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8145618590 eef2d41bfc zEstados Unidos - Vermelho - [Wevergton Brito Lima] “O Nascimento de uma Nação” (The birth of a nation), de 1915, é um dos filmes mais emblemáticos da história do cinema americano. A película relata a reconstrução dos Estados Unidos depois da Guerra de Secessão (1861-1865) através da história de duas famílias, uma sulista e outra nortista.


Foto: Pamela Andrade (CC BY 2.0)

Foi um estrondoso êxito de bilheteria. Primeiro filme a ser exibido na Casa Branca, deixou o presidente estadunidense Woodrow Wilson tão entusiasmado que este criou, dois anos depois, o Comitê de Informação Pública (CPI), que funcionou até 1919 e ajudou na propaganda do envolvimento do país na 1ª Guerra mundial.

“O Nascimento de uma Nação”, um longa-metragem mudo, usou efeitos visuais avançados para a época, um número inédito de figurantes, exaltava o patriotismo e arrecadou U$S 10 milhões, o que era então uma soma fabulosa. Os negros do filme, interpretados por atores brancos com rostos pintados, são representados como burros e molestadores de mulheres brancas. A Klu Kux Klan era apresentada como uma organização heroica. A KKK usou o filme como método de recrutamento durante muitos anos.

Nesta primeira década do século 21, ninguém pode negar que a cultura americana é pujante, rica e heterogênea, assim como a sua sociedade, e neste especial sobre os EUA, o Portal Vermelho abordará vários destes ângulos.

Mas é igualmente inegável que o grosso da indústria cultural deste poderoso país – para desespero dos defensores do “estado mínimo” - está umbilicalmente ligada e a serviço do Estado, dos interesses e da ideologia dos EUA.

Mais de 90 anos depois de “O nascimento de uma nação”, vamos usar apenas um caso, entre tantos, de filmes produzido por Hollywood, e dos valores subliminares que eles expressam, na arguta visão do historiador Leandro Dias. Leandro nos fala do personagem central do Homem de Ferro (2008), um bilionário “enriquecido com dinheiro da fabricação de armamentos para o complexo industrial-militar norte-americano” e que apesar disso é “defensor da justiça”. Continua Leandro: “Não há aqui a problematização dessa maneira de enriquecimento, embora qualquer um que conheça minimamente como se faz dinheiro na indústria de armamentos saiba que não há nada de nobre ou heroico em vender armamentos militares. No fundo a lição que fica é algo como a ‘riqueza é uma virtude por si só’, independente de onde veio o dinheiro. O personagem do Homem de Ferro, no filme Vingadores (2012), ainda reforça a noção mencionada acima. Quando os heróis e os mercenários paramilitares da S.H.I.E.L.D falham para conter a invasão alienígena, o Homem de Ferro conduz um míssil atômico até o coração do portal invasor, destruindo-o. A bomba atômica salva a humanidade”.

Os métodos, os estilos, as técnicas e os investimentos da máquina de propaganda dos EUA evoluíram muito, sem, no entanto, perder a essência do que era a proposta original.

Quando o Comitê de Informação Pública foi criado, em 1917, seu presidente, George Creel, dizia que queira fazer “propaganda no verdadeiro sentido da palavra, significando a propagação da fé”.

Apesar de ser o país que apoiou quase até o fim o odioso regime do apartheid, que ajudou a organizar golpes militares pela América Latina, inclusive instituindo uma escola para torturadores (a “Escola das Américas”, que aliás atua agora com outro nome: Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança) entre numerosos outros crimes, hoje boa parte do mundo está convencida de que os Estados Unidos são realmente a terra da democracia e das oportunidades.

O problema é que, assim como nos filmes do Homem de Ferro, a democracia americana, em sua maior parte, não passa de ficção.

“Tell me what democracy looks like. This is what democracy looks like”

“Diga-me o que a democracia parece. Isto é o que a democracia parece”. Este era o refrão de uma música cantada por militantes do “occupy wall street”, enquanto os guardas desciam seus democráticos cassetetes sobre a multidão, para deleite de empresários e executivos que assistiam as cenas de suas janelas e sacadas.

