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Jones Manoel

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Palavras Insurgentes

Da UPP a Levy: a Constituinte Exclusiva do Sistema Político e os erros da “esquerda governista”

Jones Manoel - Publicado: Terça, 03 Março 2015 00:33

O clico histórico do PT no Planalto parece claramente está se fechando, os movimentos sociais e as lutas populares vivem claramente um momento de ascensão forte – o número de greves, protestos de rua e ocupações de órgãos públicos não param de crescer – e esse momento é propício para fortalecer o debate estratégico sobre os rumos da esquerda socialista.


Dois grandes caminhos, por assim dizer, são delineados: os que querem construir uma alternativa radical rompendo com o PT e com o campo mais amplo da “esquerda governista” e os que querem “resgatar” o projeto histórico do PT e ainda acreditam em uma espécie de “guinada à esquerda” do PT e até do Governo Federal.
                      
Nesse debate, um texto do militante da Consulta Popular, Ricardo Gebrim, chamou-me atenção [1]. Gebrim pretende mostrar a atualidade tática e até estratégica da proposta de uma Constituinte Exclusiva do Sistema Político, faz uma análise de conjuntura interessante e ainda nos brinda com a “refutação” das três principais correntes de argumentos contra a proposta que ele defende.
                    
Nesse texto pretendo tecer alguns comentários críticos sobre a conjuntura nacional, as atuais medidas do Governo Federal e o comportamento da “esquerda governista” e apontar o que considero ser a perspectiva correta para a classe trabalhadora e os movimentos sociais, centrando no caráter anti-popular e neoliberal do governo petista.
 
Um governo que não é de direita: tomar como evidente algo não demonstrado
                  
Gebrim começa seu texto falando do “cerco político” que a “direita” está impondo ao governo. O termo “direita” é na maioria das vezes útil para delimitar o espectro político-ideológico que um determinado grupo político está inserido, mas muitas vezes serve para semear confusão. Quando Gebrim fala “direita” ele está se referindo a que classes e que fração de classes? Que grupos políticos precisamente? Não temos a resposta. Chama atenção o fato de o nosso amigo usar o termo “direita” para referir-se apenas aos que “cercam” o governo, deixando pressuposto que esse governo também não é de direita.
                    
Aliás, durante o texto, nas poucas vezes em que comenta as medidas conservadoras e neoliberais do segundo mandato de Dilma, procura construir a visão de um governo que toma essas medidas por causa da pressão do “cerco político” ou por erros de estratégia, nunca por convicção política de um projeto bem delineado.
                      
O ápice disso é quando Gebrim faz esse questionamento: “como estimular necessárias mobilizações contra medidas do governo, quando este enfrenta um forte cerco?” Fica explícito o seguinte: mesmo tomando medidas conservadoras, anti-populares e neoliberais esse governo não é inimigo. Temos que lutar contra as medidas do governo, mas não contra o governo. É lógico que essa posição só pode ser derivada de duas concepções do Governo do PT: ou é um governo “em disputa”, “tese” que poucos nesse momento ainda têm coragem de defender, ou é um governo de esquerda (ou centro-esquerda) que está tomando medidas conservadoras por questões conjunturais (erro de estratégia, pressão da “direta”, etc.).
                 
O fato é o seguinte: Gebrim toma como pressuposto algo não demonstrado, a saber, que esse governo não é de direita e anti-popular. Em 2014 desenvolvi um debate com Valter Pomar, militante da Articulação de Esquerda, tendência do PT, onde ele tinha a mesma posição. Nos vários textos que trocamos o pressuposto não demonstrado do Governo Federal não ser de direita era um dos principais “argumentos”. Qualquer avaliação séria da conjuntura deve necessariamente enfrentar essa difícil questão – especialmente para a esquerda governista – sobre o que é esse Governo Federal de coalizão centrado no PT.
 
Reforma Política como instrumento do Estelionato Eleitoral
                   
É de notório saber que o primeiro Governo Dilma foi o mais afastado dos movimentos sociais desde o primeiro mandato de Lula. O MST, movimento com ligações históricas com o PT, só foi recebido no Palácio do Planalto no seu Congresso, em 2014, depois de ter enfrentado a polícia. Dilma também patrocinou uma das maiores escaladas de perseguição e criminalização dos protestos e dos movimentos sociais dos últimos anos – algo parecido com os governos de Collor e FHC.  Uma das principais respostas do Governo Federal às “Jornadas de Junho” foi o fortalecimento do aparelho repressivo do Estado para garantir a Copa e outros megaeventos – Gebrim só “lembrou” da reforma política.
                     
Oras, nesse contexto, sabendo que o PT tem tendências a ter maiores votos no espectro à esquerda do necessário político, como passar uma estética de esquerda? Simples: proposta da Reforma Política. O PT enquanto Partido e Dilma defenderam a reforma política, a presidenta recebeu as assinaturas do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva durante a campanha eleitoral do segundo turno. Sem esse movimento da “esquerda governista” e a aparência de adesão de Dilma à proposta, teria sido muito difícil colar a imagem de esquerda durante a campanha eleitoral que garantiu sua vitória sobre Aécio.
 
Depois da Campanha Eleitoral...
                 
