chávez seria uma primeira expressão de guerra contra o domínio do colonialismo interno.
 
Regimes políticos corruptos e oligarcas remontam ao ditador Marcos Jimenes dos anos 1950: após um governo ditatorial é derrubado pelas forças armadas e os civis elaboram uma nova constituição. Todavia a situação social permaneceu a mesma com a classe política enriquecendo desmedidamente junto ao setor empresarial e nenhum direito aos cidadão comuns. Sindicatos corruptos, analfabetismo generalizado e alta taxa de mortalidade infantil marcam o período. Cria-se um situação de barril de pólvora que irá detonar no “Caracaço” (27.02.1989), um levante do povo pobre das favelas poucos meses após a reeleição de Carlos Andrés Péres
 
“A perda do poder de compra da moeda, as especulações dos poderosos com bens acumulados, perspectivas de desenvolvimento nulas, trabalhadores sem emprego aos montes, caos nas instituições, chantagens dos políticos à empresa, comissões nas licitações públicas e aduanas, são só alguns ingredientes. Os políticos ladrões e corruptos confiaram no uso da força pública e das forças armadas, sobretudo porque eram comandadas por pessoas corrompidas; mas se esqueceram que ao fim elas são compostas pelos filhos do povo pobre e humilde. Naquele dia Caracas e seus arredores foram saqueados.  A fúria das pessoas se manifestou de repente enquanto os políticos buscavam desesperadamente uma saída. A saída inevitável foi recorrer ao exército e reprimir o motim com fuzis. Milhares foram mortos e feridos e desapareceram do nada.”
 
A tática espontânea dos saques e destruição ocorreu com a fúria da população quando se descobriu a grande mentira emitida pelos meios de comunicação e pelos golpistas que Chávez havia renunciado – uma soma de milhares desceram as ruas de Caracas e prometeram “destruir a cidade” caso não restituíssem o presidente. O que é motivo de cogitação aos marxistas é que tais levantes populares são sempre espontâneos, parte ou têm origem nos bairros populares e não contam com a direção de partidos comunistas ou com afinidade marxista.
 
Continuando a linha da evolução história, o surgimento de Hugo Chávez em rede nacional dá-se com a fracassada tentativa de golpe em 02.02.1992 dirigindo o movimento MBR 200 – Chavez dá um depoimento em rede pública nacional assumindo toda responsabilidade pelo movimento e chamando companheiros que ainda resistiam em armas a renunciar a luta diante a impossibilidade da vitória. Diante da insatisfação popular do governo neoliberal de Carlos Andrés Péres, Chávez e seu movimento foram derrotados nas armas mas saíram vitoriosos politicamente.
 
A Conquista da presidência deu-se em torno do Movimento pela Quinta República numa coligação junto ao Polo Patriótico. A vitória deu-se nas eleições no fim de 1998 e vitória dos chavistas foi de 56%. A primeira medida da presidência foi a votação de uma assembleia nacional constituinte para aprovar uma nova constituição, medida que foi aprovada pela maioria esmagadora da população com o voto “sim” em que pese toda o peso e propaganda contrária da oligarquia e dos meios de comunicação. O próprio Chávez revela a importância estratégica da constituinte em um discurso:
 
“Já que tenho um compromisso com o povo, decidi adiantar a assinatura do decreto que convoca o referendo (pela Assembleia Constituinte). Não esperarei até 15 de fevereiro, como já disse. Não, há um clamor pelas ruas, é um clamor do povo. Assim, dentro de poucos minutos, no palácio do governo de Caracas, Miraflores, juramentei aos membros do gabinete em seguida convocarei o primeiro Conselho Extraordinário de ministros. Hoje mesmo, antes de sair do palácio para o encontro popular em Los Proceres (Avenida dos desfiles em Forte Tiuna) assinarei o decreto presidencial chamando o povo venezuelano para o referendo”
 
Reivindicar o ponto de vista marxista não significa deixar de ter um olhar crítico ao setor político com quem nos identificamos e reservar a carga de munição crítica ao adversário. O Marxismo é meio de interpretação e intervenção sobre a realidade considerada em sua totalidade. Nesse sentido, não é demais destacar o que parece ser óbvio: o movimento do governo no sentido de adiantar referendo parece ter como escopo aproveitar a popularidade do novo presidente desde as eleições. Oportunista? Acreditamos que apenas seria uma manobra oportunista se estivesse sendo cometida entre aliados de um mesmo campo político, e não entre inimigos ferrenhos de uma luta, nos termos do autor, anti colonialista.
 
Finalmente tem-se em 11 de Abril de 2002 um golpe de estado arquitetado pela elite empresarial, setores vendidos das forças armadas que traíram o país, a Igreja e especificamente a Opus Dai e com intervenção direta dos EUA. Muito se tem dito a respeito de ter sido um golpe midiático.  O fato é que foi suprimido pelos golpista o único canal estatal com que os chavistas pudesse contar a verdade dos fatos. E uma ação dramática e revoltante ocorreu aos arredores do palácio de Miraflores que chega a chocar e enojar não só chavistas mas o mais simples democratas só pode ser bem sucedida numa ação orquestrada com a mídia antichavista.
 
Os golpistas agitaram através das redes de televisão uma marcha junto ao palácio do governo para pedir a saída de Chávez do poder, se servindo das velhas cantilenas: Chávez quer instaurar um regime comunista junto a Cuba de Fidel; Chávez recebe armas de Cuba; Chávez é autoritário e persegue a oposição; Chávez abriu as fronteiras da Colômbia para as Farcs. Quando oposicionistas marcham até o palácio, franco-atiradores do campo golpista passam a atirar e matam pessoas na passeata – num ato friamente planejado que então utilizarão inimigos de chaves para confundir a opinião pública e responsabilizar Chávez pelas mortes. Mesmo alguns aliados do presidente legítimo iriam vacilar até descobrirem a mentira por detrás de toda esta história.
 
“Em nenhum país do mundo eu havia visto um emprego tão desleal dos meios de comunicação como na Venezuela, onde em nome da muito abusada liberdade de em imprensa, é permitido mentir, caluniar impunimente e incitar a violência. Na Venezuela, a apologia aos crimes é o esporte preferido  da oposição e todos eles se sentem no dever de difundir golpes e atentados como se fossem brincadeiras de criança”. 
 
Há diversas outras passagens ao livro de Amenta dignas de nota. A resistência popular ao golpe com a organização de milícias bolivarianas e a mudança de lado ruma a legalidade dos oficiais dentro do “Plano Restituição da Dignidade”. A saída apenas momentânea dos golpistas mas a sua insistência em paralisar o governo com a volta da legalidade. O problema estrutural do racismo na Venezuela. O que se observa é que aquele país passou e passa por uma convulsão com chegada no poder de forças políticas ao menos não formalmente escreva aos velhos esquemas de corrupção e burocracia com base em favores pessoais. A radicalidade política da oposição revela também a ambição de mudanças do governo Chavista e desmente certo posicionamento que procura descarta-lo como um reformista ou, pior, populista, o que é comum nas análises trotskystas.
 
Talvez o erro esteja em considerar que a origem do socialismo venha de governos e não de revoluções. Desde governos existem trincheiras de batalhas, frentes de lutas de classes, e em Abril 2001, a classe trabalhadora e o povo venezuelano podem dizer a pelos pulmões que venceram uma batalha importante contra a burguesia nacional  e o imperialismo em seu país.

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