Em maio deste ano, estreou nos cinemas brasileiros o filme Praia do Futuro. O longa conta a história de Donato, salva-vidas da praia mais famosa de Fortaleza, que após salvar o alemão Konrad (Clemens Schick) de afogamento, se apaixona por ele e vai para Berlim, abandonado mãe e um irmão caçula.
Apesar de contar com o popular Wagner Moura, o filme foi mal-recebido pela maioria dos espectadores, que abandonavam a sala logo no início da sessão. O motivo? As cenas de sexo entre Moura e Schick. Alguns clientes chegaram a pedir o dinheiro de volta, além de fazer comentários homofóbicos nas salas de exibição.
Para aqueles que esquecem o quão preconceituoso ainda é o Brasil, casos como esse são um bom lembrete. Além de evidenciar a maneira estereotipada que se enxerga o homem homossexual, principalmente se compararmos as reações ao Praia do Futuro com a resposta ao filme Hoje Eu Não Quero Voltar Sozinho, lançado alguns meses antes e também um casal homossexual como protagonista. Baseado num curto lançado há cinco anos trás, Hoje... narra a história de Leo, adolescente portador de deficiência visual que se apaixona por Gabriel, seu novo colega de sala.
O filme de Daniel Ribeiro não foi uma unanimidade. Porém, não recebeu o mesmo tipo de críticas e comentários grosseiros que Praia do Futuro. Muitos fatores explicam isto: primeiro o fato de ter rodado num circuito mais fechado, para um público menos homogêneo e menos conservador. Segundo, por não contar com atores populares como Wagner Moura, que geralmente se apresentava em papéis como o do Capitão nascimento, de tropa de elite. Entretanto, é inegável que Hoje... apresenta um perfil do homem homossexual menos chocante para os padrões conservadores. Melhor dizendo, os dois adolescentes gentis, magrinhos e (por que não dizer) fofos estão mais próximos do estereótipo do gay do que os dois homens brutos, barbados, um salva-vidas, outro piloto, de Praia do Futuro.
Fica evidente a estratégia utilizada pelo preconceito nos dias de hoje: um casal gay é permitido, desde que corresponda ao estereótipo e que não haja relação sexual entre eles. Da maneira semelhante são tratados os casais lésbicos: não são criticados se satisfazem um fetiche machista. Os personagens de Donato e Konrad subvertem a lógica preconceituosa. E justamente por isso se encontram às escondidas ou sob o pretexto de uma amizade.
Felizmente, os tempos mudaram e podemos assistir aos dois filmes citados e a outros. Infelizmente, não mudaram tanto assim.Muito já foi feito, mas atualmente, a grande batalha a ser travada é contra a manipulação das classes conservadoras. Que a liberaçãos sexual feminina não sirva para sua objetificação . Que uma cena de sexo entre mulheres não seja mero fetiche. Que o homem gay não seja apenas o melhor amigo escandaloso e engraçado.
Representividade de verdade. Chega dessa arte que não é libertação.