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Miguel Urbano Rodrigues

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Em coluna

Sintomas de viragem

Miguel Urbano Rodrigues - Publicado: Segunda, 02 Dezembro 2013 20:12

Acontecimentos inesperados nos últimos dias alarmaram o governo, tiveram enorme repercussão no País e no estrangeiro e contribuíram para que milhões de portugueses tomassem consciência do agravamento da crise.


Destaco três pelo seu significado:
- A manifestação conjunta dos sindicatos e associações profissionais das forças e serviços de segurança (PSP, GNR, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ASAE e outras forças de Segurança);
- A reunião na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa de personalidades de diferentes quadrantes políticos e ideológicos;
- A acção de sindicalistas permanecendo durante horas nos átrios de alguns ministérios, numa iniciativa que a direcção da CGTP apoiou.

Diferentes pelos objetivos, expressaram uma mudança qualitativa da crise portuguesa e o avolumar da contestação popular à política criminosa de um governo que se comporta ostensivamente como inimigo do povo.

Os três alarmaram a classe dominante e o governo que a representa.

A subida da escadaria da Assembleia pelos manifestantes das polícias que derrubaram as barreiras metálicas e romperam o cordão da polícia de intervenção sem serem detidos e hostilizados configurou uma situação sem precedentes em protestos realizados no mesmo local.

A demissão do diretor da PSP e as agressivas e irresponsáveis declarações do ministro da Administração Interna, semeadas de ameaças, contribuíram para aprofundar o mal-estar e a indignação na Polícia e na Guarda Republicana.

O «isto não vai repetir-se!» de Miguel Macedo foi muito comentado. O ministro é fanfarrão; a profecia é muito arriscada.

A reunião da Aula Magna coincidiu com o protesto das forças ditas de «segurança».

A leitura atenta dos principais discursos ali produzidos permite concluir que os oradores temem sobretudo a intensificação da luta de classes e uma ascensão torrencial da intervenção das massas como sujeito político.
A condenação da obra devastadora de Passos, Portas e sua gente por Mário Soares e Pacheco Pereira foi aplaudida com entusiasmo. Ambos compreenderam que está a mudar, diversificada, ampliando-se, a reação das vítimas do sistema à violência social da política que arruína o país, lança no desemprego e na miséria centenas de milhares de trabalhadores e empurra para a emigração faixas da classe média. Ambos, no diagnóstico da crise e dos seus efeitos, abriram o leque nas críticas à prepotência e amoralismo do poder, desancaram o bando de Passos & Portas, fustigaram as receitas da austeridade.

Pacheco demorou-se na exegese da hipocrisia, do cinismo e falta de ética dos governantes. E, a seu pedido, a assistência entoou no final, com vibração, o hino nacional.

Mas nem Soares nem Pacheco na descida às raízes da crise responsabilizaram o capitalismo. A palavra não foi sequer pronunciada. Outra atitude não seria de esperar porque ambos são adeptos e defensores do sistema de exploração do homem pelo homem. Desejariam apenas humanizá-lo, uma impossibilidade absoluta.
O que preocupa sobretudo Soares e Pacheco e a maioria das personalidades que lotaram o anfiteatro da Aula Magna de cujo descontentamento foram os porta-vozes mais escutados é o recurso a novas formas de luta pelos trabalhadores. O que se passou nas escadarias de São Bento assusta também o Presidente da Republica, cúmplice do governo bicéfalo da direita ultramontana nacional.

No discurso de Soares e Pacheco, mais hábil e sinuoso o do segundo, o elogio comovido da democracia, tal como a concebem, desfigurada, é forçado, artificial. Nele transparece o medo da democracia autêntica, o receio da intervenção massiva do povo no combate à política do bando encastelado no poder.

Falando como intérpretes de sectores descontentes da burguesia, anima-os a convicção de que é a esses estamentos sociais, cujo mal-estar assumem, que cabe apresentar uma alternativa aos desmandos da austeridade do governo, uma alternativa que, bem entendido, deixaria intacta a engrenagem trituradora do capitalismo. Não o disseram expressamente, mas isso ficou bem claro.

O desagrado que a reunião e os discursos neles pronunciados provocaram não surpreendeu. O que ali foi dito chamou a atenção para fissuras existentes na grande família dos responsáveis pela crise. Elas aumentam, são já inocultáveis. A intervenção na jornada e a presença na sala de pessoas progressistas, estranhas ao sistema, não altera a natureza e o significado da iniciativa ideada por Mário Soares.

A atitude assumida pelos comentadores de serviço na comunicação social perante a subida das escadarias da Assembleia e a breve ocupação por sindicalistas de instalações de ministérios foi também reveladora do sentimento de pânico que alastra na classe dominante.

Com poucas exceções, usaram o adjetivo «intolerável» para qualificar essas formas de luta.
As estrelas da análise politica, com destaque para Sousa Tavares, Marcelo Rebelo de Sousa, Bagão Félix, Marques Mendes, Ricardo Costa e a chusma de comentadores subalternos que infecta a TV, os jornais e a Radio distanciaram-se da reunião da falsa esquerda na Aula Magna, mas invocaram repetidamente a democracia para condenar com severidade o que se passou nas escadarias da Assembleia e nos Ministérios.
Os editoriais dos diários de «referência» e os analistas económicos (José Gomes Ferreira comandou o pelotão dos fariseus) imitaram-nos com maior ou menor dose de hipocrisia. Subitamente tomaram a defesa de Cavaco Silva e, qualificando de injustas as criticas ao Presidente, afirmam agora enfaticamente que ele, afinal, tem cumprido exemplarmente a Constituição.

No seu último número, a revista Exame, ligada ao grande capital, publicou um estudo que confirma o agravamento da desigualdade em Portugal. Informa que as 25 maiores fortunas do país equivalem a 10% do PIB. O maior multimilionário, Américo Amorim, duplicou no último ano a sua fortuna, avaliada hoje em 4 500 mil milhões de euros.

«Os tempos podem ser de crise - comenta a revista, mas as maiores fortunas nacionais continuam a crescer».
O fosso aumenta assustadoramente, mas os ricos enriquecem em ritmo acelerado, enquanto os pobres empobrecem mais.

A essa situação degradante conduziu a política de austeridade trombeteada por Passos como grande serviço à Pátria.

A resposta das vítimas alarma naturalmente o poder.

A fase das manifestações de protesto isoladas cedeu o lugar, finalmente, a uma multiplicidade de iniciativas.
Diariamente sucedem-se país afora greves sectoriais, protestos em locais de trabalho, concentrações à porta de empresas insolventes ou fechadas e das residências de Passos e seus ministros. Os protestos junto da Assembleia da Republica tornaram- se frequentes.

O presidente da Republica, o primeiro-ministro e membros do seu governo são recebidos com vaias onde quer que aparecem, protegidos pela polícia e por seguranças.

A CGTP tem desempenhado um papel importantíssimo, contribuindo decisivamente para o aumento de combatividade das massas. Nos últimos meses a disponibilidade dos trabalhadores para enfrentarem com criatividade e imaginação, recorrendo a novas formas de luta, medidas que traduzem a barbárie do projeto do governo reflete uma alteração substancial das condições subjetivas que favorece o combate das massas.
A arrogância dos inimigos do povo, as suas medidas de cariz ditatorial, o seu desprezo pela Constituição e pelo povo encontram, dia após dia, uma resposta mais firme.

Vila Nova de Gaia, 1 de dezembro de 2013


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