Assim como na democracia ateniense só era considerado cidadão os homens livres, com mais de 18 anos, tendo pai e mãe atenienses, e portanto escravos, mulheres, crianças, estrangeiros ou filhos de estrangeiros, ou seja, a maioria da população, não tinha qualquer direito assegurado, também na “democracia” americana, o peso das grandes corporações na vida política e social dos EUA deixa pouco espaço para qualquer exercício real de cidadania e o que existe, na verdade, é todo um aparato que busca manter a injusta ordem vigente. A qualquer preço.

O maior aparelho estatal repressivo do mundo

O povo americano tem se rebelado cada vez mais. Medidas como toque de recolher ou estado de emergência já se tornam rotina para conter as constantes revoltas (leia neste especial a matéria Negros precisam viver em constante estado de rebelião nos EUA). Para enfrentar isso, investe-se cada vez mais no estado policial. Não existe país com qualquer coisa que se assemelhe, em tamanho, investimento e poder, ao aparelho repressor do estado americano. São dezenas de siglas (CIA, FBI, NSA, etc,) dedicadas a proteger, não os interesses da população americana em geral, mas o estabelechiment, que é o verdadeiro dono do país.

Apesar de ter menos do que quatro vezes a população da China, os EUA têm a maior população carcerária do mundo em termos absolutos e relativos. São 2.228.424 americanos e americanas presos, a esmagadora maioria pobres e negros (segundo dados do Centro Internacional de Estudos Prisionais, do King's College, de Londres). 1 em cada 142 cidadãos americanos está preso (no Brasil a proporção é de 1 para 283 e na China 1 para 796).

A tática de prender os pobres como forma de enfrentar a revolta social é nítida e tem um efeito ainda mais perverso: perpetua a pobreza por gerações. Jeffrey D. Sachs, professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University, faz o seguinte comentário: “Pessoas pobres, frequentemente afro-americanas, não conseguem encontrar empregos ou saem do serviço militar sem capacitação ou contatos profissionais. Caem na pobreza e voltam-se para as drogas. Em vez de receber assistência social e médica, são presos e transformados em criminosos. A partir daí, passam a entrar e sair do sistema prisional e têm poucas chances de alguma vez vir a conseguir um emprego legal que lhes permita sair da pobreza. Suas crianças crescem sem um pai em casa - e sem esperança e apoio. As crianças de usuários de drogas muitas vezes também se transformam, elas próprias, em usuárias; elas também frequentemente acabam na cadeia ou sofrem violências ou mortes precoces. O mais insano em tudo isso é que os EUA não perceberam o óbvio - e por 40 anos. Para quebrar o ciclo de pobreza, um país precisa investir no futuro das crianças, não na prisão de 2,3 milhões de pessoas, muitas por crimes não violentos, sintomas de pobreza”.

Combater a pobreza prendendo os pobres também é um bom negócio. Veja o que nos conta o site Pragmatismo Político: “À medida que o negócio das prisões privadas alastra-se como uma gangrena, uma nova categoria de milionários consolida seu poder político. Os donos destas carcerárias são também, na prática, donos de escravos, que trabalham nas fábricas do interior das prisões por salários inferiores a 50 cents por hora. Este trabalho escravo é tão competitivo, que muitos municípios hoje sobrevivem financeiramente graças às suas próprias prisões, aprovando simultaneamente leis que vulgarizam sentenças de até 15 anos de prisão por crimes menores como roubar chicletes. O alvo destas leis draconianas são os mais pobres, mas, sobretudo, os negros, que representando apenas 13% da população norte-americana, compõem 40% da população prisional do país”.

E os direitos civis?

É famosa a cena do documentário “Comandante”, quando Oliver Stone afirma a Fidel Castro que ninguém nos Estados Unidos é condenado sem assistência judicial. Fidel então pergunta ao diretor americano se os presos em Guantânamo têm recebido assistência de seus advogados, deixando Stone sem resposta.

