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310813 gay-military-300x225Estados Unidos - Opera Mundi - [Adam Klasfeld e Brett Brownell/Mother Jones] Taxa de alistamento entre transgêneros nas Forças Armadas é o dobro do índice da população geral, mostram pesquisas.


Desde que ela era um menino crescendo em uma pequena cidade da Pensilvânia, Zoey Gearhart tinha “tendências que eram estranhas”. Criada como Robert Gearhart, ela se identificava com personagens femininos em livros, na televisão, em videogames e filmes. Ela também usava as unhas postiças da mãe, ou fazia suas próprias com argila. “Meu pai me dizia para parar, usando termos inequívocos”, ela disse. Em 2007, aos 19 anos, decidiu entrar para a Marinha. “Eu pensei que talvez entrar no serviço militar me ajudaria a endireitar”, disse. “Transformar-me em um indivíduo normal.”

No começo, Gearhart tentou provar sua masculinidade ao se alistar e ser aceita dentro do SEALs, a força de elite da marinha que matou Osama bin Laden. “Eu costumava estar incrivelmente em forma”, disse. Ela fez um treinamento preliminar com o SEALs, mas depois que um ex-namorado pediu que ela não continuasse até chegar à BUDS (Escola Básica de Demolição Subaquática, por sua sigla em inglês), Gearhart decidiu se transformar em uma linguista. A primeira mulher trans no SEALs, Kristin Beck, se revelou primeiro no seu perfil no LinkedIn, no começo do ano, e depois em seu livro onde conta tudo, Warrior Princess (Princesa Guerreira, em tradução livre). Na capa, ela ostenta uma barba grande e espessa, dos dias em que ela era conhecida como “Chris”.

Enquanto estava na Marinha, Gearhart manteve sua identidade feminina em segredo, escondendo do sargento com quem ela dividia o quarto, e quem ela descreveu como “o cara/irmão da caverna/moradia”. Quando seu alistamento expirou, em março, ela decidiu não voltar a se alistar para que pudesse começar a sua transição para a feminilidade. Se Beck ou Gearhart tivessem revelado que eram trans enquanto ainda usavam uniformes, teriam recebido dispensa médica ou administrativa. Mesmo apesar da revogação do Don´t Ask, Don´t Tell (Não Pergunte, Não Conte – DADT, por sua sigla em inglês), em 2011, o exército ainda oficialmente proíbe transgêneros de servir. O fim do DADT, disse Gearhart, “é um marco do movimento LGBT. Mas há esse T pendente. O serviço das trans não foi nem mencionado”.

Pesquisa

Os soldados e marinheiros transgêneros passam largamente despercebidos, mas não são incomuns. Em uma pesquisa recente, feita pela revista política LGBTQ, da Harvard Kennedy School, 20% dos transgêneros contatados disseram que tinham prestado serviço militar — duas vezes a taxa da população geral. Um estudo de 2011 estima que haja cerca de 700 mil indivíduos transgêneros (cerca de 3 pessoas a cada mil) vivendo nos Estados Unidos.

Esses novos números indicam que, além de ser discriminatória, a política atual das Forças Armadas as privam de alguns de seus mais prováveis recrutas, e coloca os indivíduos transgêneros que servem em maior risco de sofrer discriminação, falta de moradia e agressões do que aqueles não se alistam.

O estudo de Harvard, “Still Serving in Silence” (“Ainda Servindo em Silêncio”, em tradução livre) se baseia em estatísticas compiladas pela National Transgender Discrimination Survey (Pesquisa Nacional de Discriminação Transgênera – NTDS, por sua siga em inglês). O estudo enfatiza que os veteranos transgêneros e membros das Forças Armadas encontram taxas altas de discriminação para ter emprego, moradia e assistência médica.  Dividindo as repostas entre os veteranos/membros das Forças Armadas transgêneros e civis transgêneros, o estudo descobriu que os respondentes das Forças Armadas tinham mais chance de serem demitidos (36 x 24%), despejados (14 x 10%), e negados tratamento médico (24 x 18%) do que os civis.

