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Jones Manoel

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Palavras Insurgentes

A “crise política”, a burguesia interna e a oposição: uma proposta de interpretação

Jones Manoel - Publicado: Domingo, 09 Agosto 2015 08:00

A crise do Governo do PT desenvolve-se de forma onde o fim do mandato de Dilma parece uma realidade cada vez mais concreta, só esperando o momento do derradeiro ato acontecer. Uma boa análise marxista deve conseguir captar na análise de conjuntura não apenas as movimentações institucionais de partidos e personalidades, mas compreender a dinâmica da luta de classes que se expressa na cena política.


A hipótese que queremos desenvolver é a seguinte: a burguesia interna em suas mais importantes frações (latifúndio agroexportador, grande indústria e Bancos) não quer o impeachment e demonstra como maior preocupação a estabilidade política do estado burguês (temendo que uma “crise política” possa transformar-se em crise de hegemonia), mas as expressões políticas da burguesia, como alguns partidos políticos e monopólios de mídia, perseguem a derrubada de Dilma por estarem amparados num movimento de massas (nas camadas médias conservadoras e na massa organizada dos evangélicos conservadores) e buscarem principalmente seu interesse particular, provocando uma separação relativa entra a posição da grande burguesia interna e das suas expressões políticas. Tentaremos demonstrar essa hipótese.
 
É necessário antes de entrarmos na cena política tratar de uma questão teórico-metodológica. As classes em confronto forjam instrumentos de luta que contém dinâmicas próprias. Esses instrumentos de luta, que denomino de expressões políticas, representam o interesse universal de sua classe, isto é, manter ou conquistar a hegemonia (ou seja, que seu interesse de classe seja o dominante na sociedade), mas, contudo, também representa seus interesses particulares, específicos. Por exemplo, um partido político que representa a burguesia comercial tem o seu interesse específico de conquistar cada vez mais “espaço” dentro do aparelho político do Estado fortalecendo-se como partido. A busca desse interesse específico pode, às vezes, chocar com o interesse universal da classe do qual o partido é expressão política e acontecer uma ruptura relativa ou total entre a classe e sua expressão.
 
Quando assumiu o primeiro governo com Lula, o PT comprometeu-se com o capital-imperialismo dos EUA a não realizar qualquer reforma estrutural (na Carta aos Brasileiros) e se associou de forma orgânica com setores da grande burguesia interna de fração industrial ao colocar como vice-presidente o burguês (“empresário”) José Alencar. Na crise de 2005, quando Lula quase caiu, setores fundamentais da burguesia interna como Fiesp e CNA (representante do latifúndio agroexportador) defenderam o governo, e aliado a setores da esquerda governista, evitaram a queda. Depois de 2005 a adesão orgânica do PMDB ao governo marcou o pacto genético indissociável entre o Governo do PT e grande burguesia interna. Para os governistas existe até hoje um governo em disputa, mas na realidade, se um dia houve disputa por este governo, essa disputa acabou em 2005.
 
Contudo, sempre existiu uma relativa tensão entre a grande burguesia interna, o capital-imperialismo e o Governo do PT. Essa relativa tensão remete ao passado do PT: mesmo sendo um operador político do capital, as classes burguesas mantém certa desconfiança do PT e preferem claramente outras expressões políticas, como o PSDB (o que não torna, de forma alguma, o PT um partido de esquerda, como querem os governistas). Essa tensão relativa é agravada na eleição quando o PT de forma oportunista força o discurso à esquerda para ganhar a eleição ao cargo de presidente, e a grande burguesia interna joga com outras alternativas (Fiesp e Abimaq apoiaram Marina Silva no primeiro turno). Mauro Iasi sintetizou bem essa dinâmica:
 
O problema é que, mesmo assim, dando tanto à burguesia monopolista e tão pouco aos trabalhadores, a burguesia sempre vai jogar com várias alternativas, e, na época das eleições, vai ameaçar, chantagear e negociar melhores condições para dar sua sustentação. O leque de alianças da governabilidade petista não implica fidelidade dos setores do capital monopolista, adeptos do amor livre, entendem o apoio ao governo do PT como uma relação aberta. Por isso aparecem na época das eleições na forma de suas personificações como partidos de “oposição”.
 
