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Iñaki Gil de San Vicente

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Em coluna

Poder popular sob o capitalismo?

Iñaki Gil de San Vicente - Publicado: Sábado, 03 Novembro 2012 01:16

Este breve texto foi escrito para umha revista basca, por isso levava o título de "Poder Popular sob o imperialismo franco-espanhol", mas ao pendurar-se agora na rede decidiu-se generalizar ao conjunto do sistema explorador para que se compreendesse rapidamente o seu conteúdo.


1.- Umha das grandes deficiências da maioria imensa das esquerdas ocidentais é que rompeu a fusom quotidiana entre, por um lado, a crítica teórica, política, cultural, ética, et cétera, do capitalismo, e por outro lado, a luita prática pola criaçom de outras formas alternativas de vida, de auto-organizaçom popular e operária, de experimentaçom de outro modelo social oposto ao dominante. Tal fusom foi umha constante que podemos rastrejar desde as luitas camponesas e urbanas no medievo, quando as massas exploradas tentavam materializar utopias igualitaristas e milenaristas -assim na terra como no céu-, até agora mesmo em muitas partes do mundo onde os povos trabalhadores tenhem de resistir à devastadora crise auto-organizando-se para satisfazer as suas necessidades esmagadas polo capital.

Ao longo destes tempos, os movimentos camponeses, populares e operários, e as esquerdas revolucionárias mais conseqüentes, mantivérom na medida das suas possibilidades a decisom de forçar o modo de exploraçom, vida e reproduçom social dominante nesses momentos, forçá-lo para além do permitido polo poder. Por exemplo, o cooperativismo, a cooperaçom em geral, a ajuda mútua auto-organizada, a reciprocidade e o troco em qualquer das suas formas, as redes sociais com pouca ou nula mercantilizaçom interna, estas e outras práticas que, como dixemos, já aparecem no medievo de forma utópica e com o capitalismo industrializado praticárom-se e teorizárom-se nom só como formas de resistência transitória às privaçons impostas pola exploraçom, mas também -e isto é decisivo- como embrions experimentais de outra forma social oposta à exploradora.

Dentro das correntes progressistas e socialistas, e em especial nas anarquistas e marxistas, mas também nas socialcristás e reformistas, existiu e existe a certeza de que a mera resistência economicista, centrada na exclusiva defesa dos direitos laborais e salariais atingidos mal serve para deter a ferocidade crescente de umha patronal envalentonada. No anarquismo e no marxismo, muito especialmente, esta certeza vai unida à da necessidade de avançar noutras saídas materiais à crise e aos ataques do capital, consistentes em fundir a luita política e teórica radical com a auto-organizaçom material expressa nas práticas associativas citadas genericamente acima. Nas correntes reformistas e socialcristás, esta perspetiva está amputada de todo o conteúdo e finalidade revolucionária, limitando-se a procurar a melhoria do sistema mediante a paulatina superaçom pacífica e gradual das suas componentes "más", desenvolvendo as "boas".

Centrando-nos já na esquerda revolucionária, a história mostra que esta se esforçou em simultanear quatro práticas decisivas para o avanço da emancipaçom: a crítica prática do sistema mediante a experimentaçom de embrions de protosocialismo inseparavelmente unidos ao aparecimento de formas de contrapoder e de duplo poder; a crítica política tendente à destruiçom do poder explorador e à criaçom de um poder popular e operário imprescindível para superar o capitalismo; a crítica teórica destinada a melhorar a praxe socialista no seu conjunto e a desmontar a ideologia burguesa; e a crítica ético-moral destinada a superioridade qualitativa do humanismo comunista sobre o humanismo burguês. Nom fai falta dizer que esta quádruple prática se desenvolve com ritmos diferentes segundo contextos e circunstâncias que nom podemos analisar agora.

