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Maurício Castro

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Enquanto há força

Leninismo e libertaçom nacional

Maurício Castro - Publicado: Quarta, 23 Julho 2014 13:15

Reproduzimos a versom alargada do texto publicado no nº 73 do Abrente.


A questom nacional no marxismo tem sido objeto de umha importante produçom teórica que parte dos fundadores, Karl Marx e Friederich Engels, se bem é preciso afirmar desde já que nom foi um tema central em nengum deles, nem é a marxista a primeira corrente de pensamento interessada no assunto. De facto, foi precisamente a partir de Lenine, e coincidindo com o desenvolvimento da fase imperialista do capitalismo ao longo do século XX, que se produzírom os mais importantes contributos para a teoria e para as luitas nacionais nas correntes revolucionárias marxistas.

Indo brevemente aos inícios, devemos indicar a parcial compreensom de algumhas importantes implicaçons do fenómeno nacional e do nacionalismo polos primeiros teóricos marxistas e das outras correntes da esquerda no século XIX. Achamos que o relevo da questom nacional parte da origem mesma do capitalismo como modo de produçom, na medida que a exploraçom, a opressom e o domínio de umhas naçons sobre outras constituem um aspeto da mesma totalidade social e universal: a exploraçom, opressom e domínio que se dá no interior de umha formaçom social concreta dentro do modo de produçom capitalista.

Isto é assim porquanto hoje sabemos bem que o próprio desenvolvimento histórico do capitalismo nom poderia ter chegado ao grau de desenvolvimento global atual sem a funçom de intercámbio desigual e sem o espólio ilimitado verificado polas grandes potências capitalistas europeias em relaçom às suas colónias. Foi isso que permitiu o avanço tecnológico e económico necessário para a universalizaçom do capitalismo como processo histórico1 a partir dos estados-naçom centrais em que surgiu o mundo burguês.

Marx e Engels: A visom a partir do capitalismo avançado europeu

É um facto bem conhecido o nascimento histórico do estado-naçom como forma jurídico-institucional ao serviço da expansom mercantil e industrial no ascenso da burguesia como nova classe dirigente, no seu longo processo de afirmaçom que lhe permitiu ultrapassar os limites das velhas relaçons de produçom. A substituiçom primeiro factual e depois legal da relaçom salarial entre patrons e trabalhadores, o sustento jurídico do estado de direito como legitimaçom das novas normas impostas à divisom do trabalho e a necessária abertura de um mercado único estatal ajudam a entender o avanço, a par e passo, das novas formas de capitalismo e as novas formas estatais ao seu serviço.

É essa constataçom por parte dos próprios Marx e Engels no coraçom da Europa desenvolvida do século XIX (Inglaterra) que os levou a afirmarem essa nova forma estatal como facto progressivo nom apenas na própria Europa (onde a sua Alemanha natal sofria um atraso socioeconómico refletido no atraso na constituiçom da nova naçom unificada), mas no resto do planeta. O otimismo com que ambos autores enxergavam a expansom do modelo central europeu a outras regions do mundo, como a Ásia ou a América, explica o apoio sem reservas à colonizaçom indiana por parte do imperialismo británico, à anexaçom territorial mexicana por parte do jovem capitalismo norte-americano ou mesmo a sua errada avaliaçom da figura e do papel de Simón Bolívar. Na sua visom, a imposiçom de modelos capitalistas avançados consoante o padrom europeu levaria as naçons instaladas em modos de produçom atrasados à conformaçom de proletariados capazes de liderar futuros processos revolucionários.

Já no caso do continente europeu, o critério de Marx e, sobretodo, de Engels enfrentárom contradiçons entre a condena dos chamados “povos sem história”, considerados incapazes de protagonizar a sua própria emancipaçom e, por isso, condenados à desapariçom pola inexorável imposiçom do correspondente Estado-Naçom2, portador do capitalismo; e os que, incapazes até aí de construir o seu próprio Estado, protagonizavam processos que ambos vírom com aberta simpatia3. Para além do seu “tradicional” apoio ao movimento nacional polaco, especialmente significativo vai ser o que dam ao independentismo irlandês. Significativo, nom só porque contradi a sua visom mecanicista em relaçom às colónias americanas e asiáticas, mas também porque ambos vivem em Inglaterra, conhecendo de perto esse conflito nacional4, cada vez mais acirrado conforme avança o século XIX, atingindo formas insurreccionais por parte do movimento feniano irlandês.

