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Lucas Morais

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Crítica radical

A Primavera Árabe e a Guerra 2.0

Lucas Morais - Publicado: Quinta, 08 Setembro 2011 02:00

Lucas Morais

O “imperialismo humanitário” da OTAN e EUA afoga em sangue a revolucionária Primavera Árabe em uma guerra neocolonial que pretende reafirmar a presença das potências ocidentais na região e expurgar os negócios das potências emergentes do BRICS.


A história recente da África é um ponto fundamental do realinhamento do capitalismo atual na última década, principalmente com os investimentos do Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul, o grupo BRICS. Para se ter ideia, as transnacionais brasileiras Petrobras, Odebrecht, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez operavam contratos bilionários na Líbia.

Os parceiros emergentes não beneficiam todos os países africanos. Os países ricos em petróleo e em minerais tiveram benefícios desproporcionais, enquanto outros – especialmente aqueles que não têm laços diplomáticos com a China – não tiveram praticamente nenhuma vantagem.

Rebelião versus reação no Egito e na Tunísia

No Egito, as mobilizações que surgiram desde o início de janeiro e depuseram o tirano Hosni Mubarak, quase 30 anos no poder, não começaram em 2011. De 2008 até o final de 2010 foram mais de 1.800 greves operárias por todo o país. Mais de uma por dia. O regime continua de pé, Mubarak pode enfrentar o encarceramento e eleições foram chamadas para outubro em uma abertura controlada pelas burocracias militares. Estes militares vem anistiando todos aqueles quadros do regime que se envolveram na repressão do Movimento 25 de Janeiro. Nada está decidido, mas fato é que a reação contrarrevolucionária avança a passos largos. Estados Unidos e Israel preferem um regime controlado pela Irmandade Muçulmana no Cairo a um governo secular que possa romper com Israel e abrir a fronteira de Gaza.

Na Tunísia, apesar da queda de Ben Ali, após 24 anos no poder, nada está decidido também. O descontentamento, a corrupção e a falta de liberdades permanecem. No dia 23 de outubro ocorrerá as eleições para a Assembleia Constituinte enquanto o exército se encarrega de reprimir as agitações sociais e suas reivindicações em nome da “coesão nacional”.

Fato é que as rebeliões do primeiro semestre de 2011 lograram derrubar seus ditadores, mas os regimes sociais continuam inalterados. Como disse o cientista político marxista egípcio, Samir Amin, este é um movimento que durará anos. O que hoje é uma rebelião pode se transmutar nos próximos anos em revoluções populares bem sucedidas, sejam elas políticas, isto é, trocas de regimes, ou sociais, alterando profundamente as relações sociais para além do capitalismo.

Africom, petróleo e ouro

A Líbia, por sua vez, é uma posição geopolítica privilegiada, até então maior Índice de Desenvolvimento Humano – IDH – da África, localizada ao lado do Egito (até então, maior aliado dos EUA na região junto a Israel) e com transporte marítimo pelo Mar Mediterrâneo. Universidades, saúde e água gratuitas; o banco estatal fazia empréstimos sem juros.

Um dos fatores fundamentais para se entender os motivos da invasão neocolonial da OTAN/EUA é o fato do banco central líbio não estar atrelado ao sistema financeiro mundial, isto é, ao dólar. O país tem mais de 150 bilhões de dólares em bancos estrangeiros, enquanto o banco central guarda nada menos que 143,8 toneladas de ouro.

Desde antes de 2008 os EUA tinham planos de uma base militar permanente avançada no norte da África, o Africom (Comando Militar dos EUA na África), hoje instalada em Stuttgart, na Alemanha. Durante os governos de George W. Bush e de Barack Obama, os estadunidenses tentaram acordos para venda de armas e cooperação militar com o regime de Muammar Kadafi, segundo telegrama de 10 de agosto de 2009, vazado pelo WikiLeaks. Contaram com a intensa tentativa de Kadafi em demonstrar ser fiel aos interesses dos EUA, com colaborações estreitas no âmbito dos serviços secretos entre o ditador líbio, a CIA e o MI6 britânico, como também foi revelado pelo jornal britânico The Independent.

