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Paulo Marçaioli

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O diabo revisitado

“A Rebeldia do Trabalho” – Ricardo Antunes

Paulo Marçaioli - Publicado: Segunda, 03 Agosto 2015 16:58

Resenha do Livro – “A Rebeldia do Trabalho: o confronto operário no ABC Paulista e as greves de 1978/80” – Editora Ensaio/Editora Unicamp.


O professor Ricardo Antunes é um dos mais conhecidos estudiosos do mundo do trabalho no Brasil. Este “A Rebeldia do Trabalho” corresponde a sua tese de doutoramento na USP (1986) cujo objeto de estudo é as greves do movimento operário metalúrgico do ABC-SP entre 1978, 1979 e 1980. É professor de Sociologia do Trabalho da Unicamp e tem feito um importante trabalho junto à editora Expressão do Trabalho publicando junto ao grande  público obras referentes ao problema do trabalho, à conformação da classe trabalhadora, sua consciência ou a reestruturação produtiva. Esforço importante na medida em que o capital por meio de seus aparelhos ideológicos e discursos nas empresas, ou seja com importantes disseminação para além do mundo acadêmico, tem colocado em pauta ideias como “fim do trabalho”, “fim da luta de classes”, “fim da classe trabalhadora”, falando em novos “colaboradores” dos empregadores. Contra o discurso ideológico, reafirmar a centralidade do trabalho e dos trabalhadores nas sociedades contemporâneas, longe de ser debate meramente acadêmico, torna-se questão militante. 
 
263pag11Antes de maio de 1978 já se constatava algumas mobilizações e formas de resistência do movimento metalúrgico do ABC. Todavia as principais formas de resistência não passavam de formas individuais, manifestações não organizadas que, de resto, expressavam o descontentamento e formas embrionárias de lutas políticas. A origem dos conflitos no chão de fábrica diziam respeito ao arrocho dos salários, à super exploração e abuso das chefias, às longas jornadas trabalho: tratava-se portanto de razões econômicos que se observavam num plano mais geral com o esgotamento do “milagre econômico” a partir de 1974. Estas primeiras formas embrionárias de resistência iam da destruição e inutilização de peças, destruição premeditada de máquinas, boicotar a lógica da intensidade das jornadas de trabalho passando muito tempo no banheiro ou já coletivamente nas “operações tartaruga” em que um grupo mais ou menos extenso de trabalhadores, como o nome sugere, diminui o ritmo do trabalho, eventualmente, seguindo fielmente os protocolos da produção o que significava quase que parar o andamento dos trabalhos. 
 
O ano de 1978 seria o estopim para o movimento grevista, ainda que algumas pequenas paralizações teriam ocorrido de forma parcial e espontânea no ABC. As greves de maio de 1978 tiveram como pauta o arrocho salarial e como causas secundárias a luta contra o intervencionismo estatal, democracia e liberdade sindical e contra o despotismo fabril. O que há de se destacar é que foi um movimento espontâneo cujo estopim foi a luta por melhores salários diante de anos consecutivos de arrocho – o sindicato neste sentido foi chamado para representar um movimento que já se colocava em marcha: 
 
“Resultante das próprias necessidades e instintos de sobrevivência operárias as greves de maio floresceram e viveram o seu curso no leito da espontaneidade. O próprio Sindicato dos trabalhadores em que pese a campanha de conscientização desenvolvida a partir de meadas da década de setenta, surpreende-se com a eclosão do movimento grevista, tendo vivenciado momentos de extrema dificuldade, dados pela sua inexperiência em participar de movimentos daquela amplitude. A ação da direção sindical foi mais no sentido de representação do movimento grevista nas fábricas, quando solicitada  pelos trabalhadores (...)”.
 
Seria desde as greves de 1978/9 que seriam projetadas a figura da liderança de Lula, dirigente dos sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Enquanto esta articulação ganhava a confiança dos trabalhadores pela base, a Federeção, que se colocava contra os trabalhadores, bem como estado e os patrões, se expunham claramente como inimigos dos trabalhadores – eis o elemento pedagógico da greve, bem como o que é endossado por Antunes, qual seja, o fato de que um movimento de caráter econômico, assumiria também um caráter político, ainda não de combate ao modo de produção capitalista, mas a elementos do qual ele é ponto de partido, como o estado, o regime ditatorial e o despotismo fabril. 
 
O elemento espontâneo das graves significou que não houve um sindicato ou um partido que preparou, desenvolveu e deu solução de continuidade ao movimento – uma direção de vanguarda inequívoca, “assumindo desde logo nítida dimensão política, de confronto e ofensividade”.  
 
Ricardo Antunes faz uma análise particular de cada movimento, destacando suas especificidades, em maio de 1978 (vitoriosa), a greve geral de 1979 (vitoriosa) e a greve geral de 1980 (derrotada). É a primeira parte de seu trabalho. A segunda parte é inteira voltada à análise do contexto sócio- econômico do período, com alguma ênfase à situação do emprego, ao regime de contratação de trabalho  e salários nas indústrias da região do ABC: com estas informações, Ricardo Antunes combate uma certa linha na sociologia que buscou identificar os metalúrgicos do ABC como uma espécie de “aristocracia operária” com tendência reformistas por supostamente obter salários mais altos do que os dos restantes do país. Muito pelo contrário: as informações colhidas informam que existia uma tendência crescente de maior arrocho salarial com aumento da faixa de trabalhados com média salarial de 1 e 2 salários mínimos, fazendo com que o nosso proletariado tivesse antes mais características do petersburguense. 
 
Finalmente, nas conclusões há a amarração das informações levantadas, com algumas discussões importantes sobre o tema da greve e consciência de classes. 
 
Esta tese de doutorado foi escrita em 1986. No ano de 2015, muitos daqueles que estiveram à frente do novo sindicalismo, à frente de um movimento de trabalhadores de massas, com disposição para piquetes e lutas, chegaram ao governo e capitularam, governaram para os patrões e para os capitalistas contra os trabalhadores, que os lançaram na cena política. O que se extrai em primeiro lugar é que estas lideranças não “propulsionaram”, não foram a fonte de origem das greves, nem de 1978, 1979 ou 1979 – o que poderia corroborar com a tese de que aquela liderança sempre fora oportunista. Todas aquelas lutas operárias surgiram de forma espontânea, como decorrência do acirramento da crise (a partir de 1974) e do esgotamento do modelo econômico e político do regime. 
 
Em segundo lugar, não se deve com isso fazer desta constatação um culto ao espontaneísmo – foi justamente a falta do preparo (Ricardo Antunes fala em “racionalidade dialética”) o que não levaram o proletariado do ABC a dar uma repercussão regional ou mesmo nacional ao seu movimento, que poderiam dar um contorno muito mais avançado a nossa redemocratização. Não existem soluções simples, mas numa conjuntura nova (2015) em que os elementos apontam para o esgotamento do modelo do PT, está em disputa na esquerda uma direção para dar consequência ao potencial revolucionário dos trabalhadores. 

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