As sucessivas recomposiçons do capitalismo inglês após cada crise, a absorçom do movimento cartista polo sistema, a integraçom dos outrora combativos sindicatos para se limitarem à luita por melhorias salariais, as votaçons maioritárias contra os partidos operários na década de 60… Engels identifica o significativo progresso e integraçom do proletariado inglês no capitalismo como resultado do espólio das colónias. Daí ao apoio expresso à “colónia branca” irlandesa, é só um passo que ambos camaradas nom demorárom a dar com total clareza, avançando para posiçons de maior coerência com os objetivos libertadores do marxismo.

Implacável frente ao cosmopolitismo e às teses proudhonianas de desprezar qualquer conflito nacional como “preconceito antiquado”, Marx escreve a Engels em 1866, comentando a discussom num encontro entre diferentes correntes operárias em Londres, no qual alguns franceses defendiam a dissoluçom em pequenas comunas associadas como alternativa à conformaçom dos modernos estados: “Os ingleses rírom muito quando comecei dizendo que o nosso amigo Lafargue e outro que acabavam de abolir as nacionalidades, nos falavam em ‘francês’, quer dizer, um idioma que nom compreendiam 9/10 partes do auditório. Depois sugerim que por negaçom das nacionalidades, Lafargue parecia entender, muito inconscientemente, a absorçom delas na exemplar naçom francesa”5.

Afinal… os operários tenhem pátria?

Nom é objeto destas linhas abordarmos a posiçom de Marx e Engels na questom nacional, mas achamos importante termos situado alguns traços gerais, porquanto som a base sobre a qual Lenine irá construir a sua própria teoria e prática. É por isso que acho útil abordar, nem que seja de maneira breve, a famosa polémica sobre a posiçom de Marx frente à relaçom entre os operários e a pátria.

Diferentes autores e movimentos políticos, sobretodo ao longo do século XX, interpretárom de maneira diversa a sentença marxiana, contida no Manifesto Comunista, segundo a qual “Os operários nom tenhem pátria”.

Segundo Horace B. Davis, estudioso das relaçons históricas entre socialismo e nacionalismo6, houvo quem a interpretasse a afirmaçom de Marx como “pura retórica sarcástica”. Porém, levando-a a sério, admitiria três interpretaçons:

  1. A incapacidade do proletariado para desenvolver qualquer cultura nacional devido à posiçom de extrema exploraçom que padece no capitalismo.
  2. O proletariado só “terá pátria” quando tomar o controlo do Estado através de um processo revolucionário, daí que “ainda nom tenha pátria”.
  3. A classe operária é por definiçom “internacional”, portanto é irrelevante a sua adscriçom nacional. Este argumento iria ao encontro da visom defendida por Bakunin, nom por Marx, no seio da I Internacional.

A interpretaçom que figermos tem a sua importáncia, porquanto afeta a necessária distinçom entre internacionalismo e cosmopolitismo. Sendo indubitável o caráter internacionalista do marxismo desde a primeira hora, tanto Marx como Engels combatêrom as posiçons cosmopolitas no seio da I Internacional, como de maneira breve apontamos nos dous exemplos acima reproduzidos. Quer dizer, internacionalismo nom significa indistinçom ou dissoluçom das identidades nacionais.

É certo que a assunçom das luitas nacionais tem em Marx e Engels limites em parte dependentes da sua “crença” no padrom de desenvolvimento “progressivo” consoante o modelo europeu até a revoluçom socialista. Daí deriva também a sua preferência polos grandes espaços estatais como articulaçom do internacionalismo entre povos industrializados avançados. Porém, também é certo que a evoluçom do pensamento de ambos teóricos da revoluçom os levou a umha cada vez mais firme assunçom das luitas dos povos oprimidos e em nengum caso defendêrom a desapariçom das naçons como caraterística da futura sociedade comunista.

