A festa da nostalgia de Danny Boyle foi projetada em uma tela estendida entre duas árvores, na orelha do canal. Não prestei muita atenção – as árvores se interpunham, o iPlayer da BBC só falhava – mas parece que destacou o ciclismo, no qual se espera dos britânicos se desempenhem bem. Bradley Wiggins tocou um sino; Chris Hoy desfilou ondulando uma bandeira da União; centenas de ciclistas bateram asas durante sua corrida ao ET, no céu noturno.
Ao mesmo tempo em que sete jovens atletas acendiam a pira Olímpica (proporcionando um negócio inesperado pelas casas de apostas), fora do estádio a polícia organizava um par de cercos (kettles). Os ciclistas de "Masa Crítica", uma marcha ciclista mensal sem liderança que vem celebrando a última sexta-feira de cada mês durante os últimos dezoito anos, haviam se aproximado demais do Parque Olímpico, reivindicando as pistas olímpicas reservadas ao passar por Stratford. Um automóvel que transportava David Beckham (ainda que eu pensasse que havia chegado à cerimônia de barco) foi aparentemente retido pelos ciclistas, antes que a polícia abrisse uma via a golpes. Ao final foram detidos 160 ciclistas ou mais – o equivalente a um pelotão olímpico . Suas bicicletas foram carregadas num ônibus e confiscadas. Tudo isso parece ter sido manejado de uma maneira que a polícia chamou "robusta": um homem que montava um triciclo foi atingido com spray de pimenta e empurrado contra o chão; vinte ciclistas foram retidos num ônibus durante três horas sem alimentos, banheiros nem representação legal, antes de passar o resto da noite em celas.
Antes do desfile, os organizadores esclareceram que Masa Crítica "não é realmente uma manifestação" e que "os ciclistas não necessariamente queriam marcar-se como objetivo as rotas olímpicas como tais". Ao contrário, o sentido da marcha é "a afirmação pacífica dos direitos dos ciclistas a compartilhar as vias e nosso direito a deslocar-nos por onde desejemos e de maneira segura". Os tribunais lhes dão razão: em 2008, a câmara dos Lordes decidiu que os ciclistas de Masa Crítica não necessitavam avisar à polícia de antemão, já que as marchas se celebram "de maneira cimum ou habitual".
A manhã de 28 de julho fui a Bow para assistir aos Jogos da Austeridade, uma jornada de protesto com desportos organizada pela 'Rede contra as Olimpíadas', para ver se poderia encontrar alguém que houvesse sido detido na noite anterior. Os ativistas trocaram folhetos entre si e se dirigiam aos representantes dos meios de comunicação do mundo (não parecia haver muitos jornalistas britânicos ali). Ouvi um homem explicando a um repórter chinês como lhe haviam proibido de entrar em Canary Wharf porque vestia calças 'punk'.
A maioria das pessoas estava furiosa pela comercialização dos Jogos Olímpicos e o fervor nacionalista que atraem mais que pelos próprios jogos. Um ciclista explicou em alemão que os 24 bilhões ou mais, de libras gastos nos Jogos Olímpicos poderiam ter sido gastos no Sistema Nacional de Saúde, que enfrenta cortes com valores por volta de 20 milhões de libras. Ouvi uma dos membros do Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) comentando a cerimônia de abertura: "Acho que foi realmente boa, mas não diga nada a ninguém".
Um grupo de exilados circassiano com o trage nacional executava danças e fez um apaixonado discurso condenando as Olimpíadas de inverno de 2014 em Sochi, às margens do Mar Negro. "Somos um povo exilado", afirmaram: 'somos uma diáspora; os membros de nosso povo que permanecem são torturados, violadas ou assassinadas'. "Jogos Olímpicos Sochi! Jogos Olímpicos de sangue!" repetiam. 'Não legitime o genocídio".
Marchamos pela estrada de Bow até o Parque Mile End para ir aos antijogos. Passamos o bairro Bow, que uma vez foi a fábrica de fósforos Bryant & May, mas que agora é um desenvolvimento residencial onde se instalaram mísseis olímpicos. Os soldados nos observavam desde um depósito de água. Uma placa azul na parede recordava a Anni Bessant, que organizou a greve de moças fosforeiras de 1888.
Não pude encontrar a nenhum dos ciclistas que haviam sido presos na noite anterior: muitos deles ainda não haviam sido postos em liberdade. Umas poucas pessoas com as quais falei haviam pedalado com o Massa Crítica na primeira hora da noite, mas a maioria tinha-se ido antes das detenções. Um observadorlegal que havia presenciado o cerco policial afirmou que havia sido bastante impiedoso. Um mensageiro de bicicleta polaco me disse que havia avançado sobre o cordão policial com sua bicicleta e conseguira escapar.
A maioria dos ciclistas foi liberada nas horas seguintes, enquanto Bradley Wiggins e Mark Cavendish faziam a volta a Surrey incapazes de ganhar medalhas na corrida ciclística olímpica. Suas condições de fiança especificam que não podem penetrar mais que 100 jardas (91m) em nenhuma instalação olímpica, não podem pisar em nenhuma via exclusiva olímpica e não podem entrar no distrito londrino de Newham com uma bicicleta. Os "jogos do povo" começaram.
Tradução de Cássia Valéria Marques para o Diário Liberdade.