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Juliano Medeiros

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O rosto da mudança

Juliano Medeiros - Publicado: Quinta, 20 Dezembro 2012 18:35

Entramos no lobby do hotel apressados. São quase 15h. No bar, a delegação de dirigentes da Coalizão da Esquerda Radical – Syriza, o fenômeno partidário que ousou levantar a voz contra o receituário neoliberal na Grécia, reúne-se com um velho dirigente do novo "sindicalismo de resultados" brasileiro.


A agenda dos gregos no Brasil é plural. Eles buscam solidariedade e reconhecimento junto a outros partidos de esquerda. Sabem que a batalha, caso cheguem ao governo, será ainda mais dura. Sabem que precisarão de todo apoio, indiscriminadamente. Esperamos alguns minutos. A delegação do PSOL é pequena, formada por meia dúzia de dirigentes, entre eles, o Deputado Federal e Presidente Nacional do partido, Ivan Valente, e a Ex-Deputada Federal, Luciana Genro.
 
A delegação grega é composta de dirigentes partidários e lideranças parlamentares. Entre eles, o representante do Syriza no Parlamento Europeu, e claro, Alexis Tsipras. Seus trinta e quatro anos chamam a atenção entre os demais dirigentes (todos de cabelos brancos). Mas não só isso. Quando a reunião se instala, Alexis é o porta-voz do Syriza. Fala em grego dos problemas de seu país. Reafirma o caráter mundial da crise capitalista e destaca que a Grécia, tristemente, foi tão somente o país escolhido como laboratório das medidas de ajuste fiscal impostas pela Troika formada pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e União Europeia. Explica que a solidariedade das esquerdas em todo o mundo não deve ser endereçada ao Syriza, mas ao povo grego que tem tomado as ruas e resistido às investidas contra seus direitos. Tsipras fala com segurança e serenidade. Qualidades indispensáveis para um líder que leva consigo a responsabilidade de defender uma saída alternativa àquelas sustentadas tanto pela direita clássica quanto pela socialdemocracia. Alexis, apesar da juventude, sabe que enfrentar a crise na Grécia não significa enfrentar apenas credores internacionais, os bancos ou os organismos multilaterais: enfrentar a crise e viabilizar uma saída que não se subordine aos ditames do capital financeiro, significa enfrentar o fundamento central de todo o sistema econômico que gerou a crise, afirmando, peremptório, que there is not alternative. Enfim, significa enfrentar o próprio capitalismo e seus ideólogos na Europa e em todo o mundo.
 
A Grécia é cenário tanto das mais radicais medidas de destruição do Estado de bem-estar social, quanto da mais ferrenha resistência popular aos planos de ajuste fiscal. As consequências da crise alcançaram níveis dramáticos. A falência dos serviços de saúde fez ressurgir doenças extintas no país há décadas, como a malária. Num hospital público de Atenas, uma mãe que recém deu a luz é informada que só poderá levar consigo seu bebê caso pague a conta da maternidade. Do contrário, a criança ficará “retida” até que o débito seja quitado. Um aposentado se suicida na frente do parlamento grego com um tiro na cabeça, após gritar “Não queria deixar dívidas para meus filhos!”. Dramas como esses ocupam diariamente as páginas dos jornais gregos e demonstram a profundidade dos problemas enfrentados pelo país.
 
Curiosamente, esses problemas se agravaram desde que o governo grego assinou o primeiro memorando com os organismos da Troika visando “salvar” o país da crise. Entre as medidas tomadas pelo governo da Grécia como contrapartida aos empréstimos concedidos, estão a redução dos salários dos funcionários públicos, a limitação do valor do 13º (num valor máximo de 500 euros) inclusive para os aposentados, corte de 7% dos salários dos trabalhadores da iniciativa privada, aumento de impostos, alterações das leis laborais para facilitar as demissões e reduzir o pagamento de horas-extras, introdução de um mecanismo para aumentar a idade para a aposentadoria, privatizações generalizadas e redução dos municípios, de 1000 para apenas 400.
 
Uma das consequências dessa situação é o surgimento de centenas de sem-teto em Atenas. O que poderia parecer banal para um país pobre da América Latina chama a atenção mesmo para um dos países economicamente menos desenvolvidos da Europa Ocidental: mais de 11% dos sem-teto gregos têm um diploma universitário e 23,5% têm o secundário completo. Segundo informações de agências de notícias, são distribuídas 250 mil refeições em toda a Grécia semanalmente e nas escolas há alunos que desmaiam de fome. Essa é a realidade de um país que vê seu já frágil sistema de proteção social sendo pouco a pouco destruído.
 
Evidentemente, a resistência existe. As organizações populares estão mais fortes do que nunca e o crescimento da simpatia pelo Syriza, uma coalizão jovem como seu principal líder, mostra que a insatisfação começa a dar lugar a saídas políticas coletivas. Mas não é apenas a esquerda que se fortalece. Tsipras nos fala do perigo representado pela extrema-direita, organizada na Aurora Dourada de Nikoláos Michaloliákos. Seu semblante toma uma expressão grave. De força marginal, os fascistas passaram a ter influência no parlamento e até na composição do governo, um risco grave para um país que ainda guarda na memória os tempos da ocupação nazista.
 
Falando da Grécia, Alexis dá o tom da gravidade da situação. Mas ele também se interessa pela situação do Brasil. Alimenta muita simpatia pelo PSOL e por toda a solidariedade que temos expressado nos últimos anos, seja com a visita de militantes, seja com o envio de manifestações formais de apoio. Mesmo assim, a realidade brasileira ainda é complexa para os gregos. Conforme dissertamos sobre o caráter conservador da política econômica dos governos Lula e Dilma, sobretudo no tratamento dispensado ao problema da dívida pública, mais eles demonstram interesse em compreender a contradição entre essa política face às ações sociais dos governos petistas, tão badaladas na Europa. O programaBolsa Família e Minha Casa, Minha Vida chamam a atenção e geram um rico debate. A coalizão que sustenta o governo Dilma e a recente condenação de dirigentes petistas de alta patente também são objeto de interesse das lideranças gregas. Alexis ouve com atenção, sabe que se chegar ao governo, terá de conhecer a realidade dos países emergentes, e sabe como poucos e da forma mais objetiva, o quanto política e economia estão vinculadas.
 
O encontro dura cerca de uma hora, embora pareça ter levado não mais que alguns poucos minutos. A troca de informações é profícua e só alimenta uma mútua disposição de aprofundar os laços entre PSOL e Syriza. Com certeza, Alexis e seus companheiros não encontrarão no Brasil organização mais parecida com eles próprios. Levarão daqui a certeza de ter encontrar muitos partidos dispostos a prestar solidariedade, mas poucos realmente identificados com saídas alternativas à perversa lógica do mercado. Com certeza, o Brasil não será o mesmo aos olhos do Syriza após este encontro.

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