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Helena Sabel

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Mulher, fouce e martelo

Lenine e a emancipaçom da mulher: umha revisom marxista e feminista

Helena Sabel - Publicado: Sexta, 09 Janeiro 2015 09:31

O camarada Lenine falou-me várias vezes sobre a questom feminina, à qual atribuía grande importância, umha vez que o movimento feminino era para ele parte integrante e, em certas ocasions, parte decisiva do movimento de massas. É desnecessário dizer que ele considerava a plena igualdade social da mulher como um princípio indiscutível do comunismo. Clara Zetkin (1924), Lembranças de Lenine [1]


A opressom de género nom tem um peso determinante na produçom teórica de Lenine, mas, se figermos umha revisom da obra do revolucionário russo, comprovaremos que nom se trata dumha questom por ele obviada. É consciente de como a dominaçom patriarcal fai com que a opressom acrescentada que sofrem as mulheres trabalhadoras provoque que certas problemáticas precisem de ser abordadas a partir da perspetiva de género.

Desde o início da sua atividade revolucionária, Lenine fijo algum que outro esforço por se dirigir especificamente às mulheres trabalhadoras nas suas campanhas agitativas. Porém, a maior parte dos panfletos que repartia nas fábricas de Sam Petersburgo tinham como destinatário os trabalhadores, embora haja algumha exceçom[2].

Na produçom teórica iniciada durante a sua estadia em prisom em 1896-97, Lenine dedica numerosas reflexons às condiçons socioeconómicas das camponesas. Um dos seus objetos de estudo será a sobrecarga de trabalho que suponhem as tarefas relacionadas com os cuidados[3]. Além disso, insiste nos benefícios que suporia para estas mulheres a participaçom direta no processo produtivo em grandes indústrias fabris, pois reduziria a sua alienaçom, tornando-as mais independentes e, portanto, ajudando-as a romperem as cadeias do patriarcado[4].

Posteriormente, também analisará o processo de feminizaçom do setor agrícola nos países do centro capitalista e como esta feminizaçom está relacionada com as pequenas exploraçons, agrícolas, sendo estas, precisamente, as mais pobres. Nas suas reflexons sobre a precarizaçom das condiçons de vida das camponesas e da sua sobreexploraçom, retorna de novo à defesa da necessidade imperiosa de que as mulheres se incorporem ativamente ao tecido produtivo.

Após a vitória da Revoluçom bolchevique, umha das maiores preocupaçons de Lenine é que, ainda que as mulheres e os homens sejam iguais ante a lei devido à reforma legislativa soviética, esta igualdade nom seja real a efeitos práticos. Daí que dedique notáveis esforços em impulsar a implicaçom ativa das mulheres na política e administraçom públicas, fazendo numerosos chamamentos às mulheres (tanto do partido como nom militantes) para que se unissem aos sovietes.[5]

Umha análise muito mais profunda que a que podemos elaborar aqui seria precisa para estudar a conceçom que da família e da sexualidade tinha Lenine. Som poucas as referências diretas que temos dele a este respeito e, as que conservamos, desprestigiam em certa medida os contributos dum revolucionário que tam lúcido foi à hora de analisar outros aspetos da teoria revolucionária.

Por umha parte, temos o Lenine que analisa a família burguesa como a instituiçom que converte a mulher numha escrava. Na sua defesa do divórcio, denuncia a hipocrisia dos estados burgueses que o legalizam por invisibilizar a subjugaçom económica da mulher, que fai do divórcio na sociedade capitalista um trámite antidemocrático e fútil[6].

Também analisa com umha perspetiva de classe a despenalizaçom do aborto e a distribuiçom de propaganda sobre métodos anticoncecionais, diferenciando como a classe trabalhadora reivindica esses direitos em contraposiçom com a defesa covarde de certos setores da pequena-burguesia que desejam controlar a natalidade para que as "criança nom sofram" devido ao pioramento das condiçons de vida[7].

Lenine também denuncia a hipocrisia burguesa no tocante à prostituiçom, definida por este como umha forma de opressom sobre a mulher com umha indissociável condiçom de classe. Critica com dureza as medidas com que a burguesia pretende erradicar a prostituiçom (religiom e opressom policial) ao mesmo tempo que evidencia a falsidade burguesa ao falar de erradicar umha mal que nom só é provocado por ela, mas que o sustenta, beneficiando-se da sua existência.

Por outra parte, temos o Lenine absolutamente oposto ao amor livre. Censura, por exemplo, que umha das principais temáticas que as comunistas alemás tratam nos círculos de debate com as trabalhadoras seja a problemática sexual e o matrimónio. Também considera "perigoso" que seja a sexualidade umha questom chave entre as juventudes do partido (pois "pode facilmente levar a excessos sexuais, sobreestimulaçom da vida sexual e ao desperdício da saúde e vitalidade da gente nova"[8]).

Algumhas das suas discussons que a este respeito tivo com Alexandra Kollontai chegárom-nos através de Clara Zetkin. Zetkin afirma que Lenine criticou o conceito de amor livre defendido pola feminista russa, definindo-o como "completamente antimarxista, e, acima de todo, anti-social" (Zetkin, op. cit.: 7). Outros trechos desta obra desenham a conceçom que Lenine tinha sobre a luita pola emancipaçom sexual, que descreve como umha ideologia que nasce "do desejo de justificar a própria vida sexual anormal ou excessiva do indivíduo ante a moralidade burguesa e reivindicar toleráncia consigo mesmo"[9].