Mas sim há que dizer que desde a metade do século XX em adiante, o grosso da esquerda ocidental desprezou ou abandonado esta quádruple açom, limitando na maioria dos casos ao apocado e respeituoso parlamentarismo dentro do ordenamento burguês, o aceitando de facto, quando nom o defendendo publicamente ajudando à burguesia na repressom das forças revolucionárias. Agora esta esquerda, e os seus sucessores nominais e herdeiros ideológicos, pagam as conseqüências daquela mansidom e daquele colaboracionismo encoberto ou descarado. Tantos anos de mansidom prática, política, teórica e ético-moral ante a injustiça debilitárom e envelhecêrom ao máximo a sua outrora forte e jovem militáncia, também o isolárom e separárom das resistências e luitas que emergem aqui e lá, e destruírom a sua dignidade crítica e orgulho insurgente. A esquerda ocidental nom recorda já o decisivo que é o processo que vai do contrapoder ao poder popular e operário.

2.- A defesa economicista e democraticista contra a involuçom reacionária que avança como umha apisoadora continua a ser tam necessária como sempre foi. Ninguém o nega, e quem o figesse seria um suicida. Mas ela só nom deterá nunca o monstro; talvez poda atrasar em algo o seu avanço, mas quase de imediato a fera multiplicará a sua brutalidade para recuperar o tempo perdido e alargar exponencialmente os seus ganhos. Inclusive embora parte da burguesia optasse por umha política debilmente neokeynesiana e de socialiberalismo menos cínico, inclusive assim a só resistência operária e popular nom deteria os ataques antissociais. Toda a mentalidade defensista está condenada ao falhanço e a preparar a derrota. Do que se trata é de reverter o defensivo em ofensiva, em ataque quádruple: construir embrions de protossocialismo; avançar para o poder popular e operário; enriquecer a teoria, e superar eticamente à irracionalidade egoísta burguesa.

A quádruple prática deve plasmarse no processo que se iniciou nos contrapoderes locais que vamos conquistando com as nossas luitas e deve chegar à construçom de um Estado operário controlado desde fora por um poder popular independente e crítico, que vigie atenciosamente mediante a democracia socialista que esse Estado nom degenere em umha casta burocrática corrupta. Mas o que tem de caracterizar essencial e internamente a todas as múltiplas facetas e níveis deste processo, bem como à quádruple prática descrita, é, simplesmente exposto, a prioridade da experiência coletiva do povo, da praxe coletiva que encurte no possível a inevitável e lógica distância que existe entre os níveis mais conscientizados do povo trabalhador e a militáncia organizada em coletivos exigentes na qualidade humana dos seus membros. O que tem de ligar todos os pares do processo é a decisom motivada e autocrítica por derrotar o imperialismo franco-espanhol, por atingir a independência socialista basca como parte da libertaçom geral humana. O que deve ser a coluna vertebral do processo é a sua vontade ofensiva, ativa, construtora agora mesmo, no presente, de alguns dos alicerces do futuro, nom de todos porque isso é obviamente impossível, mas daqueles que podam o ser.

As bases decisivas da independência socialista e antipatriarcal basca, como de qualquer outro povo ocupado, somente poderám ir sendo construídas imediatamente após ser conquistado o Estado operário basco. No entanto, para chegar a este ponto crítico de início também há que construir outras bases prévias, bases que demonstrem ao povo trabalhador nom só que é capaz do conseguir, mas que ao mesmo tempo lhe demonstre que nom tem outra alternativa se é que em verdade quer deixar de malviver sob a exploraçom. Para aprender a mergulhar, há que botar-se à água, e é caminhando como se aprende a correr. Que a esquerda ocidental esqueça este princípio elementar da praxe nom quer dizer que o esqueçamos nós. Quer dizer que nom o repitamos. Tendo isto em conta, já desde agora mesmo devemos passar à ofensiva de massas, popular e operária, contra a opressom, o que significa que devemos estender e intensificar a criaçom de contrapoderes locais que formem as bases iniciais para novos progressos.

3.- É contrapoder todo coletivo que no seu campo específico de luita seja capaz de obrigar ao poder que o explora a negociar com ele, ou ao menos a tê-lo em conta no momento de elaborar novos planos antissociais, restritivos, autoritários. Um contrapoder, por exemplo, é umha assembleia operária, vicinal, estudantil, etc., suficientemente estável e auto-organizada que desenvolveu a força suficiente como para, ao menos, ser temida polo patronato, pola cámara municipal, polo reitorado universitário, de tal modo que nom tenhem mais remédio que a ter em conta sequer preventivamente quando desenham novas injustiças. Outro exemplo, um contrapoder é um coletivo de mulheres que com as suas denúncias e mobilizaçons expulsam dos seus bairros e/ou trabalhos a violadores, agressores e outros machistas. Um contrapoder é, portanto, um coletivo oprimido com poder suficiente para debilitar em algo ou em muito o poder explorador.