Sempre o petróleo

Some-se a este fator militar estratégico, a Líbia possui reservas petrolíferas de ao menos 44 bilhões de barris, cerca de 4% do total mundial. Caso a produção de petróleo volte ao nível de antes da guerra civil, de 1,6 milhões de barris por dia, os ganhos anuais do petróleo renderão aos novos governantes cerca de US$50 bilhões de dólares por ano. Muitos estimam que as reservas líbias alcancem 46,4 bilhões de barris de petróleo, equivalendo a cerca de 3,9 trilhões de dólares tendo em conta os preços atuais. As reservas conhecidas de gás chegam a 5 trilhões de pés cúbicos.

Nos últimos dez anos, Kadafi abriu a exploração de petróleo às grandes empresas petrolíferas estrangeiras como Repsol, Total, Eni, Occidental, PetroCanada, Vitol. A questão é que Kadafi taxava e colocava as transnacionais petroleiras para competirem entre si por contratos, o que incomodou o establishment. Exigência de vistos, impostos e dificuldade em contratar mão de obra foram dificuldades permanentes para as petroleiras, enquanto Kadafi pretendia ainda extrair mais concessões destas. É como disse um ex-executivo da empresa líbia National Oil Corporation: “minha empresa obtém os mesmo lucros em um país vizinho extraindo apenas 25% do petróleo extraído na Líbia”.

Não leve a mal, Kadafi, negócios são negócios

Os principais compradores do petróleo líbio em 2010 foram a Itália (28%) e a França (15%). Não à toa, Itália e França estão à frente da disputa pela pilhagem da Líbia. Durante a ditadura do coronel Kadafi, Roma importava 306 mil barris de petróleo por dia contra 205 mil da França. No dia 1 de setembro, em Paris, iniciava-se uma conferência internacional com 60 países discutindo a reconstrução da Líbia enquanto o jornal francês Libération denunciava os bastidores da ajuda militar organizada por Sarkozy ao Conselho Nacional Transitório líbio e a promessa, por parte dos “rebeldes”, do favorecimento à França com 35% do petróleo do país árabe em troca do apoio parisiense contra Kadafi. Enquanto isso, nos bastidores, uma guerra mafiosa entre as petroleiras Total, francesa e a ENI, italiana ativa neste país desde 1959, ambas já com agentes negociando contratos com os alto escalões do CNT. 180 empresas italianas atuam neste país, e outro recurso em disputa é água. A saber, as maiores transnacionais de exploração de água são francesas

Goebbels, o amador

Os monopólios capitalistas de comunicação, que atendem também como “agências internacionais”, foram fundamentais no convencimento da suposta necessidade da “intervenção humanitária”. Centenas de bombas de urânio empobrecido (também conhecidas como “ajuda humanitária” para os líbios, “democracia” para os iraquianos e “combate ao terrorismo” para os afegãos) foram despejadas sobre civis e trabalhadores. Tais bombas, além de ceifar os atingidos, causam terríveis mutações genéticas nos seres humanos, como ocorreu no Iraque.

A campanha de desinformação chegou a afirmar que Saif Al Islam e Mohammed Kadafi, filhos de Kadafi, estavam sob poder dos “rebeldes”, tendo que ser desmentido nos dias seguintes. Uma comissão da ONU, a Anistia Internacional e a Human Rights Watch não encontraram provas disso e de muitas outras notícias de atrocidades, mas os relatórios são sempre ignorados por estas mídias quando convém a guerra. Ousam chamar isto de “jornalismo”.

Genocídio rebelde

Em meio a este inferno promovido pelos bombardeios da OTAN, com milhares de refugiados por todo o país, a hipócrita inversão espetacular de realidade promovida pelos porta-vozes do imperialismo como Sarkozy é reproduzida e aplaudida pelos senhores das guerras: “Salvaram-se dezenas de milhares de vidas graças à intervenção humanitária”. Enquanto isto, mais de 50 mil líbios e líbias foram mortos com os "bombardeios humanitários". O delírio nada ingênuo continua, “Alinhamo-nos com o povo árabe em sua aspiração de liberdade”, enquanto o povo bareinita, saudita e iemenita enfrentam tanques de guerra e sofrem centenas de assassinatos pelas forças militares e policiais nas ruas de seus países.

