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Néstor Kohan

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Em coluna

Em memória de Eric Howsbawn

Néstor Kohan - Publicado: Sexta, 05 Outubro 2012 12:28

Em lembrança do velho Hobsbawm, que quando veu à Argentina deu umha conferência reivindicando "ao meu companheiro Rodolfo Walsh" segundo as suas próprias palavras.


(A propósito do livro Entrevista sobre o século XXI de Eric Hobsbawm)

A posguerra europeia viveu no terreno das ideias um paradoxo inesperado. Enquanto o marxismo ia decaindo cada vez mais a nível político, paralelamente se inserindo-se cada vez mais nas universidades e os ámbitos académicos.

O historiador britânico e antigo diretor da New Left Review Perry Anderson, um dos principais estudiosos deste fenómeno estritamente ocidental, descreve esse processo em dous dos seus melhores livros (Consideraçons sobre o marxismo ocidental e Depois das impressons do materialismo histórico). Ali Anderson conclui em que umha das principais escolas de pensamento neste sentido foi a dos historiadores socialistas britânicos entre os quais se encontra Eric Hobsbawm, junto a outros nomes célebres como Edward Thompson, Christopher Hill, o medievalista Rodney Hilton e o historiador da economia Maurice Dobb.

Eric Hobsbawm é quiçá o maior de todos eles (e seguramente o mais famoso). Nascido em umha família judia em Alexandria em 1917, foi educado em Viena e Berlim, bem como também em Londres e em Cambridge. foi professor do Birkbeck College da Universidade de Londres até a sua reforma e posteriormente da New School Research de Nova York. Com o correr dos anos converteu-se em “o historiador vivo mais conhecido do mundo”, como assinalou na sua oportunidade Orlando Figes.

O que distinguiu Hobsbawm da historiografia tradicional? O facto simples e ao mesmo tempo complexo de umha escritura plana que nom renuncia à perspetiva totalizante, já que dá conta tanto dos processos económicos em longo prazo, como também dos fenómenos políticos, a dinámica da mudança social, as descobertas científicas e as suas aplicaçons tecnológicas e os acontecimentos culturais, sem eliminar nem unilateralizar nengum de todos eles.

Este livro-entrevista, de leitura fácil, amena e levadeira, nom está dirigido à comunidade especializada de historiadores profissionais senom a um público geral. Nesse sentido constitui o natural prolongamento de um pensamento que tem fugido sistematicamente todo hermetismo e todo barroquismo professoral.

No prólogo, Josep Fontana -outro historiador- explica as virtudes da obra de Hobsbawm e sobre as suas vantagens em comparaçom com outras “histórias do século XX” realizadas pouco tempo depois que a de Hobsbawm (quem publicou o seu trabalho História do século XX em 1994). Estas outras histórias alternativas forom empreendidas pola Universidade de Oxford e pola de Columbia com o mesmo título. Ambas som, segundo Fontana, inferiores à de Hobsbawm pois fôrom estruturadas ou partindo de umha visom completamente eurocentrista (a de Oxford) ou de umha simples sumatória de trabalhos monográficos dispersos sem fio lógico (a de Columbia). Em troca, a de Hobsbawm proporcionaria o ganho de ter desenhado como um todo coerente ao século XX, integrando as múltiplas determinaçons do processo histórico.

Que contribui entom esta Entrevista sobre o século XXI que nom estivesse já na sua História do século XX? Um balanço posterior, sempre de conjunto. Por isso poderia-se ler este novo livro seu como um complemento ao anterior.

Neste último tenta um balanço nom só de problemas históricos do século “curto” (como ele batizou ao século XX pois começaria com a primeira guerra mundial em 1914 e terminaria com a queda da URSS em 1991) como também de experiências biográficas e pessoais, um dos treitos mais atrapantes do texto. A obra vem entom a coroar as quatro “eras” redigidas polo historiador britânico: a Era da revoluçom 1789-1848; a Era do capital 1848-1875; a Era do império 1875-1914 e finalmente o já mencionado História do século XX, mas com o aditamento de que desta vez Hobsbawm se converte em um dos protagonistas da trama.

Os temas ao redor dos quais gira a entrevista som muito variados e voltam a pôr na mesa a pluralidade de ângulos desde os quais Hobsbawm aborda a história.

O texto começa pola justificativa do entrevistador italiano Antonio Polito de pedir a um historiador do passado a opiniom sobre o futuro. Ali Hobsbawm afirma que “dentro de certos limites, nós devemos fazer um esforço de previsom, mas sem esquecer nunca o perigo que se corre de converter essa previsom em caricatura”. Deste modo Hobsbawm deixa propostas as suas diferenças com a metafísica futurológica tam na moda nesta mudança de século.

Mais adiante, continua com um balanço a respeito da guerra e designadamente a mais recente de todas: a da ex Jugoslávia. Em frente a este conflito que dividiu cortantemente as águas da intelectualidade europeia, Hobsbawm expressa de maneira explícita e polémica o seu “escepticismo sobre as motivaçons morais da guerra da Kosova”. Umha visom crítica que contrasta com o triunfalismo belicista de muitos outros intelectuais “lúcidos e bempensantes”.

Os dous capítulos seguintes estám centrados na análise da situaçom geopolítica atual e futura do reinado dos Estados Unidos sobre o resto de Occidente. Nesse rubro Hobsbawm também deixa escuitar a sua voz crítica e em algumha medida desconfiada do atual nova ordem mundial, embora sem desbarrancar-se nunca em um julgamento apocalíptico sobre o mesmo.

Também fala largamente sobre a discutida globalizaçom, em frente à qual reclama ao leitor nom confundir esse processo de mundializaçom imparável com a ideologia neoliberal defendida por von Hayek e Milton Friedman (os teóricos da “Escola de Chicago”), objeto da crítica do empresário George Soros e até dos economistas liberais Krugman ou Bhagwati.

Nessa órbita atravessada pola mundializaçom Hobsbawm esforza-se por fazer um balanço da experiência da esquerda europeia e norte-americana partindo do ponto de que as categorias de “esquerda” e “direita” seguem existindo (para ele as coordenadas da esquerda estariam delimitadas pola continuidade entre a revoluçom francesa de 1789 e os socialismos do século XX, incluindo dentro desse amplíssimo guarda-chuva integrador até ao Partido Democrata -presidente Clinton incluído!- dos Estados Unidos)”

Em um dos seus principais treitos Hobsbawm senta posiçom sobre o seu relacionamento com o outro grande da historiografía britânica: E.P.Thompson (expulsado do PC inglês em 1956, instituiçom da qual Hobsbawm nunca se foi terminantemente embora sim se afastou da pouco até a sua posterior dissoluçom).

Nos segmentos finais, Hobsbawm analisa os efeitos presentes e potenciais da globalizaçom e as suas repercussons na vida quotidiana (área onde o entrevistador chega a perguntar até a sua opiniom sobre o Viagra e o que denomina “cosmética do bem-estar”, rebaixando desnecessariamente por momentos o nível das perguntas). Também se interna nos laços que unem Hobsbawm com a cultura de Itália (país de origem do entrevistador).

Olhado no seu conjunto, este novo livro de Hobsbawm deixa-nos um abigarrado collage de postais a metade de caminho entre a perspetiva histórica “macro”, a previsom histórica e o livro de memórias, realizado por um dos intelectuais mais prestigiosos das últimas décadas.

Fonte: Primeira Linha.


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