Entre as limitaçons objetivas que marcárom as abordagens de Marx e Engels ao problema nacional, haverá que ter em conta que, se bem a sua obra aponta a tendência do movimento do capital para a concentraçom e para a mundializaçom, nengum deles assistiu ao surgimento dos monopólios e da fase imperialista.

Depois de Marx-Engels e antes de Lenine: Entre o chauvinismo e a insuficiente compreensom do facto nacional

O grande contributo de Lenine foi, sem dúvida, ultrapassar as carências dos autores que, seguindo o marxismo, tentárom realizar umha atualizaçom da compreensom e do programa revolucionário no plano nacional. Karl Kautsky, Otto Bauer, Gueorgui Plekhanov, Rosa Luxemburgo, Leon Trotsky, Josif Staline… com muito diferentes graus de compreensom e interpretaçom do facto nacional na nova fase imperialista, coincidem ao protagonizar análises insuficientes ou desfocadas por diversas causas. Do chauvinismo kautskista, que o leva, junto ao conjunto da II Internacional, a defender a burguesia do seu próprio país em 1914; até o mecanicismo cosmopolita de Plekhanov, pai dos marxistas russos, que acredita na progressiva “eliminaçom das diferenças nacionais”; o determinismo economicista de Rosa Luxemburgo, que nega qualquer viabilidade nacional ao seu próprio povo, o polaco; ou o culturalismo de Bauer e os austromarxistas; assim como o ecleticismo de Trotsky, a caminho entre o culturalismo e o economicismo; e a rígida receita staliniana, caraterizada pola insuficiente distinçom entre o nacionalismo da naçom opressora e o nacionalismo da naçom oprimida7.

Sem entrarmos no desenvolvimento das diferentes visons sobre o assunto no campo do marxismo, sim queremos salientar que foi em debate com esses autores e autoras, entre outros, assim como na escola prática da trajetória histórica de 25 anos de militáncia revolucionária, que Vladímir Illitch perfilou a mais madura teorizaçom marxista para o capitalismo monopolista desenvolvido diante dos seus olhos ao longo do primeiro quartel do século XX.

Lenine: as naçons oprimidas como sujeitos políticos ao serviço da revoluçom

Como primeira caraterística do pensamento de Lenine, já desde 1903, em que começa a escrever sobre o assunto, devemos destacar o reconhecimento explícito do direito de autodeterminaçom e o rejeitamento aberto da opressom nacional. De facto, o POSDR (Partido Operário Social democrata Russo) converteu-se nesse ano no primeiro partido marxista a incluir no seu programa o direito de autodeterminaçom.

Até a Revoluçom de 1905, podemos afirmar, com o estudioso Javier Villanueva, que a sua é umha “defesa passiva” dos direitos nacionais, com escassa dedicaçom teórica e umha clara desconsideraçom prática quanto à importáncia da resoluçom do problema nacional no interior do Império russo8.

A revoluçom de 1905 regista umha mudança de tendência, com o protagonismo do movimento de libertaçom nacional na Finlándia, onde se registam as maiores mobilizaçons. Apesar do definhamento do movimento revolucionário nos anos que se seguem à derrota, a partir de 1912 o fator nacional ganha peso tático na luita política novamente ascendente contra o Czarismo. Os povos oprimidos em que nom se tinham manifestado expressons de afirmaçom nacional em termos políticos começam a fazer frente à crescente russificaçom forçada de um nacionalismo Gram-Russo exacerbado, temeroso de perder os seus privilégios nacionais.

Lenine, que sempre tinha reconhecido os direitos nacionais como princípio democrático, assume agora umha posiçom ativa, integrando-os como parte da imprescindível acumulaçom de forças revolucionárias. É nesta altura e nesse contexto de maior protagonismo do fator nacional que pede a um “maravilhoso georgiano” que elabore um trabalho que poda servir de base à orientaçom política do Partido Bolchevique. O artigo “O marxismo e a queston nacional” é concluído em 1913, ficando como o mais importante texto teórico elaborado por Staline. Apesar das suas carências, algumhas das suas teses ficarám como referência durante décadas para as esquerdas ligadas à III Internacional pós-Lenine e nom só9.