Se é verdade que os Estados Unidos têm um arcabouço jurídico que, teoricamente, garante direito à ampla defesa, o que prevalece é o caráter repressivo do sistema, com muitas brechas que burlam as prerrogativas legais. A Câmara dos Representantes e o Senado dos Estados Unidos aprovaram a “Lei para a Proteção da América”, nos dias 3 e 4 de agosto de 2007. Esta lei permite que a administração norte-americana vigie as conversas de suspeitos de terrorismo nos Estados Unidos sem precisar de uma autorização da justiça. Também permite que os serviços de inteligência mantenham sob vigilância as comunicações digitais entre suspeitos fora dos Estados Unidos

De acordo com uma reportagem publicada pela própria imprensa americana, entre 2003 e 2005 apenas o FBI obteve de maneira indevida a informação pessoal de mais de 52.000 pessoas.

Dois contundentes acontecimentos que revelam algo sobre os direitos civis americanos são as histórias de Albert Woodfox e Bradley Manning.

Caso Albert Woodfox

Albert Woodfox é um negro pobre que, na década de 1970, lutava contra a opressão racial nos EUA, militando no partido Panteras Negras. Ele e dois companheiros de partido, Robert Hillary King e Herman Wallace foram colocados no regime de isolamento em 18 de abril de 1972, acusados pela morte de um guarda em uma rebelião (ficaram conhecidos como os três de Angola). Duas vezes eles conseguiram anular a condenação. Mas King só foi libertado em 2001 e Wallace morreu alguns dias após ser solto, em 1º de outubro de 2013. No dia 8 de junho de 2015 o juiz federal James Brady ordenou a libertação imediata de Albert Woodfox, e escreveu “Mr. Woodfox permaneceu em condições extraordinárias de confinamento por aproximadamente 40 anos, e ainda hoje não há condenação válida para mantê-lo na prisão, ainda mais em uma solitária”. Apesar da ordem do juiz federal, Woodfox até o momento continua preso, pelo simples motivo de ter se rebelado.

Caso Bradley Manning

Em 2011, Alexander Cockburn, da First Post, versão on-line da The Week britânica, descrevia assim o episódio Bradley: “Nos últimos sete meses, aos 22 anos de idade o soldado do Exército dos EUA Bradley Manning, primeiro em uma prisão militar no Kuwait, agora numa prisão em Quantico, Virgínia, permanece de 23 a 24 horas em confinamento solitário em sua cela, sob assédio constante. Se os seus olhos se fecham às cinco horas – às oito horas ele é sacudido e acordado. Durante o dia claro ele tem que responder ‘sim’ aos guardas a cada cinco minutos. Durante uma hora por dia, ele é levado para outra cela onde ele anda sobre figuras em formato de oito. Se ele parar, ele é levado de volta à sua outra cela (de confinamento). Manning é acusado de fornecer documentos para Julian Assange no Wikileaks. Ele não foi julgado nem condenado. Visitantes relataram que Manning está indo ladeira abaixo, tanto mental como fisicamente. Os esforços de seu advogado para melhorar sua condição têm sido recusados pelo Exército.”

Bradley ajudou a revelar ao mundo a extensão dos tentáculos da máquina de vigilância americana, que espiona até governos “amigos”. Em 2013 ele foi condenado a 35 anos de prisão.

Tortura de presos, desde que feita da “forma correta”, é até certo ponto banal nos Estados Unidos e encontra respaldo inclusive de setores ditos “intelectuais” da sociedade americana. É o caso – também citado por Alexander Cockburn - de Alan Dershowitz, professor da Harvard Law School, um defensor supostamente liberal dos direitos civis. Dershowtiz recomendou a Israel a noção de “tortura garantida”. Os alvos seriam “submetidos a medidas físicas monitoradas judicialmente concebidas para causar a dor excruciante, sem deixar danos permanentes”. “A agulha esterilizada inserida debaixo das unhas” é uma das “técnicas” recomendada pelo professor de Harvard.