Grupos de direitos civis aproveitaram essas descobertas para pressionar o Pentágono a permitir que as pessoas transgêneros sirvam abertamente, como eles fazem nas Forças Armadas do Canadá, da Tailândia, de Israel e de alguns outros países. Derlene Nipper, vice-diretora executiva da National Gay and Lesbian Task Force (Força-Tarefa Nacional Gay e Lésbica), que coletou as respostas com a NTDS, disse em um comunicado de imprensa: “É errado que esses bravos homens e mulheres — que sacrificam tanto por meio de seu serviço à nossa nação — tenham de lutar pelos seus direitos tanto como membros ativos das Forças Armadas e depois como veteranos.”

Hipermasculinidade

O time que fez o estudo do AJPH foi liderado por George Brown, ex-psicólogo da Aeronáutica, que, em 1988, lançou um estudo pioneiro sobre as tropas transgêneros chamado "Transsexuals in the Military: Flight Into Hypermasculinity." (Transexuais nas Forças Armadas: Um Voo para a Hipermasculinidade). Para esse estudo, Brown entrevistou 11 homens-para mulheres transgêneros, que estavam pedindo hormônios de transformação sexual e/ou cirurgias de mudança de sexo, e encontrou uma “impressionante semelhança” em suas respostas. “Eles se alistaram, nas palavras deles, ‘para se tornarem homens de verdade’”, concluiu no estudo, especulando que muitos soldados trans se alistam como forma de “purgar seu eu feminino”.

Quase um quarto de século depois, Brown começou a discutir os resultados iniciais de uma nova pesquisa envolvendo veteranos transgêneros. No começo do verão, na reunião anual da American Public Health Association, em São Francisco, ele e outros quatro pesquisadores apresentaram dados que expandiram e reforçaram a teoria inicial de Brown. Eles também revelaram que o número de veteranos diagnosticados com o chamado Transtorno de Identidade de Gênero praticamente dobrou na última década.

John Blosnich, da Universidade de Rochester, um dos colaboradores de Brown, diz que o novo estudo é o maior sobre a população norte-americana de transgêneros que ele conhece. Ainda assim, o time só contou as pessoas diagnosticadas com o transtorno, não todos os veteranos que se identificam como transgêneros.  “Então, nós acreditamos que nossas descobertas subestimam a população real de veteranos transgêneros nos Estados Unidos”, explicou Blosnich por e-mail.

Enquanto muitos indivíduos transgêneros acreditam que chamar a questão de “transtorno” de identidade de gênero seja ofensiva, o diagnóstico é geralmente a única forma de os veteranos obterem tratamentos como a terapia hormonal e cirurgia de mudança de sexo. Brown esteve no conselho da World Professional Association for Transgender Health (Associação Mundial para a Saúde dos Transgêneros – WPATH, por sua sigla em inglês), que tem pressionado para substituir “transtorno” por “disforia de gênero” — termo relacionado ao estresse que indivíduos transgêneros encontram enquanto estão em transição, em oposição às suas identidades per se. A Associação Americana de Psiquiatria oficialmente adotou a mudança no último mês de maio em seu manual (particularmente controverso) DSM-5.

Mas as Forças Armadas ainda baseiam sua proibição do alistamento de transgêneros nas chamadas “restrições médicas”, que colocam “transexualismo”  numa categoria de “condições psicossexuais”. Essa categoria inclui “exibicionismo, travestismo, voyeurismo e outras parafilias”. Inexplicavelmente, até um homem heterossexual que não tem um testículo pode barrar um candidato de ingressar no serviço militar dentro dos padrões vigentes. “A transexualidade, na lei militar, é tratada com uma doença mental, um tipo de psicose”, disse Gearhart.