Porém, no intervalo entre 1913 e a morte de Lenine, o trabalho de Staline nem cumpriu a tarefa para a qual tinha sido elaborado, nem o próprio Vladímir Ilitch o citou na sua cada vez mais abundante elaboraçom teórica sobre a matéria. Contodo, sim detetamos aspetos comuns ao que vai ser o programa bolchevique até 1917, como a ratificaçom do reconhecimento do direito de autodeterminaçom ou umha rígida negativa tanto às propostas austromarxistas como às federativas do Bund (organizaçom da esquerda socialista judia no interior da Rússia). Em ambos aspetos, as cousas vam mudar com a vitória revolucionária, abrindo-se a aplicaçom de políticas análogas às propostas polo austromarxismo (em relaçom ao ensino da língua ídiche à populaçom judaica na Ucránia e na Bielorrússia) e reconhecendo-se soluçons de tipo federal a nível organizativo do novo Estado operário10.

Noutros pontos, as teses de Staline discordam das defendidas por Lenine nos anos seguintes. É o caso do psicologismo (“psicologia peculiar”, “fisionomia espiritual” e “comunidade de psicologia”, chama-o Staline) e da “exigência” de umha tabela fechada de caraterísticas imprescindíveis para a “catalogaçom” de umha comunidade humana como nacional. Som elas: “comunidade estável, historicamente formada e surgida sobre a base da comunidade de idioma, de território, de vida económica e de psicologia, manifestada esta na comunidade de cultura”. Segundo o autor do texto, “basta com que falte nem que seja só um desses traços, para que a naçom deixe de ser tal”.

Tam chocante como a “exigência” do referido “catálogo integral”, que Lenine descarta explicitamente em diferentes escritos sobre o assunto, é a ausência do que o próprio Vladímir Ilitch irá afirmar como elemento central para o reconhecimento da naçom: A vontade11 e, em conseqüência, a existência de um sujeito político que constrói a naçom.

Dá nas vistas também, na visom de Staline, a afirmaçom de que, na Europa Ocidental, todos os estados coincidem com espaços nacionais, situando o caso irlandês como única exceçom. Contradi assim a sua própria definiçom dogmática, pois é evidente a existência de diferentes comunidades nacionais no interior da maioria dos estados capitalistas do ocidente europeu. Ao invés, Staline considera que a Europa Oriental se carateriza pola existência de “Estados multinacionais”. Esse diferente tratamento dos estados ocidentais e orientais responde à exclusom do fator vontade e, portanto, do caráter político da afirmaçom nacional. Isso permite-lhe tanto omitir a existência das naçons sem Estado na Europa Ocidental como reservar para os impérios russo e áustro-húngaro a “assunçom da tarefa de unificar as nacionalidades num Estado”. No caso da Hungria, chega a explicar a construçom do Estado-Naçom húngaro por ser a nacionalidade magiar “a mais apta para a organizaçom estatal” (sic).

Mais umha caraterística do nacionalismo explicado por Staline é a insuficiente distinçom entre naçom opressora e naçom oprimida, igualando ambas na disputa interburguesa que, no caso da naçom oprimida, tenta arrastar outras classes sob a bandeira dos interesses da “pátria”; umha pátria que Staline escreve assim, entre aspas.

Coincide com Lenine, entretanto, ao definir a autodeterminaçom como o direito à plena separaçom, assim como, em simultáneo, à negativa a favorecer a auto-organizaçom do proletariado de cada naçom oprimida: “…os operários estám interessados na fusom completa de todos os seus camaradas num exército internacional único…”. Só após a chegada ao poder do Partido Bolchevique mudará Lenine a sua posiçom nesse terreno, defendendo a federaçom tanto a nível de partido como do novo Estado operário: a Uniom de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS, criada em 1922).