Trata-se de uma das agressões mais bárbaras da história moderna, pois nestes meses de guerra a OTAN realizou mais de 20 mil bombardeios aéreos, dos quais 7.459 ataques em alvos pró-Kadafi, com milhares de bombas inteligentes guiadas a laser e outras de efeito moral, para criar um clima de pânico junto à população. Além disso, centenas de helicópteros Apache varrem diariamente os céus da Líbia atirando contra tudo que se move. A parafernália da guerra se completa com os ataques maciços dos drones (aviões de guerra não tripulados) que despejam toneladas de bombas no País. É como o magnata estadunidense Donald Trump disse à Fox News: "Nós somos a OTAN. Nós apoiamos a OTAN com dinheiro e armas. E ganhamos o quê? Por que não ficaríamos com o petróleo?"

Esses ataques destruíram completamente a infraestrutura líbia e não pouparam residências, universidades, hospitais, estradas, quartéis, estações retransmissoras de rádio e TV, matando milhares de pessoas e criando assim um cenário de terra arrasada, a partir do qual a OTAN enviou as tropas especiais do Comando Alfa e dezenas de comandos especiais da Arábia Saudita e Catar para tomar os pontos estratégicos do País. Depois do serviço realizado, então chamam “os rebeldes” para fazer figuração para a TV, como se tivessem sido eles os que tomaram cidades e objetivos estratégicos.

Chamar de “rebeldes” um grupo de mercenários manipulados pela CIA, Pentágono e MI6 é faltar com o devido respeito aos verdadeiros rebeldes que lutam em todo o mundo por sua libertação. Este “saco de gatos” é formado por ex-membros de um esquadrão da morte colombiano a mercenários recrutados no Catar e nos Emirados Árabes Unidos, associados a tunisianos desempregados e membros das tribos inimigas da tribo de Kadafi. O pessoal é esse, acrescido de esquadrões de mercenários alugados pela CIA – salafitas em Benghazi e Derna –, mercenários da Arábia Saudita, Irmandade Muçulmana e, inclusive membros da Al Qaeda (veja) sob o comando do jihadista Abdul Hakim Belhaj, que está à frente do comando militar dos rebeldes desde o assassinato de Abdel Fattah Younis, homem do serviço secreto francês morto por uma facção da Fraternidade Muçulmana dos “rebeldes”.

Como disse Robert Fisk, jornalista especialista sobre o Oriente Médio do The Independent, a Primavera Árabe demonstrou que as velhas fronteiras coloniais permanecem invioladas. Pepe Escobar, jornalista especialista na Ásia, África e Oriente Médio, anotou: “Tempo houve em que o inimigo público n.1 foi Saddam Hussein; depois, Osama bin Laden; hoje é Muammar Kadafi; amanhã será o presidente Bashar al-Assad da Síria; um dia será o presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad. Só uma coisa é certa: a ultra reacionária Casa de Saud [Arábia Saudita] nunca é o inimigo público n. 1.”, ao que acrescento o Estado sionista de Israel.

Não brinquem com o BRICS

No dia 5 de Agosto, o representante da Rússia na OTAN, Dmitry Rogozin, disse à imprensa que a OTAN está planejando uma campanha militar contra a Síria para derrubar o regime de Bashar al Assad. Em entrevista ao diário russo Izvestia, Rogozin afirmou que a OTAN também prepara para o longo prazo um ataque ao Irã, segundo relatou o jornal chinês Xinhua. O Governo russo disse no dia 4 de setembro que os cinco países do grupo BRICS não permitirão que na Síria se repita o mesmo “roteiro de ataques” perpetrado contra a Líbia. A Síria e Irã que se cuidem.

Quem ganha com as guerras?

O coronel Muammar Kadafi certamente perdeu o poder enquanto os EUA e a União Europeia, através da OTAN, estão no caminho de atingir seu principal objetivo militar e geopolítico: a ocupação permanente, o monopólio do petróleo e o controle político da Líbia.

Enquanto isso, os porta-vozes da “democracia” e da “liberdade” continuam com a limpeza étnica na Palestina e a contrarrevolução árabe avança.


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