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Paulo Marçaioli

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Batalha das Ideias

“A Revolução Mexicana: Antecedentes, Desenvolvimento e Consequências” – Bustos, Medina e Loza

Paulo Marçaioli - Publicado: Quarta, 10 Setembro 2014 18:13

Resenha do livro: “A Revolução Mexicana: Antecedentes, Desenvolvimento e Consequencias” – Rodolfo B. Bustos, Rafael A. Medina e Marco Antonio Loza – Ed. Expressão Popular – Coleção Assim Lutam Os Povos.


A Ed. Expressão Popular, preocupada em resgatar e manter viva a tradição e memória da luta dos povos latino-americanos, fez bem em publicar esta “História da Revolução Mexicana” escrita a três mãos pelos acadêmico Rodolfo B. Bustos, Rafael A. Medina e Marco Antonio Loza.

 
Cada autor tratará de um momento particular daquele processo revolucionário complexo e que perpassa longos dez anos (1910-1920). A trama se subdivide em antecedentes históricos que remontam necessariamente ao período pré-colombiano, à história da revolução propriamente dita e ao seu legado.
 
A conquista da América Espanhola, ao contrário do que ocorreu no Brasil, se apoiou literalmente sobre uma guerra que envolvia o domínio de povos relativamente organizados – a civilização asteca subdividida em comunidades que ofereciam maiores e menores resistências ao invasor europeu. Por isso quando se observa aquele movimento revolucionário que teve como dirigentes e participantes criollos e indígenas ciosos em recuperar terras saqueadas pelos espanhóis, entende-se que o ponto de partida para se estudar a revolução necessariamente é o passado colonial.
 
Antecedentes
 
100914 rev A existência de uma civilização pré-colombiana asteca na região onde hoje se situa o México deve ser considerada quando se reflete sobre a Revolução Mexicana pois a linha comum entre o passado e o presente aqui é o domínio/posse da terra, suas formas de exploração impostas pelo conquistador europeu e a luta de resistência pelos elementos nativos.
 
A disputa situa-se entre o modo de organização e produção comunitária em contraposto às distintas formas de exploração capitalista da terra, baseadas no latifúndio, ora na escravidão do indígena (denominada “encomienda”) ora numa forma velada de super-exploração baseada na contratação da mão de obra e na remuneração por meio de “vales” que mal serviam para sustentar ou manter vivo os aborígenes – estes literalmente morriam de tanto trabalhar e eram abandonados em estradas ou nos matos como objetos descartáveis.
 
Durante o período colonial, os índios estavam sujeitos a castigos físicos pelos capatazes quando não cumpriam as metas e não conseguiam fugir das fazendas pois  eram vigiadas e normalmente viviam isolados em fazendas distantes nas montanhas e vales. A destruição dos laços  comunitários, culturais e de sobrevivência (todos eles milenares) dos nativos que viam-se expulsos das suas terras a partir da expansão dos latifúndios de açúcar, algodão e tabaco seriam elementos que tornariam posteriormente a revolução mexicana basicamente uma revolução camponesa. As bandeiras da reforma agrária, a distribuição das terras conforme os antigos critérios pré-colombianos e o atendimento da função social dos recursos naturais são reflexos daquela linha comum entre um passado de opressão e uma luta social que até os dias de hoje se mantém acessa.
 
Este elo entre o passado e presente explica a existência de um capítulo dedicado aos antecedentes longínquos e mais imediatos da Revolução em que se descreve a sociedade pré-colombiana e seu forte vínculo com a terra, elemento sem o qual não se compreende aquela que seria uma revolução essencialmente camponesa. A tragédia da Revolução Mexicana, todavia, seria justamente a de não conseguir unir a suas demandas com os elementos progressistas da cidade, qual seja, com o proletariado urbano, que naquele contexto revolucionário, aliou-se aos setores da pequena-burguesia constitucionalista.
 
Desenvolvimento
 
Há um capítulo denominado desenvolvimento em que se narra os eventos da Revolução Mexicana em si, a começar por seus principais pontos cronológicos, o que é bastante elucidativo para o leitor brasileiro, não habituado à sequencia de fatos políticos que contextualizam aquele grande evento da história política mexicana.
 
Os marcos principais são a queda de uma ditadura de um caudilho chamado Porfírio Días e o fim da revolução, que se expressa com a morte da sua principal referência de luta ao sul do país, Emiliano Zapata – Pancho Villa morreria alguns anos depois, mas já sem a mesma relevância política do exército sulista de Zapata.
 
Mais importante, todavia, do que ter acesso à sucessão dos fatos políticos é buscar compreender como se deu todo o processo da Revolução Mexicana e buscar extrair sentidos políticos daquele movimento.
 