Também coincidem no reconhecimento da Suíça como mais avançada democracia burguesa na abordagem da diversidade nacional. No caso de Lenine, chega a pô-la como exemplo da soluçom da questom lingüística, contrapondo o seu modelo territorial com o “cultural-nacional” que defendia a corrente austríaca de Otto Bauer12.

O esquematismo e reducionismo do artigo de Staline vai ser ultrapassado em todas as frentes polo desenvolvimento teórico (e prático) da linha política leninista nos anos seguintes, até 1917 e mais além.

Entretanto, a passagem de Kautsky para o campo burguês com motivo da Guerra de 1914 acelera a ruptura de Lenine com o que tinha sido um importante referente teórico. A sucessom de acontecimentos e o protagonismo crescente das luitas nacionais obrigam-no a elaborar um quadro teórico próprio nos anos seguintes.

Perfila com clareza a distinçom entre naçom opressora e naçom oprimida, partindo da extensom da posiçom de Marx sobre a Irlanda, projetando à realidade imperial russa o princípio de que “um povo que oprime outro povo nom pode ser livre”. Denuncia cada vez mais abertamente o nacionalismo opressor russo e deteta a sua influência no campo popular, tal como Marx e Engels tinham detetado o británico no proletariado inglês. Situa claramente o movimento popular como sujeito da autodeterminaçom e reafirma o caráter político (nom meramente cultural nem económico) do facto nacional; declara a durabilidade dos fenómenos nacionais contra as teorias mecanistas sobre a diluiçom das diferenças entre as naçons e situa no imperialismo a causa para umha explosom de luita nas pequenas naçons europeias que favorecerám a luita do proletariado socialista13.

No plano internacional, apela à inclusom do princípio de autodeterminaçom nos programas dos estados europeus mais avançados, rompendo com a inconseqüente omissom da Europa Ocidental como palco das luitas de libertaçom nacional e contrariando as teses do artigo de Staline.

O ano 1917 marca um novo passo em frente. Coincidindo com crise revolucionária russa, Lenine já abandonou a ideia da bondade intrínseca da integridade territorial do Império. Os direitos nacionais som incorporados ao programa revolucionário, junto à reivindicaçom da terra e dos sovietes como organismos de nova democracia popular. Elementos alheios até aí ao programa bolchevique, consegue assim ganhar simpatias nas populaçons das naçons oprimidas, articular a estratégia operária-camponesa e preparar o ascenso da corrente bolchevique nos órgaos de duplo poder ao longo do ano 17.

Só como mostra do pensamento avançado de Lenine na compreensom do facto nacional, entre os númerosos textos publicados durante esse ano, salientamos dous exemplos da sua aposta no reconhecimento da naçom em termos de sujeito político e vontade, contra o receituário dogmático do seu camarada georgiano posteriormente adotado pola III Internacional.

“…O que é peculiar na Rússia é a gigantescamente rápida transiçom da violência selvagem para o mais requintado engano. A questom fundamental é a renúncia às anexaçons nom de palavra, mas de facto. Rech anda a uivar pola declaraçom da social-democracia de que a incorporaçom de Courland na Rússia é anexaçom; é toda incorporaçom de umha naçom contra a sua vontade, sem importar se tem um idioma próprio, em tanto ela se considerar a ela própria como naçom diferente. Isto é um preconceito dos Gram-Russos, cultivado durante séculos…” (V. I. Lenine. Das Atas da Conferência de toda a Rússia do Partido Bolchevique. Março de 1917) (negrito incorporado por mim).

“Será considerado anexado qualquer território, cuja populaçom, no transcurso das últimas décadas (desde a segunda metade do século XIX), tenha expressado a sua disconformidade com a incorporaçom do seu território a um outro Estado, ou com a sua situaçom dentro do Estado; quer essa disconformidade tenha sido expressa em escritos, quer em resoluçons parlamentares, assembleias, reunions concelhias ou outros organismos similares, em documentos estatais e diplomáticos, surgidos do movimento nacional noutros territórios, em conflitos nacionais, choques, distúrbios, etc” (V. I. Lenine. Obras Completas em espanhol, T. XXVII, p 460. Ed. Akal)

Lenine, a coerência e o compromisso com as luitas nacionais depois de 1917

Até aqui vimos, de maneira esquemática, o desenvolvimento do pensamento de Lenine avançar ao ritmo dos acontecimentos políticos, sempre estreitamente ligado ao pulso da realidade e das necessidades do avanço da luita revolucionária.

