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Maurício Castro

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Enquanto há força

O acidente de Angrois e o racismo contra o galego

Maurício Castro - Publicado: Sexta, 02 Agosto 2013 10:50

Fique descansado quem julgar que vou somar-me aos já numerosos contributos jornalísticos e de opiniom sobre questons técnicas e responsabilidades políticas que cada vez mais claramente enxergamos como existentes em torno do terrível acidente ferroviário de Compostela.


Em lugar disso, queria apenas referir algumhas questons laterais surgidas com motivo do acontecido nas vésperas do nosso Dia da Pátria em Compostela. Um exercício que pode ser feito com cada acontecimento galego que, por algum motivo, salta às manchetes informativas espanholas.

Refiro-me à visom existente e ao juízo ou consideraçom com que o nosso povo é abordado polos opinadores, plataformas mediáticas e mesmo na mitologia popular realmente existente sobre nós na vizinha Espanha, que mais umha vez ficou patente no caso do acidente de Angrois.

Todas e todos temos comprovado como, cada vez que um ou umha compatriota joga algum papel de destaque mediático, político ou do tipo que for, na rivalta do grande teatro espanhol, será sempre e inequivocamente identificado como “el gallego” ou “la gallega”. Nada que salientar sobre isso, salvo a evidência de constituirmos um paradigma diferente, impossível de obviar por esses meios de opiniom e informaçom.

Existe, no entanto, um conteúdo por trás da etiqueta. Um conteúdo que nom corresponde ao que nós somos, mas ao que nós representamos a olhos do observador espanhol. É aí que surge, inevitavelmente, a atitude superior, desprezativa, de incompreensom e intoleráncia do diferente, por muito que mesmo o galego ou galega em questom faga esforços por passar despercebido e homologar-se com o standard.

Nom é essa umha caraterística dos mecanismos de funcionamento ideológico do racismo? Certamente, o povo galego nom constitui umha raça diferenciada, nem coisa do género. Procure-se, se se preferir, a denominaçom mais adequada para umha realidade evidente, pois o importante é o conteúdo ideológico do assunto, nom a etiqueta.

Twitter é um bom espelho do que dizemos. Chamárom a nossa atençom, por exemplo, os comentários abertamente racistas ou, se preferirmos, xenófobos difundidos logo nas primeiras horas após a morte de dúzias de pessoas na fatídica curva da Grandeira.

“Joder, no sabía que había 50 muertos en el accidente del tren... aunque si son gallegos tampoco importa mucho”. Alguém colocava esse tweet e conseguia, em poucos minutos, 102 retweets e 14 classificaçons como 'tweet favorito'.

“Lo del accidente es gracioso si piensas en las víctimas agonizando com esse acento”, tweetava umha outra usuária, também espanhola, em referência ao que acabava de suceder na capital do nosso país.

Contrariamente ao que poderíamos supor a partir da leitura destes e doutros tweets semelhantes que circulárom nas primeiras horas a seguir ao sinistro, nom creio que sejam representativos de um sentimento generalizado por parte do povo espanhol em relaçom ao povo galego. Porém, sim considero inegável que transparecem umha ideologia secularmente implantada no imaginário espanhol, de tipo racista, xenófobo ou como quigermos chamá-lo, sobre umha identidade, a galega, dificilmente assimilável, ainda hoje, ao padrom nacional espanhol.

Nom é preciso recuarmos à literatura do chamado Século de Ouro espanhol para ler comentários de ódio étnico como os acima reproduzidos, em obras anónimas como El Lazarillo de Tormes, que repete a expressom “a pesar de gallegos” para referir qualquer virtude de personagens da nossa nacionalidade, ou em autores como Luís de Góngora na descriçom do País (lembremos as “montañas de Galicia cuya espesura es suciedad, cuya maleza es malicia...”) e Lope de Vega em relaçom à pouca utilidade da nossa língua (“Si a las lenguas la ciencia no acompaña, lo mismo es saber griego que gallego”).

É conhecido que os galegos e as galegas somos “pessoas ruins” no tópico literário e popular castelhano-espanhol, que parte, no mínimo, dos séculos XVI-XVII. Porém, nom é preciso, dizia, recuarmos tanto para comprovar a vitalidade dessa visom.

Nem sequer é necessário fazermos referência à definiçom que do nosso nome gentílico registam os seus dicionários.

Contodo, o certo é que os comentários de aberto desprezo pola nossa nacionalidade tweetados depois do acidente de Angrois evidenciam a vitalidade de todo esse “imaginário tradicional” a que fazemos referência e que nos dias de hoje continua a manifestar-se em todos os ámbitos da vida social espanhola.

Como classificaríamos se nom as expressons recorrentes de jornalistas e políticos espanhóis sobre o caráter galego, sistematicamente ligado a valores negativos, aplicados a figuras relevantes da atualidade espanhola? É o caso de Mariano Rajoi, acusado de ser “gallego no sentido más peyorativo del término” por Rosa Díez, ou da própria mulher do presidente espanhol, Elvira Fernández, que numha entrevista recente chegou a se autodefinir como “directa, pasional y nada gallega”.

Como acontece em contextos de racismo, também na Galiza somos amiúde as próprias galegas e galegos (como a mulher de Rajoi) os primeiros a assumir e reproduzir os tópicos degradantes que a cultura castelhano-espanhola nos dedica há séculos. Mais umha manifestaçom do conhecido “auto-ódio” que ajuda a perpetuar a nossa funçom dependente, em termos que lembram algumhas caraterísticas dos contextos abertamente coloniais.

Poderíamos estender-nos com outras questons significativas do acidente, como o facto de a Renfe oferecer atendimento administrativo às vítimas só em Madrid, apesar de a maioria delas serem galegas, ou a campanha de manipulaçom da dor e do luto do nosso povo “ad maiorem gloriam Hispanieae”, tam evidente nos meios de comunicaçom e no tratamento político de tam desgraçado acidente.

Em definitivo, analisando criticamente o acontecido há umha semana com a perspetiva galega e soberanista, fica claro que o caminho para a nossa plena emancipaçom passa por muitas vias de autoconstruçom da consciência nacional. Porém, todas elas devem valorizar a nossa identidade e, em simultáneo, desprezar um poder que, com posiçons de intoleráncia e supremacismo inocultáveis, continua a “tratar mal os galegos”, parafraseando Rosalia.

Nunca deveremos reproduzir a mesma ideologia reacionária que criticamos, por isso a nossa afirmaçom como povo obriga a mostrar idêntico respeito por todos os outros povos. Reclamar a nossa independência e soberania obriga a praticar o princípio da relaçom entre iguais a que toda pessoa e naçom livre deve aspirar, em nome da dignidade e da fraternidade humanas.

Nos êxitos e nas desgraças coletivas, como a que nestes dias nos tocou viver... esse é o caminho.


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