Além de Zetkin e Kollontai, também Inessa Armand foi alvo das suas críticas, como se pode observar pola petiçom que lhe fai, em que lhe solicita que apague um parágrafo dum panfleto em que Armand tratava a luita das mulheres trabalhadoras polo amor livre por ser "umha questom burguesa, nom umha questom proletária"[10].

Embora Lenine criticasse com fereza o modelo de família burguês, chega a apresentar a procriaçom no seio dum casal monogámico como o contexto mais legítimo para a sexualidade. Situa, ainda, a "promiscuidade sexual" como um vício semelhante ao álcool, pois dumha maneira similar afeta a consciência de classe favorecendo a alienaçom.

Nom podemos estudar a presença da mulher na obra de Lenine, sem analisar as influências femininas na vida deste, assim como a atividade política protagonizada polas mulheres da sua época. Evidentemente, nom podemos elaborar aqui essa contextualizaçom, mas sim queremos denunciar, ainda que de maneira superficial, o pouco espaço que às mulheres se outorga nos relatos biográficos de Lenine (veja-se Service, 1995; Volkogonov, 1994). Em muitas biografias, mulheres determinantes na vida do revolucionário ficam completamente ensombrecidas por este e relegadas a meras figuras de encarregadas do trabalho doméstico ou secretárias. Porém, é preciso insistir em que a sua companheira, Nadezhda Krupskaia, e irmás, Anna Elizarova e Maria Ulyanova, eram revolucionárias entregues que desempenhárom um papel fulcral na história da Revoluçom soviética. Nom só fôrom peças chave à hora de manter a organizaçom bolchevique durante os duros anos da emigraçom do Lenine, como também realizárom um labor encomiável na construçom do partido durante 1917, centrado-se particularmente nas mulheres e na juventude trabalhadora. Nom devemos esquecer que muita da bibliografia que manejamos sobre a Revoluçom de 17 se centra em personalidades: em Lenine como o líder, enquanto as perspetivas feministas estám centradas na figura de Alexandra Kollontai. É por isso que, por vezes, se fai necessário recordar que Lenine estivo exilado desde julho até a véspera da Revoluçom de Outubro e que Kollontai estava presa nessa altura. E mais ainda, fai-se necessário reivindicar que as mulheres cumprírom um papel determinante no sucesso da Revoluçom, e que devem deixar de ser vistas como umhas meras iniciadoras dumha revolta essencialmente masculina.

Ter presente toda esta bagagem, este contexto pessoal e sociopolítico, é imprescindível para avaliar as "mais de quarenta ocasions" (aplaude Krupskaia) em que Lenine fai umha mençom explícita à emancipaçom das mulheres (Kruspakaia, 1933: op. cit.).

Para rematar, queremos recordar os factos e nom ficar só com as palavras. Queremos recordar que sob a liderança de Lenine se criou o Genotdel, o primeiro departamento feminino governamental do mundo. Que se aprovou o Código Civil de 1918, polo qual decretava a proteçom do Estado a maes e crianças, tornando gratuitos os cuidados nas maternidades. Legalizou-se o divórcio e fijo-se do casamento um ato civil, no qual as duas partes assumiam os mesmos direitos e deveres. Anulou-se a distinçom entre filh@s legítim@s e ilegítim@s. Aboliu-se a educaçom religiosa e as instituiçons confessionais fôrom convertidas em centros de serviços sociais. Há que recordar também que em 1920, pola primeira vez no mundo, se legalizou o aborto. O trabalho tornou-se obrigatório para homens e mulheres e criou-se umha rede de instituiçons de apoio à mulher, desde infantários, centros de dia, cantinas, lavandarias públicas, cozinhas coletivas, e um longo et cetera.

O proletariado nunca poderá conquistar a plena liberdade até que conquiste a plena liberdade para as mulheres.

Lenine, 1920

[1] http://www.marxists.org/portugues/zetkin/1920/mes/lenin.htm

[2] Concretamente, um panfleto dirigido aos trabalhadores e trabalhadoras da fábrica têxtil Tornton. Também nos consta, segundo relata Krupskaya (1933), a intençom de Lenine de redigir um panfleto durante o seu exílio em 1899 que levaria por título "As mulheres e a causa do proletariado". Neste panfleto, animaria as mulheres a participarem do movimento revolucionário e defenderia como só a vitória da classe trabalhadora conquistaria a emancipaçom de género (prefácio escrito para a coleçom de artigos de Lenine intitulada Sobre a emancipaçom da mulher de 1934).

[3] Para se referir ao trabalho reprodutivo, Lenine utiliza com freqüência o termo "escravas domésticas" (Lenine, V.I.U. (1913): "Um grande avanço tecnológico". Pravda, 91, 1913, 21 de Abril).

[4] Lenine, V. I .U. (1899): O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, capítulo VII "O desenvolvimento da grande maquinaria industrial".

[5] Lenine, V. I. U. (1920): "Às mulheres trabalhadoras". Pravda, 40, 1920, 22 de fevereiro.

[6] Lenine, V. I. U. (1916): "Caricatura do marxismo e do economicismo imperialista". Zvezda, 1-2, 1924.

[7] Lenine, V. I. U. (1913): "A classe trabalhadora e o neomaltusianismo". Pravda, 137, 1913, 16 de junho.

[8] Zetkin, C. (1934): Lenin on the Woman Question, New York: International, p. 5.

[9] Zetkin (op. cit.: 4).

[10] Carta para Inessa Armand, 17 de janeiro de 1915.

Fonte: Primeira Linha.


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