Poderia haver quem acusasse essa evoluçom leninista de simples oportunismo ou instrumentalizaçom da luita dos povos oprimidos. Porém, achamos que a tendência foi antes a contrária. Das declaraçons favoráveis alheias de compromisso prático real dos primeiros anos, o Partido Bolchevique avançou, nom sem contradiçons e mesmo contando com significativas forças proximas do chauvinismo russo ou com escassa compreensom da importáncia da questom nacional. Lenine situou-se aí à frente da corrente mais comprometida com os direitos nacionais dos povos oprimidos polo Império Russo e, umha vez tomado o poder, a sua identificaçom com essas luitas nom deixou de aumentar, em contradiçom com setores importantes da dirigência bolchevique.

De facto, os primeiros anos de política revolucionária no poder supugérom um salto sem precedentes no grau de reconhecimento desses direitos, incluindo o acesso de dúzias de línguas ao sistema de ensino, a criaçom de instituiçons nacionais próprias e o reconhecimento da independência da Finlándia (1917) primeiro e da Polónia, Estónia, Letónia e Lituánia a continuaçom (1918).

Também supugérom, na última etapa da sua vida, um dos motivos do confronto de Lenine com um setor da dirigência do partido, encabeçada polo georgiano Josif Staline (Comissário do Povo para as Nacionalidades), nos anos 1922 e 1923, com motivo da política aplicada na Geórgia, passando por cima dos critérios dos próprios dirigentes bolcheviques georgianos14 para impor um aparelho de Estado centralizado e unificado. Em escritos como “A respeito do problema das nacionalidades ou sobre a ‘autonomizaçom’”15 alerta contra a reduçom da igualdade nacional a puro formalismo ou a águas de bacalhau em maos da burocracia partidária russa. Aponta para os exageros dos dirigentes bolcheviques de origem georgiana nessa direçom (Staline, Dzerzhinski, Ordzhonikidze…) lembrando que “os nom russos russificados sempre exageram quanto às suas tendências puramente russas”.

Com as suas contradiçons e medidas concretas discutíveis no calor de umha etapa convulsa marcada polas agressons permanentes do imperialismo ao novo poder soviético e a premente necessidade nom concretizada de que a revoluçom se espalhasse em novos povos europeus16, nom há dúvida sobre o caráter fundante e em muitos aspetos verdadeiramente revolucionário das políticas bolcheviques em matéria de direitos nacionais, culturais e lingüísticos17. Principalmente na primeira década de política revolucionária, fôrom adotadas todo o tipo de medidas inéditas de reconhecimento efetivo da diversidade a partir da instauraçom de 15 repúblicas.

O percurso vital e político de Lenine enfrentou-no a um cenário revolucionário num palco imprevisto polo marxismo “clássico” (o Império Czarista), caraterizado pola imensa diversidade nacional18, numha etapa de mundializaçom imperialista e de forte irrupçom das luitas nacionais como sujeito político imprevisto. O olfato político e as convicçons democráticas de Lenine levárom-no a assumir, teorizar e somar esse novo sujeito ao projeto revolucionário, enfrentando as evidentes circunstáncias adversas de um cenário marcado pola guerra civil e a ameaça exterior à continuidade revolucionária.

Porém, também se viu obrigado a enfrentar as carências do próprio Partido Bolchevique na assunçom das inovadoras teses leninistas no plano nacional, um Partido Bolchevique maioritariamente formado por dirigentes e quadros russos ou russificados e insuficientemente sensíveis ao verdadeiro reconhecimento dos direitos nacionais das naçons nom russas incorporadas ao Estado plurinacional soviético. Fruto do caráter fortemente centralizado do partido em torno do proletariado propriamente russo (a maior parte das naçons oprimidas polo Império Russo careciam de fortes movimentos operários), a revoluçom foi desde o início muito condicionada por esse predomínio.

