Mas não é exactamente disso do que quero falar agora. É da democracia e do que nos contam dela. Resumamos. Usemos tópicos até.
A democracia não é (só) votar cada quatro anos. Isso sim que é algo que qualquer mente pensante deveria ter claro a qualquer altura. Muito menos votar em eleições pré-determinadas devido à escassa influência e capacidade de manobra.
Democracia é um estado das cousas, uma forma de pensar que enchoupa tudo. Democracia é para o dia a dia, nas nossas conversas de café, na troca de opiniões, no debate político em igualdade de condições. É formar-se e fazer autocrítica para fortalecer o pensamento próprio, e depois partilha-lo com outras pessoas, convencer, mostrar, exemplificar, transmitir, sempre didacticamente na medida das nossas possibilidades. Na Galiza democracia é presença constante nas ruas, é associacionismo de base, é acção sindical, é defesa do nosso, da cultura, da língua, é um falar com o vizinho e a vizinha, debater porquê o consequente é votar partidos sem "E" de Espanha nas suas siglas, ou aqueles que se alinham com estes em marés multicolores; e se não houver quem votar, toca volta às ruas sem passar por urnas, à conversa diária, ao início, até tecermos mais democracia. Repetidamente. As vezes que façam falta.
Eleitoralmente, à Galiza toca-lhe jogar no campo do Estado Espanhol. Aí, por desgraça, não há igualdade de condições no debate, não há cultura democrática já que nada disto foi explicado além do utilitarismo eleitoral e o seu circo. Não houve ruptura clara, nem no simbólico nem no fulcral, com o regime anterior, pois à ditadura seguiu uma restauração monárquica que consagrou uma oligarquia convenientemente dividida entre grandes partidos políticos representando um teatro de alternância aparente, mas de continuidade na perpetuação dessa mesma ordem. A Galiza não poderá ser nunca plenamente democrática até rachar com esta situação.
Uma das bases duma democracia madura é a informação, e essa não chega por acaso nem através de ralis políticos; requer trabalho. Por exemplo, muitas vezes os EUA (inventores do couso este do sufrágio burguês contemporâneo) são criticados pelas suas altas taxas de abstencionismo, destacando como camadas populares podem ficar fora do processo democrático (leia-se eleitoral) por falta de informação e formação. Tenho até lido próceres da chamada esquerda espanhola comentar como uma eleição onde tristemente vota a metade da gente dificilmente pode ser considerada como válida e representativa, a menos que – pelos vistos – eles estiverem presentes, claro.
Ponhamos ainda mais outro exemplo, neste caso do que significa uma república em contraposição a uma monarquia ou regime centralizado similar, pois uma república é também um estado das cousas que transpira uns ideais comuns, uma forma colectiva de estar no mundo, além de problemas concretos em momentos determinados. O conceito persiste; deve. Não é curioso que em grego δημοκρατία signifique tanto "democracia" como "república".
Tomo então licença para imaginar como a rede democrática do dia a dia, da constante acção permeante, dos pequenos detalhes, pode chegar a conformar a situação onde uma República Galega pudera ser verdadeiramente democrática: Um Povo livre, uns indivíduos conscientes, um patriotismo de ideais partilhados numa sociedade antipatriarcal, ecologista, optimista, justa, activa, solidária, em constante diálogo; por tudo isto necessariamente socialista. Mas para chegarmos a isso cumpre, como dizia, explica-lo antes, vota-lo antes, apoiando quem – sem papas na língua, sem dúvidas e sem complexos – se comprometer com essa visão. Tudo o demais são enganos por votos, truques para preservarem os seus privilégios.
Votade então se quiserdes, e alá vós. A seguinte escolha real da Galiza será nas ruas, amanhã mesmo, e a contagem de resultados vai levar tempo.