Inicialmente, cabe colocar que a revolução se apoiou essencialmente no campo: observou-se no México daqueles anos uma revolta camponesa que derrubou uma ditadura que perdurava há décadas no poder e manteve todo o sistema político numa fragilidade constante diante de enfrentamento em armas entre diversas facções rivais . Como todo processo revolucionário, pode-se observar um acirramento da luta de classes em que a pequena-burguesia e a burguesia nacional, inicialmente sob Medeiros e posteriormente sob outras lideranças até a formal institucionalização da revolução (que seria consolidada inclusive por meio de um partido político, o PRI), tomariam a direção do processo revolucionário. Havia ademais uma classe operária no México que estava se organizando, iniciava sua organização sindical e propunha suas primeiras greves. Todavia, faltou à ela o que foi possível de se concretizar na revolução russa de 1917 e que levaria a esta última à vitória com a decisiva tomada do poder político: uma aliança estratégica entre operários e camponeses.
 
Se o ponto de partida da revolução em armas do México era os camponeses, estes não ofereciam um programa nacional e muito menos apresentavam como consigna a tomada do poder, o que facilitou a movimentação de setores burgueses no sentido de dirigir e consequentemente desarmar e derrotar a revolta no campo. No máximo, os camponeses do sul, sob a direção de Zapata, propugnaram o Plano Ayala, que estabeleceu as bases do agrarismo, em que se encontra condensada o programa político dos camponeses em luta no México, vindo a influenciar posteriormente a progressista constituição de 1917, introduzindo de forma pioneira desde o seu artigo 6º a ideia de função social dos “terrenos, matas e águas”.
 
Este plano todavia estava muito aquém de um projeto nacional, de uma proposta de unificação que seria tomada por setores burgueses denominados “constituicionalistas” e que iriam, ao final, dirigir os trabalhadores da cidade e levar a cabo a constituição de 1917. A Constituição em seus artigos 23 e 127 consignava os direitos reclamados pelos trabalhadores  e a repartição da terra, conforme o Plano Ayala, fazendo com que o movimento guerrilheiro passasse a ficar cada vez mais isolado. Ademais, a própria existência de um movimento guerrilheiro começou a criar problemas na cidade com a falta de abastecimento de alimentos e matérias primas, aumentando o isolamento entre os dois setores mais explorados da sociedade mexicana.
 
Assim, como razões da derrota, temos:
 
“A ruptura e a dificuldade de reconciliação entre operários e camponeses surgiram da própria luta. As incursões zapatistas no centro e villistas no Norte do país criaram situações difíceis para a indústria. A falta de matéria-prima e a destruição de máquinas que as guerrilhas camponesas causaram criou condições difíceis para as populações pobres das cidades, que viviam do trabalho em fábrica e demais empresas. Ao mesmo tempo, a agricultura de subsistência que os camponeses desenvolveram durante a luta, embora lhes permitisse dar de comer a sua própria família, ainda que escassamente, transtornou a economia e as redes de abastecimento das zonas urbano industriais. Ironicamente, a falta de visão das duas frentes, a camponesa e a operária, favoreceu seu enfrentamento, debilitou as forças revolucionárias e beneficiou a ascensão dos setores liberais burgueses”.
 
Em que pese portanto a derrota política final da Revolução Mexicana, consignada com a morte de seu principal líder, aquele movimento conseguira mudar para sempre a fisionomia política do país. Com certeza nenhuma nação pode passar imune após uma experiência que envolva massas revolucionárias formando contingentes armados utilizando a violência contra as classes dominantes, até ao ponto de 1914 quando os exércitos de Pancho Villa ocupa a Cidade do México, centro político do país, além de distribuírem terras e formarem autogovernos por todo território mexicano.
 
Todavia, a derrota da Revolução Mexicana inicia-se quando o movimento é apropriado por caudilhos militares de origem pequeno-burguesa que passam a favorecer os interesses da ascendente burguesia. Os historiadores refletem acerca de dois legados essenciais da revolução mexicana: a consolidação do regime presidencialista mexicano e em particular a constituição de 1917, esta sim, uma das mais avançadas da época e precursora do conceito de função social da propriedade. O governo do General Lázaro Cardenas, caracterizado como populista, promoveria uma reforma agrária  distribuindo 18 milhões de hectares de terra, num nível e numa intensidade que dificilmente teria ocorrido sem as lutas sociais anteriores – e observando a título de comparação a realidade brasileira, ainda não passamos por processo parecido em...2014.
 
Nesse sentido, não se pode dizer que aquela experiência revolucionária tenha sido em vão em que pese o seu desfecho ter sido desvirtuado pelas lideranças burguesas com a morte de suas mais combativas lideranças. A Revolução Mexicana nada mais é do que mais um capítulo do livro extenso de lutas de resistência do povo latino-americano, e esta experiência histórica deve ser estudada por todos de forma a aprendermos com seus erros, bem como para reivindicarmos sua tradição: com as devidas particularidades, as similitudes nas histórias de resistência da América Latina sugerem a pertinência da construção de instrumentos comuns de organização de luta, obviamente, num momento mais avançado na luta anti-imperialista, contra o capitalismo e pelo socialismo.

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