Hoje é fácil comprovar a razom objetiva de Lenine ao se preocupar com a tendência à progressiva russificaçom por parte da ascendente burocracia soviética. Com a implosom da URSS, o ressurgimento de movimentos disgregadores deixou em evidência a subsistência das brigas nacionais nom resolvidas no seu interior.

Depois de Lenine… A luita nacional à frente nos processos revolucionários do século XX

O papel histórico de Lenine à frente do movimento revolucionário mundial no primeiro quartel do século XX abriu passagem para a compreensom e o lançamento de luitas nacionais um pouco por todo o planeta. O papel dos povos oprimidos no programa bolchevique, defendido sobretodo polo próprio Lenine, foi seguido da independência irlandesa, ratificando a posiçom de Marx perante o conflito já em meados do século anterior. Esse foi só o início de toda umha série de processos revolucionários com protagonismo dos povos oprimidos como sujeito político num palco internacional caraterizado pola hegemonia imperialista. Revoluçons de forte conteúdo nacional como a chinesa, a vietnamita, a coreana ou a cubana, mas também processos de libertaçom nacional como o argelino, o angolano, o congolês, etc. Com maior ou menor êxito, o facto nacional continua a ser central nas luitas que continuam hoje diante dos nossos olhos.

Teóricos como Ho Chi Minh e experiências como a vietnamita nom só dérom continuidade à teorizaçom leninista, como lhe dérom novos contornos e ultrapassárom as suas limitaçons. Ninguém duvida hoje do acertado da ruptura do movimento comunista de libertaçom nacional no Viet Name com o Partido Comunista Francês. Tese defendida por Ho, por sua vez fundador do PCF em 1920, que denunciou abertamente os preconceitos do proletariado das metrópoles e o papel rendista dos estados coloniais, verdadeiros parasitas em relaçom aos povos colonizados19.

O mesmo pode dizer-se doutros revolucionários ao longo do século XX, entre os quais só referiremos dous casos sobranceiros: o latino-americano Ernesto Che Guevara e o africano Patrice Lumumba, ambos assassinados polo imperialismo e seguidores da teoria leninista da libertaçom nacional.

Nom corresponde nestas páginas abordar as luitas anti-imperialistas de libertaçom nacional ao longo do século XX, mas sim apontar a vitalidade das mesmas tanto nos quadros de luita estritamente coloniais como nos neocoloniais; tanto na periferia do sistema mundo e como nos centros do capitalismo mundial, que na atualidade atravessam umha profunda multicrise, confirmando a progressiva decadência e degeneraçom de um modo de produçom completamente mundializado e crescentemente financeirizado.

Sem que isso justifique qualquer isençom da dura tarefa de criaçom de pensamento próprio, tal como o próprio Vladímir Ilich se viu obrigado a fazer durante a sua trajetória militante, achamos imprescindível o estudo intenso e aprofundado do seu pensamento ainda nos nossos dias. Como fonte imprescindível para umha adequada e efetiva aplicaçom do marxismo à Galiza do século XXI, sem cópias nem mímeses absurdas, o leninismo deve fazer parte da muniçom teórica para a luita de libertaçom nacional de naçons oprimidas polo imperialismo como é a Galiza dos nossos dias.

Notas

1Transnacionalización y desnacionalización. Ensayos sobre el capitalismo contemporáneo. Rafael Cervantes et alii. Ed. Tribuna Latinoamericana. Buenos Aires, 2000.

Com destaque para os povos eslavos do sul (checos, eslovacos, bósnios, sérvios, eslovénios…) acusados de colaboracionismo com os Impérios Czarista e austríaco contra os levantamentos liberais-progressistas na própria Áustria, Hungria, Polónia e Itália.

Numha carta a Kautsky em 1882, referindo-se à Polónia (submetida ao Império russo), escreve: “…Libertar-se da opressom nacional é a condiçom básica de todo desenvolvimento saudável e livre… Nom é tarefa nossa dissuadirmos os polacos dos seus esforços para ganharem as condiçons do seu desenvolvimento futuro, ou dizer-lhes que de um ponto de vista internacional a sua independência nacional é questom completamente secundária, quando, ao invés, é a condiçom de toda colaboraçom internacional”.