O Veteran Affairs é um pouco mais iluminado sobre a questão. No ano passado, reconhecendo o número crescente de veteranos transgêneros, a agência divulgou um memorando enfatizando a necessidade de a Veterans Health Administration (Administração da Saúde dos Veteranos – ainda comumente conhecida como VA, por sua sigla em inglês) fornecer “assistência competente culturalmente e clinicamente” aos veteranos LGBT, diz Danny Meyer, porta-voz para a Transgender American Veterans Association (Associação de Veteranos Americanos Transgêneros). “O VA está progredindo”, ele acrescenta. “O VA está tentando, mas é uma burocracia.”

Suicídio

O suicídio também é “uma grande preocupação” para essa população veterana, concluíram Brown e seus colegas. Entre os veteranos que usam os serviços do VA, os que são diagnosticados com transtorno de identidade de gênero foram considerados 20 vezes mais suscetíveis a se matarem. Dada a epidemia corrente de suicídios, esse é um problema para o Pentágono (o Veteran Affairs recentemente divulgou que ex-membros das forças armadas “compreendem aproximadamente 22,2% de todos os suicídios noticiados” de 2009 a 2012. “Se essa estimativa de prevalência for constante em todos os estados dos Estados Unidos, cerca de 20 veteranos podem ter morrido por suicídio a cada dia do ano-calendário de 2010”, diz o relatório).

Blosnich atribuiu o elevado risco de suicídio entre os veteranos transgêneros a “altos níveis de discriminação, violência, e a serem mantidos às margens da sociedade”. Ele adiciona a seguinte ressalva: “Para ser claro, não há evidência científica de que o transtorno de identidade de gênero causa comportamento suicida... É provável que o risco de suicídio derive de estresse, isolamento, e do estigma projetado sobre as populações transgêneras”.

Na primeira vez que falamos com Gearhart, ela estava ainda ativa no serviço militar, em um posto na Coreia do Sul, onde estava reconstruindo sua vida depois que seu casamento com uma mulher em Nova York desmoronou. “Se você é trans, eu vou ficar muito puta”, lembra-se Gearhart de ter ouvido da ex-mulher. “Eu acho que essas foram as palavras exatas, acho que eu estava tentando manter minha masculinidade intacta pelo bem dela. Eu realmente a amava e eu não queria machucá-la, e eu não queria matar essa pessoa que ela amava.”

Gearhart concorda com a afirmação de Brown de que os membros transgêneros do serviço militar muitas vezes se alistam para “se tornarem um homem de verdade”. É parcialmente verdade para ela, e para muitas outras mulheres trans com quem ela se comunicou. “Você pode entrar em uma comunidade trans na internet e ter esse tipo de resposta”, ela disse.

Brown observou que muitos membros do serviço militar transgêneros passam por “colapso de suas defesas de hipermasculinidade”, em um esforço inútil de escapar a sua identidade de gênero. “Não importa o quão fundo você tenta enterrar no seu subconsciente, ainda está lá e vai dar um jeito de vir à tona.”

Bradley Manning

De fato, Bradley Manning, um membro do Exército que em julho foi considerado culpado de vazar uma coleção de documentos para o WikiLeaks, também lutou contra isso. Mesmo apesar de ele ter pedido para ser identificado como homem antes do começo de seu julgamento, foi revelado durante a fase da sentença que ele tinha enviado um e-mail, em 2010, para o seu supervisor, Sgt. Paul Adkins, com o título “meu problema”. Manning tinha anexado uma foto de si mesmo vestindo uma peruca loira e batom e explicou: “Esse é meu problema. Eu tenho tido sinais por um longo período de tempo... Eu achei que uma carreira no serviço militar me livraria disso”. Adkins escreveu relatórios descrevendo a deterioração mental de Manning, mas não encaminhou a mensagem até depois da prisão dele.

Na primeira vez que conversamos, Gearhart, que agora está de volta à Nova York, tomando hormônios para sua transição e esperando lançar uma nova carreira como chef, estava vindo situação semelhante. “Eu não quero perder meus benefícios e eu não quero terminar com uma dispensa desonrosa”, ela disse. “Então eu fui forçada a viver uma mentira.”


*Adam Klasfeld é repórter do Courthouse News
**Brett Brownell é o Produtor Multimídia do Mother Jones


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