Tal dinâmica produz um movimento interessante. Amor e união com a burguesia monopolista durante o governo e pau na classe trabalhadora (combinada com apassivamento via políticas focalizadas e inserção como consumidores); e briga com a burguesia e promessas de amor com os trabalhadores na época de eleição! [1]
 
Mas essa dinâmica de lutas e chantagens ganhou um ritmo próprio que deixa a própria burguesia e algumas de suas expressões políticas assustadas. Vejamos. O Brasil atual vive uma crise econômica que significa o fim da política econômica do lulismo e a consequente perda de emprego, redução do consumo e aumento da pobreza e miséria para a maioria do povo brasileiro (enquanto os monopólios continuam tendo lucros astronômicos). Essa crise econômica (para a classe trabalhadora) está provocando a desintegração do padrão de dominação que anunciou o início do seu fim com as trombetas das Jornadas de Junho. O padrão de dominação lulista que conseguiu mostrar-se como um médium de conciliação entre capital e trabalho criando uma política econômica onde aparentemente “todos ganhavam” acabou.
 
Nesse ínterim temos a aplicação do ajuste fiscal antipopular. O sentido do ajuste eu já tratei em outro texto [2] e não vou estender-me na questão, mas cumpre apenas relembrar o sentido geral: o ajuste fiscal antipopular é uma orientação política e econômica defendida no essencial por todas as frações da burguesia e todas as principais expressões políticas [burguesas] do país para retomar o patamar de acumulação de capital em nível superior através da intensificação da superexploração da força de trabalho e da dilapidação do orçamento público através dos juros da dívida pública e privatizações. Mas o ajuste fragiliza ainda mais o Governo Federal frente à população (por suas consequências nefastas sobre a classe trabalhadora) e afasta (leia-se: dificulta o aparelhamento) o PT de sindicatos, movimentos sociais, etc. As expressões políticas burguesas como PSDB e Rede Globo aproveitam o momento para jogar com a insatisfação, com o ajuste (mas sem questionar o ajuste em si) e galgar ao poder de estado (como representantes de classe). As manifestações de massa conservadoras puxadas por setores da “classe média” e totalmente apoiadas pelos monopólios de mídia (em especial a Globo), partidos de direita fora do Governo e pelo Congresso Nacional (depois de Eduardo Cunha ganhar a presidência) expressam a luta pelo poder do estado em curso, mas algo começou a mudar.
 
A burguesia não é um todo homogêneo. Ela é dividida em frações que têm vários interesses divergentes e existe luta entre essas diferentes frações para fazer do seu interesse o hegemônico no bloco no poder. As lutas intraburguesas são parte da “normalidade” do capitalismo; porém, existe algo que unifica toda burguesia: o medo da ameaça a propriedade privada ou ao seu poder político. Nesses momentos qualquer divergência some e clama-se por união nacional e o esquecimento temporário do interesse particular pelo interesse universal de classe. Os protestos de massa conservadores contra o Governo Federal e a agressividade do Congresso presidido por Eduardo Cunha estavam dentro do roteiro, mas as frações da burguesia começaram a descobrir que algo saiu do controle.
 
As camadas médias de tendência conservadora estão desesperadas. Existe uma tendência real, de vários anos, de rebaixamento de sua condição de vida. Grande parte dessa tendência é resultado da própria dinâmica de reprodução do capital que tende a cada vez mais reduzir os empregos e os salários de média e alta qualificação, combinado com um aumento constante do custo de vida e uma redução simbólica de históricos privilégios de classe (é mais comum pobre está na universidade, consumir no shopping, viajar de avião, etc. tirando a exclusividade das camadas médias de seus “templos” de consumo) [3]. Sem compreender bem os reais motivos dos seus problemas matérias e simbólicos, os setores conservadores das camadas médias elegeram o Governo Federal e o PT como os principais responsáveis por “seu drama”. Criando uma base de massas bastante ativa, ainda que sem organicidade, que branda diariamente pelo impeachment do Governo Dilma e apoia delírios como o combate ao comunismo do PT (Olavo de Carvalho, intelectual reacionário, vendeu 150 mil cópias do seu último livro. O livro custa mais de 60 reais. Não é nem preciso uma pesquisa do IBGE para saber o pertencimento de classe da maioria das pessoas que compraram a “obra”).
 