Um número estimado em 80.000 pessoas está presa nos EUA em isolamento prolongado ou indefinido. “Confinados em celas pequenas por 22-24 horas por dia, muitas vezes em unidades destinadas a reduzir a estimulação sensorial e ambiental”. Esta informação é da organização Anistia Internacional, entidade conhecida por sua simpatia para com o imperialismo, o que nos deixa a legítima suspeita de que este número é muito maior e revela a dimensão da farsa sobre a “democracia” estadunidense.

EUA: O Senhor da Guerra

A indústria bélica americana é parte fundamental da economia deste país. Segundo a revista Exame, de 3% a 4% de toda a mão de obra dos Estados Unidos trabalha neste ramo. E como qualquer outra indústria, a bélica também necessita vender seus produtos, pois senão vai à falência. A indústria bélica precisa de guerra assim com nós precisamos do ar. O drama fica maior ao sabermos que esta indústria hoje controla conglomerados de comunicação, bancos e outros empreendimentos, fazendo convergir poderosos interesses em torno da escalada militarista.

O mito de “defensor da democracia”, serve como uma luva para a criação de guerras a pretexto de o país ser o paladino da liberdade (leia neste especial a matéria Em busca do poder hegemônico em época de luta anti-imperialista).

Apenas para falarmos de tempos mais recentes, desde 1989 o imperialismo americano agrediu e matou em países como o Panamá (operação “Just Cause”), Iugoslávia, Haiti (operação “Suport Democracy”), Líbia, Sudão, Afeganistão, Iraque (duas vezes: operação “Desert Fox” em 1998 e operação “Desert Storm” em 1991), Somália (operação “Restore Hope” em 1993), entre outras. Devemos incluir nesta contabilidade inclusive as guerras secretas financiadas pelo imperialismo: o apoio a grupos de extermínio na Colômbia, o recurso à incitação, aberta ou velada, a todos os tipos de contradições étnicas e regionais para estimular, em nações independentes, o separatismo e a debilitação destas nações como forma de melhor dominá-las, etc.

Em fevereiro de 2014 os EUA apoiaram um golpe de estado na Ucrânia que levou ao poder central forças neonazistas. Algumas delas chegam a usar abertamente a suástica e outros símbolos fascistas.

Os crimes de Israel contra o povo palestino contam com apoio político e financiamento dos EUA.

Segundo o Instituto Internacional para a Investigação da Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês), o gasto mundial anual em armamentos é de aproximadamente US$ 1,8 trilhão, sendo que os EUA são os que mais gastam (39% do gasto mundial). E vai aumentar! Segundo o jornal inglês The Guardian, só os EUA “planejam gastar US$ 700 bilhões em armas nucleares nos próximos 10 anos. US$ 92 bilhões adicionais serão gastos em novas ogivas nucleares, e os norte-americanos planejam construir 12 novos submarinos nucleares balísticos e mísseis de cruzeiro nucleares para lançamento por aviões e novas bombas atômicas".

A farsa das eleições “livres” nos Estados Unidos

“Duas coisas são importantes na política. A primeira é o dinheiro. A segunda eu não me lembro”. A frase é do republicano Mark Hanna, senador americano no início do século 20.

São pelo menos 146 anos em que a disputa para presidente dos EUA limita-se a Republicanos e Democratas. É certo que existem nuances e até mesmo diferenças entre eles, mas jamais antagonismos.

Como diz o filósofo italiano Domenico Losurdo, Democratas e Republicanos “são expressões da mesma classe social, da grande burguesia, exprimem mais ou menos a mesma ideologia e perseguem projetos políticos quase semelhantes”.

Democratas e Republicanos têm firme compromisso com o status quo, e qualquer um que seja ungido para ser candidato a presidente deve antes dar provas de sua fidelidade ao regime. O povo, ou a vontade do povo, é apenas um detalhe no milionário espetáculo midiático que são as eleições americanas. Na disputa presidencial, Obama e Romney arrecadaram para suas campanhas mais de U$S 895 milhões.

Como diz o linguista norte-americano, Noam Chomsky: “esse modelo é, muito claramente, não democrático, mas um tipo de ditadura por escolha, uma construção política na qual o público - observadores intrusos e ignorantes - são espectadores da ação, não participantes”.