Sob os demolidores ataques da crise capitalista, os contrapoderes tenhem que avançar ainda no desenvolvimento de propostas práticas que superem as limitaçons incontornáveis das leis burguesas que sofrem em concreto, demonstrando mediante a pedagogia da açom prática que se pode ir construindo as bases, os embrions, de umha sociedade superior. Por exemplo, leis contra os abusos financeiros e bancários, contra o poder da propriedade burguesa, contra a tirania das grandes redes de distribuiçom e das imobiliárias que destroçam a vida coletiva dos vizinhos, contra os despejos imobiliários, contra a privatizaçom do ensino, contra o retrocesso do direitos sociais coletivos e contra o avanço da violência patriarcal em qualquer das suas formas, e um inacabável et cétera.

Em toda naçom oprimida, os contrapoderes tenhem de reivindicar com requisito essencial a conquista do direito de autodeterminaçom como irrenunciável garantia de qualidade democrática, porque tal direito é a plasmaçom a nível geral do direito de auto-organizaçom, autogestom e autodefesa que esse contrapoder específico exercita na sua mesma autodeterminaçom quotidiana, diária.

Mas o contrapoder tem como única garantia de sobrevivência a sua inclusom numha rede mais ampla que se materializa em grandes áreas sociais, de massas, de duplo poder parcial. Um duplo poder parcial é, por exemplo, a força mobilizadora, política, teórica e ética dos movimentos populares capazes de condicionar a instituiçons locais, provinciais, regionais, autonomistas e na sua fase decisiva, ao governo. Umha situaçom de duplo poder é aquela na que o poder opressor e o poder libertador dispom de forças similares nas questons que os enfrentam, chegando inclusive a um instável e breve equilíbrio de forças que deve decantar-se em um ou outro sentido oposto em pouco tempo. Embora pareça incrível, situaçons destas som relativamente freqüentes nas luitas sociais, mas as pessoas desconhecem-no, devido à nefasta política de amnésia e ignoráncia aplicada polo reformismo, que reduz as situaçons de duplo poder, desnaturalizando-as, a pobres momentos de negociaçom em baixa, quando em realidade existem condiçons para a vitória, ou ao menos a suficientes para evitar a derrota.

No processo de ascensom dos contrapoderes a situaçons de duplo poder, é de vital importância o desenvolvimento de práticas socioeconómicas, associativas, comunais, de ajuda mútua, culturais, desportivas, etc., que conscientemente queiram ser embrions de umha sociedade melhor, e que por isso demonstrem com a pedagogia da açom que se pode e se deve construir um modelo social qualitativamente superior ao capitalista. Por exemplo, umha cooperativa de produçom e consumo que se guie pola teoria do cooperativismo socialista, pola ética humana da ajuda mútua e da desmercatilizaçom, do internacionalismo proletário, etc, este pequeno passo é um importante contrapoder material e simbólico que atrai a atençom do povo, que abre caminhos esperançosos e que destroça as mentiras burguesas sobre a natural eternidade da exploraçom assalariada, a opressom nacional e a dominaçom patriarco-burguesa.

Porém, afinal, o decisivo e irrenunciável é a questom do poder político. A política é a quinta-essência da economia e, portanto, quando as situaçons de duplo poder parcial se generalizam, aparece como exigência crítica a conquista do poder nom só governativo como também estatal, a criaçom de um Estado operário independente. Na medida em que anteriormente se tenha recuperado a prática de todo o relacionado com os bens comuns, a desmercantilizaçom, a primacia do valor de uso sobre o valor de troco, a coerência e retitude, etc, nesta medida terám germinado embrions de protossocialismo que crescerám ao calor da política impulsionada polo Estado operário. Nunca temos de deixar de fazer questom de que a essência do problema radica na conquista da independência estatal, do poder do povo trabalhador, e enquanto este nom estiver assegurado as conquistas parciais anteriores sempre estarám em perigo de extermínio sangrento.

Euskal Herria 27-IX-2012

Fonte: Primeira Linha.


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