Temos o segundo complicador na história. O Brasil vive uma onda gigantesca de expansão do segmento neopentecostal. Parte significativa dos neopentencostais, ou evangélicos, está aderindo a uma ideológica conservadora de cunho religioso que é instrumentalizada por pastores e igrejas para fundamentar projetos de poder [estatal]. Tendo muitos votos, capacidade de massa para mobilizar, dinheiro, grande influência ideológica, crescimento na conquista de cargos institucionais e uma rede de comunicação que abarca rádios, TVs, jornais, sites, lojas de compras, editoras, etc. os segmentos evangélicos conservadores representam hoje um poder real no cenário político. Via de regra, como são conservadores, seus interesses específicos se coadunam com os da burguesia (alguém já viu algum líder evangélico fundamentalista criticar pela esquerda a política econômica atual?), mas, por terem uma base de massas sólidas de onde advém seu poder, os segmentos fundamentalistas têm uma autonomia relativa frente à burguesia muito forte e isso significa, nesse momento, lutar contra o Governo Federal (que na cabeça de muitos representa o “ativismo gay”) independente de qualquer coisa para demonstrar “serviço” a sua base de massas, combatendo o pseudo-inimigo.
 
 O terceiro complicador é que a Operação Lava-Jato, como também já demonstrei em outro texto [4], explicitou a existência de uma ampla rede infrainstitucional de negociação entre empresários, aparelho político e aparelho judiciário na garantia dos interesses econômicos de empresários e “políticos”. À exceção do PSOL, todos os partidos no Congresso estão envolvidos e, no mínimo, os últimos cinco presidentes da república também. O medo da Operação e da ação mais ou menos megalomaníaca da Polícia Federal fez com que sujeitos como Eduardo Cunha, acompanhado por muitos deputados, achem que a única forma de salvar-se é partir para o ataque contra o Governo Federal, pois, para Cunha e seus asseclas, Dilma é responsável pela PF ter desencadeado a operação. Cunha age numa guerra pessoal, embora apoiado de forma clara por vários segmentos médios conservadores e o fundamentalismo religioso, contra o Palácio do Planalto e contra outros caciques do seu próprio partido, numa disputa pelo poder no PMDB.
 
A Firjan e a Fiesp em editorial [5] conclamam diálogo, responsabilidade e ação para preservar a “estabilidade institucional”. Depositando no vice Michel Temer sua esperança. CNA, Abimaq e Febraban também não demonstram qualquer apoio ao impeachment puxado por setores do PSDB e setores mais conservadores do Congresso. A Rede Globo, seguindo a posição da Firjan e Fieps, publicou um editorial onde ataca Eduardo Cunha, chama os partidos e políticos à “responsabilidade”, defende um acordo suprapartidário entre PT e PSDB e clama as expressões políticas da burguesia para marginalizarem seus interesses específicos em prol dos interesses gerais de classe [6]. Lembrando que a próprio Globo é uma das principais fomentadoras da oposição ao Governo Federal, mas a rede da Família Marinho nesse momento pensa como um bom intelectual orgânico da burguesia.
 
Dentro do PSDB existe uma briga interna. Uma ala, ligada diretamente ao senador Aécio Neves, defende o impeachment e a convocação de novas eleições. Outra ala, ligado a José Serra e Geraldo Alckmin, toma um tom moderado ao falar de impeachment, procura conter a senha de poder de Aécio e ao mesmo tempo manobrar para conseguir que as cabeças de cada grupo (Serra e Alckmin) consigam projetar-se como o candidato do PSDB a presidência. O vice-presidente nacional do PSDB, Alberto Goldaman, e um dos seus fundadores e intelectuais de mais prestígio, José Arthur Giannotti, já posicionaram contra a atitude de confrontação ostensiva contra o Governo do PT nesse momento político [7].
 