Alguns aspectos da “democracia” americana são praticamente desconhecidos pelo grande público. Por exemplo: a eleição não é direta nos Estados Unidos. Quatro presidentes já foram eleitos tendo menos votos do que o concorrente. Um destes fatos aconteceu em 2000, quando Al Gore teve 540 mil votos a mais do que George W. Bush, mas Bush foi eleito presidente. Isto acontece porque o eleitor escolhe os representantes do seu estado que – estes sim – irão eleger o presidente. E a distorção ocorre pelo seguinte: se um estado tem, digamos, direito a 25 delegados, e um candidato alcança, naquele estado, 51% dos votos, ele não leva 51% dos delegados, leva 100%. Assim, os 49% que votaram no candidato derrotado ficam sem qualquer representante real no colégio eleitoral. Então um candidato pode ganhar em vários estados mais populosos por ampla maioria, mas se perder, mesmo que por pouca margem, em alguns outros estados, corre o risco de não ter votos suficientes no colégio de representantes, que é realmente quem elege o presidente.

Surpreendentemente, nem mesmo o direito do voto universal é consagrado pela Constituição americana. O historiador de Harvard, Alexander Keyssar, autor do livro “O direito de voto: a controversa história da democracia nos Estados Unidos”, usando como mote o caso Gore x Bush de 2000, quando aconteceu um impasse sobre quem tinha vencido na Flórida - o que foi determinante para apontar o vitorioso - deu o seguinte depoimento ao Jornal GGN: “Após prolongado embate judicial entre os dois concorrentes, a controvérsia foi encerrada com a decisão da Suprema Corte, ordenando a suspensão da recontagem dos votos da Flórida, com base no artigo 2, inciso 1, da Constituição norte-americana, que diz: ‘Cada estado nomeará, do modo que seu legislativo disponha, certo número de eleitores (que votarão, em nome do estado, no presidente)’. Isso significava que, mesmo que Gore tivesse recebido a maioria dos votos populares na Flórida, isso não lhe asseguraria os 25 representantes do estado, pois a decisão final caberia ao Legislativo estadual (então, majoritariamente republicano). De acordo com cinco juízes da Suprema Corte, o texto da Constituição indicava claramente que ‘o cidadão individual não tem o direito constitucional federal de votar em eleitores para o presidente dos Estados Unidos, a menos que e até que o Legislativo do estado escolha uma eleição em âmbito estadual como meio de executar seu poder de nomear os membros do Colégio Eleitoral’. Muitos norte-americanos se surpreendem quando eu digo isto, mas o fato é que o direito de voto não está assegurado pela Constituição dos Estados Unidos”, comentou Keyssar.

Keysser ainda aponta outras limitações do sistema eleitoral do seu país: “o país possui várias barreiras para impedir o direito de voto. Enquanto as eleições brasileiras são realizadas em geral aos domingos, as norte-americanas ocorrem durante a semana, em dias de trabalho normal, o que prejudica o comparecimento dos eleitores aos locais de votação. Em alguns estados, o fato de a pessoa ter cometido algum crime faz com que ela perca o direito de voto para o resto da vida, mesmo depois de ter cumprido sua pena e ter sido reintegrada à sociedade. De uma maneira ou de outra, são colocados obstáculos no caminho que leva as pessoas ao voto. A justificativa oficial para alguns desses obstáculos é que eles se destinam a impedir fraudes. Mas o que realmente fazem é impedir que certos segmentos da sociedade votem. São segmentos basicamente constituídos por pessoas pobres – em especial os idosos e os jovens pobres. Pessoas que não têm carteiras de motorista nem passaporte”, disse.

O relato de Keysser tem relação direta com o que aconteceu em 2000 na Flórida, que na época era governada por Jeb Bush, irmão do candidato republicano, George W. Bush, que contra todas as sondagens e pesquisas ganhou no estado com aproximadamente 900 votos de diferença. Naquela eleição, 27 mil pessoas foram impedidas de votar na Flórida, usando-se até mesmo multas de trânsito como argumento. Das 27 mil que não puderam votar, 16 mil eram pessoas negras.