Para além da intervençom no movimento operário inglês, com importante presença irlandesa, lembremos que a companheira de Engels era dessa nacionalidade.

Correspondência de Marx a Engels. Londres, 20 de junho de 1866.

Nacionalism & Socialism. Marxist and labor theories of Nationalism to 1917. Horace B. Davis, 1967.

Um estudo divulgativo dos diferentes autores e autoras marxistas em relaçom à questom nacional pode ser consultado numha obra bem conhecida na Galiza: Patria ou Terra Nai? Ensaios sobre a Cuestión Nacional, de Michael Löwy. Edicións Laiovento, 1999.

Lenin y las naciones. Javier Villanueva, Editorial Revolución, 1987.

Na Galiza, Castelao e o conjunto do galeguismo primeiro e do nacionalismo que renasce na década de 60 do século passado depois, fai suas as teses estalinianas na definiçom “obetiva” da naçom a partir do “catálogo fechado” proposto polo dirigente de origem georgiana.

10 Em 1918, a Declaraçom dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado apela à formaçom de umha federaçom de repúblicas soviéticas com base na uniom livre e voluntária dos diferentes povos que a integrassem.

11 Sobretodo nos seus escritos a partir de 1917, Lenine destaca a vontade e a autoconsideraçom por parte da comunidade nacional em questom, manifestada por qualquer via, como única condiçom para o seu reconhecimento como naçom.

12 “Notas críticas sobre a questom nacional”, V. I. Lenine. 3 de maio de 1913.

13 “Balanço da discussom a respeito da autodeterminaçom”, V.I. Lenine, julho de 1916.

14 Nom pode deixar de indicar-se o antecedente da invasom da República da Geórgia (na altura sob governo menchevique, com independência reconhecida a partir de 1920) polo Exército vermelho em 1921, com acordo do conjunto da direçom bolchevique (incluídos Lenine, Staline e Trotsky), seguida da sua sovietizaçom forçada. Em nossa opiniom, tratou-se de umha atuaçom antidemocrática que sentou as bases dos problemas que se seguírom, como a intervençom chauvinista-burocrática dirigida por Staline contra o critério de Lenine em 22-23 ou a insurreiçom dirigida polos maioritários mencheviques georgianos contra o poder bolchevique em 24.

15 Notas de 30 e 31 de dezembro de 1922, dentro da “Carta ao Congresso” ditada por um Lenine convalescente à secretária entre 23 e 31 de dezembro desse ano.

16 Poderia citar-se a errada e fracassada decisom de conduzir o Exército Vermelho às portas da capital polaca em 1920, como resposta à prévia invasom polaca do território ucraniano. A decisom contou, na direçom bolchevique, com o apoio de Lenine e o voto contrário de Staline e Trotsky.

17 Umhas políticas que, entre outras cousas, reduzírom o analfabetismo no conjunto da Uniom à mínima expressom em duas décadas, veiculando o ensino nas línguas próprias que, em muitos casos, fôrom escritas pola primeira vez com a sua institucionalizaçom polo novo poder soviético.

18 Ainda na atualidade se estima acima da centena o número de naçons existentes no interior do que fôrom as fronteiras da URSS.

19 Haverá que lembrar que Lenine enfrentou já em tempos da II Internacional as tendências de algunas correntes socialistas europeias para assumir umha “política colonial socialista”, através da qual humanizariam os efeitos do colonialismo em simultáneo com umha “política civilizadora” em relaçom aos “povos atrasados” colonais. No Congresso de Stuttgart de 1907, o holandês Van Kol, fundador do Partido Social-Democrata desse país, chega a perguntar aos anti-imperialistas “querem renunciar, ainda que seja no presente, às riquezas incalculáveis das colónias?”. O próprio Lenine, que reconhece o proletariado europeu como beneficiário em parte do espólio colonial, avalia o debate nesse mesmo ano, no seu texto “O Congresso socialista internacional de Stuttgart”.

Fonte: Primeira Linha.


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