Na noite de 25 para 26 de outubro, uma granada da polícia matou Rémi Fraisse, um manifestante de 21 anos. O governo francês, no entanto, demorou dois dias a reagir, pois estava infinitamente mais propenso a saudar a memória de um dono de companhia petrolífera morto num acidente de avião. De seu lado, o presidente socialista do conselho geral do departamento de Tarn julgou totalmente “estúpido e tolo” morrer por ideias. Na verdade, sua ideia – terminar a construção de uma barragem reclamada pelos notáveis de seu departamento – nunca o expôs ao mesmo tipo de perigo. Ela até acaba de favorecer sua reeleição ao Senado. Agora, é provável que a granada atirada pelos policiais tenha igualmente matado esse projeto de barragem. Uma pessoa tem de morrer numa manifestação para fazer triunfar suas ideias?
Em janeiro de 2012, a ministra das Relações Exteriores francesa, Michèle Alliot-Marie, tinha sugerido ao ditador tunisiano Zine al-Abidine ben Ali que salvasse seu regime agonizante inspirando-se no “know-how, reconhecido no mundo inteiro, de nossas forças de segurança”. Um know-how com eclipses: sem contar as dezenas de argelinos assassinados em Paris em 17 de outubro de 1961 e as nove pessoas mortas no metrô Charonne em fevereiro do ano seguinte, cinco manifestantes franceses já perderam a vida por ocasião de enfrentamentos com a polícia.1
Rémi Fraisse é, portanto, o sexto. Pouco após sua morte, o comandante do agrupamento de policiais que operava na região testemunhou que o governador de Tarn tinha pedido às forças da ordem que “demonstrassem extrema firmeza em relação aos opositores” da barragem. Quarenta e duas granadas foram atiradas naquela noite.
O primeiro-ministro Manuel Valls parece apoiado nas declarações marciais que associam alguns muçulmanos a um “inimigo interno”. E seu governo joga sobre “vândalos” a responsabilidade pelo “drama” de Tarn. Prolongando seu raciocínio num sábio amálgama, um sindicato de policiais finge se alarmar com o fato de que uma “parcela dos militantes verdes ou vermelhos passe à ação armada, como na época dos movimentos revolucionários dos anos 1970”.2
Foi nesse clima que a Assembleia Nacional acabou de votar, por quase unanimidade, uma nova lei antiterrorista. A 15a do tipo desde 1986. Oficialmente motivada pela vontade de proibir os franceses de se juntarem às fileiras da Organização do Estado Islâmico, ela comporta disposições vagas – proibição administrativa de deixar o território, “delito de empreitada terrorista individual” – que amanhã poderão se aplicar a qualquer outro combate.
Em 2001, o Parlamento francês já havia adotado uma panóplia repressiva do mesmo calão. Um pouco envergonhado, um senador socialista assim se justificou: “Há medidas desagradáveis a serem tomadas com urgência, mas espero que possamos retornar à legalidade republicana antes do final de 2003”.3 Onze anos depois, um poder desacreditado e sem futuro não pode mais dispensar um “inimigo interno”.
Notas:
1 Dois nas fábricas da Peugeot de Sochaux, em 11 de junho de 1968; um em Creys-Malville, em 31 de julho de 1977; um em 6 de dezembro de 1986, em Paris, ao cabo de uma manifestação estudantil; um em novembro de 1987, em Amiens, em consequência de um espancamento.
2 Patrice Ribeiro, secretário-geral do sindicato de policiais Synergie-Officiers, citado pelo Le Figaro de 15 de novembro de 2014.
3 Michel Dreyfus-Schmidt, citado pelo Le Monde, 29 out. 2001.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).
Ilustração: Alves.