Keysser, analisando o resultado das últimas eleições legislativas norte-americanas, em novembro de 2014, ressalta a influência do poder econômico e a sua pouca representatividade: “A participação foi extremamente baixa: 36% dos eleitores votaram e os republicanos receberam 52% dos votos. Fazendo a conta, 52% de 36% significam que a maioria republicana foi obtida com apenas 18,5% dos eleitores. Foi um voto predominantemente protestante e masculino (...) Houve um aporte sem precedentes. Dinheiro não das campanhas oficiais, não dos partidos, não dos candidatos, mas de outras organizações, muitas vezes secretas. Dinheiro de corporações. Especialmente em alguns estados ocorreram verdadeiras inundações desse tipo de dinheiro. E não foi uma eleição presidencial. Enormes quantidades de dinheiro foram investidas na compra de horários na televisão”, afirmou.

EUA: o trabalhador “no fundo do poço”

Neste especial sobre os EUA, leia a matéria Política antissindical nos EUA acentua as desigualdades sociais, que retrata a realidade sindical estadunidense. Aqui vou ressaltar determinados aspectos. Em alguns estados americanos, se a pessoa for membro do Partido Comunista é proibido por lei de se sindicalizar. Em maio último, o sindicalista Scott Courtney, dirigente da União Internacional dos Empregados em Serviços (Seiu, na sigla em inglês), com sede em Washington, visitou o Brasil e concedeu uma entrevista a Paulo Moreira Leite, do site Brasil 247.

Courtney disse que o trabalhador americano chegou “ao fundo do poço”, elogiou a legislação trabalhista brasileira e falou sobre a realidade de um sindicalista americano: “A legislação desfavorece a filiação dos trabalhadores, criando barreiras e dificuldades para a formação de sindicatos. As empresas têm um imenso poder de pressão sobre os trabalhadores e reforçaram esse poder nos últimos anos. O resultado é que hoje temos uma das mais baixas taxas de sindicalização do mundo, inferior a 7% dos assalariados. A legislação exige que 50% dos empregados de uma empresa sejam favoráveis a criação de um sindicato, dizendo isso, por escrito, com a assinatura de cada um, num documento que será enviado a uma comissão do governo. Eles também devem confirmar essa decisão, seis semanas depois, em votação secreta. Isso dá um tremendo poder às empresas para pressionar os empregados, que podem ser convencidos a mudar de ideia”.

O resultado da fragilização da organização dos trabalhadores é bem exemplificado pela professora americana Terry Karl, da Universidade de Stanford. Segundo ela “em 1982, um empresário médio ganhava 42 vezes mais do que um empregado médio; em 2010, o mesmo empresário ganhava 325 vezes mais do que o mesmo empregado. Segundo outro estudo, entre 1980 e 2008, a mudança de regras impulsionadas por Reagan produziu uma transferência de 4.505 bilhões de dólares ao setor financeiro entre 1980 e 2008”.

Uma pausa para lembrar que a luta dos trabalhadores é internacional

O sindicalista americano, na entrevista já citada, em determinado momento dá (talvez desapercebidamente) uma singela aula sobre a importância da luta internacional dos trabalhadores e os impactos do fim do campo socialista. Vejam o que disse Scott: “No período anterior, o mundo em que cresci, os trabalhadores chegaram a ter tanto poder político que eram ouvidos nas decisões de governo. Mesmo um presidente como Richard Nixon, conservador e republicano, era obrigado a levar os sindicatos em conta. Nixon tomou medidas favoráveis aos assalariados, porque sabia que era necessário fazer isso para poder governar. Comparando com aquilo que acontecia naquela época, nós podemos dizer que até preferimos as ideias de Barack Obama e compreender a importância de sua vitória mas o desempenho de Nixon, do ponto de vista dos trabalhadores, foi muito mais efetivo. Nixon não era melhor. Os trabalhadores é que eram mais fortes”.

EUA: Terra das oportunidades?

Uma democracia de fachada, baseada na competição feroz, sustenta seu carisma como “terra das oportunidades”, onde qualquer um pode “fazer a América”. Será?