O que o Governo Federal está fazendo? Fundamentalmente atuando em três frentes. A primeira é buscar o apoio do PSDB. Lula reuniu-se com FHC para buscar soluções para a “crise política”, FHC em entrevista a uma revista alemã elogiou a honestidade de Dilma e disse que ela não é corrupta, Governadores do PSDB, como o de São Paulo e Paraná, declararam apoio ao ajuste fiscal antipopular e Mercadante elogiou o PSDB e procura costurar um acordo suprapartidário. A segunda frente de ação é conseguir unificar os diversos níveis do aparelho político em prol da “estabilidade” através de pura e simples compra de políticos e partidos. O Governo federal sancionou uma nova lei, de autoria do senador José Serra, que injeta 21 bilhões nos cofres de estados e municípios [8]. Mesmo com toda retórica do conter gastos, a mensagem é simples: apóiem-me que eu retribuo em dinheiro. A terceira grande frente de atuação é reforçar a coordenação com grandes representantes da burguesia (“empresários”) para forçá-los a disciplinar suas expressões políticas. Os donos da Cosan, Bradesco, Carrefour e Gerdau estão nos próximos dias no palácio [9] e no Congresso tentando controlar e direcionar a política institucional para o caminho que consideram adequado (ao fazer isso, inclusive, o governo admite que é representante orgânico da grande burguesia e não dos trabalhadores, para quem ainda tem dúvida).
 
Antes de partimos para a conclusão, cabe deixar algo mais claro. Por que a grande burguesia interna considera que os níveis atuais de enfrentamento ameaçam seus interesses? Existe uma clara crise do padrão de dominação vigente nos últimos 10 anos. Uma crise do aparelho político burguês que não consegue mais construir um consenso social mínimo, o PT está cada vez mais perdendo sua capacidade de apassivador dos movimentos sociais e sindicatos, estamos no maior número de greves desde os anos 80, os protestos de rua crescem, a “sombra” das Jornadas de Junho ainda está na memória e as condições materiais de vida da maioria da população irão tendencialmente piorar bastante nos próximos anos.
 
Uma das principais funções do estado burguês é representar a “arena de resoluções” das contradições advindas da própria sociedade burguesa. Explicando melhor. Se existe um latifundiário com milhões de hectares de terras improdutivos e milhares de famílias sem-terra querem plantar, é ilegal as famílias simplesmente ocupar e começarem a produzir. Se isso acontecer teremos, provavelmente, uma ação de reintegração de posse e o uso dos aparelhos repressivos do estado contra essas famílias. O “correto”, na lógica do estado burguês, é buscar agir dentro da lei e das instituições, para solucionar a situação. Como bem sabemos o estado burguês tem como elemento constitutivo (ontológico) próprio proteger as relações de produção dominantes. Logo, o “direcionamento” das contradições sociais para a “esfera política” é parte essencial da reprodução da dominação burguesa. Quando todo esse aparelho político perde qualquer forma de legitimidade frente às classes exploradas temos a possibilidade de que a “crise política” transforma-se em “crise de hegemonia” (colocando em conta o próprio domínio do capital) ou a necessidade de um golpe de força para manter a legitimidade da ordem burguesa, mas um golpe de força pode suscitar formas perigosas de resistência (radicalização se propaga em ondas: uma radicalização da burguesia pode engendrar uma radicalização das forças populares). Por isso essa preocupação da grande burguesia interna.
 
Como os acontecimentos vão desenrolar-se? Eu aposto, pelos dados apresentados, que o ciclo de enfrentamento ao Governo Federal irá intensificar (pelos elementos já colocados acima) e como solução institucional a grande burguesia interna irá costurar com os setores pró-impeachment do PSDB e os líderes evangélicos fundamentalistas uma solução de compromisso que evite “radicalismo” (como convocar novas eleições) e o nome que se projeta para isso é o de Michel Temer, como um presidente de transição (estilo Itamar Franco). Aposto que até o final do ano Temer assume a presidência, contudo, não arrisco dizer como Dilma (e consequentemente o PT) será eliminado do “jogo burguês”.
 
Notas:
 
[7] – Vários textos com a disputa interna no PSDB:http://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/07/politica/1438902995_519278.html
 

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