Já no discurso de posse, a “radicalidade” da campanha começa a sumir. As primeiras medidas anunciadas chegam como uma bomba para os que acreditavam em “guinada à esquerda”: cortes no orçamento público, aumento de juros, aumento do preço de tarifas e a montagem de um ministério ultra-conservador, com o detalhe simbólico de ter escolhido figuras muito representativas da direita nacional (representando frações do capital) – Katia Abreu, Joaquim Levy, Armando Monteiro, Nelson Barbosa, Gilberto kassabe etc.
                  
A conjuntura atual é extremamente complexa. Como Gebrim fala corretamente, estamos em um momento de ascensão das lutas populares, mas isso não significa uma hegemonia da esquerda. E nesse momento a resposta do Governo Federal é: cortes no orçamento público (24 bilhões só em áreas sociais), retirada de direitos trabalhistas (80% dos jovens no mercado de trabalho não terão mais direito ao Seguro-Desemprego pelas novas regras), aumento de juros, tentativa de abrir o capital da Caixa Econômica, redução dos investimentos produtivos (como o montante do PAC), maior criminalização dos movimentos sociais e militarização das Favelas (a militarização no Complexo da Maré é o maior exemplo), fim do programa Minha Casa Melhor, aumento das tarifas, continuidade da política de megaeventos (só no Rio de Janeiro 60 mil pessoas foram expulsas de suas casas), continuidade da pior política agrária dos últimos trinta anos, manutenção da política urbana agressivamente pró-capital e o engavetamento de qualquer “reforma popular”, inclusive, as prometidas na eleição.
                   
Com essa conjuntura uma coisa fica clara: essas lutas populares vão acabar tendencialmente tomando o Governo Federal com um dos principais inimigos. Por ações concretas do governo (em maior medida) e pela ação dos monopólios de mídia (em menor medida).  Será mesmo que as pessoas sem empregos, endividadas, violentadas pela polícia, expulsa de suas casas, oprimidas no campo, etc., vão querer unir-se ao Governo Federal e a “esquerda governista” na pauta pela Constituinte Exclusiva?
                     
Um dos maiores ensinamentos do movimento comunista no século XX, em especial de V. I. Lenin, é que a classe trabalhadora se mobiliza por questões concretas, que afetam o seu dia-a-dia, e é função dos comunistas fazer o “elo de ligação” entre a questão concreta do cotidiano e a estratégia de enfrentamento do capitalismo. Ou seja, talvez fosse uma boa estratégia divulgar a reforma política como um primeiro passo na solução para os problemas cotidianos do povo, mas como fazer isso se quem propõe a reforma política – com Constituinte Exclusiva – são os mesmo que apóiam medidas do Governo Federal, que se recusam a reconhecê-lo como ele é e até defendem medidas de retirada de direitos trabalhistas (a CUT no início do ano propôs redução de salários para manter o emprego e a Executiva do PT aprovou a defensa do ataque aos direitos trabalhistas lançadas por Dilma e Joaquim Levy).
                    
Ou seja, da UPP (maior símbolo de repressão contra as classes trabalhadoras desde o AI-5) até a política ultra-neoliberal de Joaquim Levy, não resta outra alternativa aos movimentos sociais e a classe trabalhadora do que resistir aos ataques desse governo.Quando Gebrim fala em “cerco da direita” ao governo, ele “esquece” do cerco do governo de direita à classe trabalhadora. É sintomático, por exemplo, que a contrarreforma trabalhista que atinge vários benefícios – como o Seguro-Desemprego – seja apoiada pelo PMDB, monopólios de mídia, senadores do PSDB, associações empresariais e “formadores de opinião” conservadores.
 
 O pressuposto de uma saída política ofensiva
            
Concordamos com o Gebrim de que é necessária uma saída política ofensiva nesse momento. A classe trabalhadora e os movimentos sociais não podem apenas resistir aos brutais ataques. É mister passar para uma agenda positiva, impondo não só o que não quer, mas sim o que se quer. Para isso, é imprescindível: identificar o Governo Federal como ele realmente é. Um instrumento de dominação de classe que não toca qualquer reforma popular, que criminaliza os movimentos sociais e militariza as favelas e está aplicando uma contrarreforma neoliberal que faria inveja ao senhor FHC.
                     
Essa saída política passa por dois grandes centros estratégicos: criar pólos de resistência aos ataques constituídos de todas as forças de esquerda socialista não governista e a partir das lutas cotidianas, defensivas e por mais direitos, avançar numa agenda macro de questionamento da destinação do orçamento público, do modelo de desenvolvimento e do próprio sistema político. E esse questionamento do sistema político não precisa ter um direcionamento institucional.
                      
Por fim, qualquer bandeira estratégica deve conseguir fazer a mediação entre os problemas cotidianos do povo e a perspectiva de longo prazo. Gebrim acha que a Constituinte é a estratégia adequada, mas precisa deixa claro como ligar essa bandeira com o dia-a-dia do povo, afinal, muitas vezes, quem propõe a Constituinte em um dia, no outro defende a UPP e a retirada de direitos e o povo é tudo, menos ingênuo para não perceber isso. O fundo de toda a incoerência guarda a mesma raiz: não aceitar a realidade, não ver que o atual governo é conservador, toca uma política neoliberal e é ultra-repressivo com os pobres e os movimentos sociais.
 
Nota:
 

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