Gregory Clark, professor da Universidade da Califórnia, autor de um artigo intitulado A ilusão do sonho americano (o link remete para o texto em inglês) afirma que “os EUA possuem uma taxa de mobilidade social menor que a Inglaterra medieval ou a Suécia pré-industrial. Essa é a parte mais difícil quando se fala em mobilidade social, pois está despedaçando o sonho de pessoas. O status de seus filhos, netos, bisnetos e tataranetos será bem próximo ao seu status atual”, disse o professor.

A já citada professora Terry Karl, sem concordar inteiramente com seu colega da Califórnia, também ataca o mito de que os EUA sejam a terra das oportunidades. “Apesar de ser o país do sonho americano, outros estudos citados mostram que a mobilidade social é mais difícil nos Estados Unidos do que em outros países de primeiro mundo. Um desses estudos mostra que os Estados Unidos têm menos mobilidade social que o Canadá, Alemanha, França e os países escandinavos, e que está a par de uma sociedade notoriamente classista como é a britânica. Outros estudos mostram que a classe média estadunidense está se encolhendo e que, pela primeira vez, a geração de trinta e poucos ganha menos que seus pais nessa idade”.

O escritório responsável pelo senso americano, revelou que em 2011 um em cada seis americanos vivia na pobreza, o que significa 46,2 milhões de pessoas. Segundo o escritório é a maior taxa de pobreza já registrada desde que os dados começaram a ser coletados em 1959. A reportagem da BBC, que abordou este assunto ressalta ainda que “segundo o censo, a taxa de pobreza é ainda mais alta entre negros (27,4%) e hispânicos (26,6%) do que entre brancos (9,9%). Entre crianças negras, a taxa de pobreza chega a 39%, mais de três vezes maior do que a registrada entre crianças brancas (12,4%).

O médico e economista Sergio Barroso, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), menciona os argumentos de Paul Craig Roberts, Secretário Assistente do Tesouro do governo Reagan, para quem os EUA estão passando ao estágio do subdesenvolvimento. Abaixo alguns trechos do artigo de Sergio Barroso:

“Analisa o economista (Craig) – como inúmeros pesquisadores – que o transportar da manufatura da grande empresa americana especialmente à Ásia (‘outsourcing’) acelerou fortemente o fenômeno da desindustrialização do país”.

“Roberts reforça suas opiniões relembrando que os centros industriais dos EUA se tornaram ‘cascas’ daquilo que simbolizavam: Detroit perdeu 25% da sua população, assim como Gary em Indiana, 22%, Flint em Michigan, 18%, e St. Louis 20%”!

“Novos dados sobre a trágica decadência do império norte-americano revelam que no início deste ano já somavam 3,5 milhões de pessoas sem moradias, o que significa o triplo desse número desde 1983; estão sem teto 1,5 milhões de crianças das 15 milhões de crianças que passam fome. Igualmente triplicou nesse período para 18 milhões as casas-fantasmas (vazias e sem moradores!). A própria UNICEF (ONU) descreve atualmente os EUA como um país que menos protege suas crianças, em cuja lista aparece (inacreditavelmente) abaixo da Grécia e ficando apenas duas posições acima da Romênia. Eram 60 mil os sem tetos no último inverno, sendo a metade crianças”.

Como dissemos no início deste texto, os EUA são um país poderoso. O mais poderoso do mundo, principalmente em termos de arsenal bélico. Mas o seu poder e a sua riqueza estão cada vez menos a serviço do seu próprio povo e das aspirações gerais da humanidade por paz e justiça, tudo para enriquecer de forma obscena uma camarilha de milionários.

As contradições entre as promessas do paraíso americano e sua realidade são cada vez mais visíveis e tendem a se acirrar. Eric Hobsbawm afirmava que "a única certeza que podemos ter sobre a atual superioridade norte-americana é que ela será, para a história, apenas um fenômeno temporário, como foram todos os impérios." Para que isto aconteça o mais rápido possível é fundamental que a realidade se imponha perante o mito, para o bem da humanidade e do próprio povo estadunidense.


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