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260313 amarcord cItália - PGL - [José Paz Rodrigues] Seguindo o costume das últimas décadas de comemorar ao longo do ano dias mundiais dedicados a diferentes temas, no dia 27 de março celebra-se o Dia Mundial do Teatro. Esta vez com o formoso e fantástico filme «Amarcord» quero aproveitar para sensibilizar a nossa sociedade, e especialmente o mundo da educação, sobre a importância que o teatro tem em muitos aspetos da vida e na personalidade dos seres humanos.


Tanta, que ainda hoje não compreendo bem como não está generalizada a atividade teatral nos estabelecimentos de ensino. E como não tem um lugar preeminente no currículo e nos tempos escolares. A expressão dramática é sem dúvida alguma, a atividade mais completa que existe. Abrange todas as expressões possíveis do individuo. A verbal em primeiro lugar, tanto oral como escrita, como literária e comunicativa. A plástica, ao ter que desenhar decorados, trajos e disfarces. A musical, quando a encenação tem fundo musical e, por vezes, os atores se expressam cantando. A corporal, ao ter que pôr em funcionamento todos os membros do corpo, braços, pernas, cabeça, rosto, mãos e pés. Também a mímica, a psicomotricidade, o domínio do esquema corporal, o prazer de brincar... O teatro é além disso, a atividade lúdica mais extraordinária que existe e todos devemos saber que não há, para crianças e jovens, atividade mais educativa e completa que brincar.

Como se fosse pouco, a expressão dramática tem ainda um alto valor propedêutico e terapêutico. Gregos e romanos na antiguidade clássica utilizavam o teatro como terapia. Por meio do teatro nas aulas podemos resolver pequenas necessidades educativas especiais: alguns tipos de dislexia, problemas de fala, introversão e timidez. Podemos favorecer o nascimento de habilidades sociais, habilidades para relacionar-nos e comunicar-se e interatuar, para respeitar as diferenças, para adquirir valores humanos como a tolerância, a solidariedade e a identificação com os outros. Para a aquisição da autoestima e a superação de variados complexos. Aliás o teatro na escola também serve para trabalhar todas as áreas transversais, para fomentar a criatividade, para ensinar a utilizar o tempo livre de forma adequada, para aprender a cooperar trabalhando em grupo e para adquirir conhecimentos variadíssimos: literários e de idiomas, da cultura própria, éticos, artísticos, biográficos, históricos, etc. Por isso perguntamos: existe alguma outra atividade educativa tão valiosa e tão didática como o teatro?

Pedagogos e educadores tão insignes como Giner e Cossío da ILE, Tagore, Milani e Don Bosco tinham muito claro o valor pedagógico do teatro e o levavam à prática nas suas escolas. Como esse nosso grande educador que foi Andrés Manjón, que nas suas escolas granadinas do Ave Mariaensinava por meio de dramatizações e jogos dramáticos. Igual que, no seu dia na escola anexa de Ourense fazia o excelente mestre José Caseiro, do qual muito aprendi. Como também no Instituto Laboral de Lalim, onde se fomentava muito o teatro. Ainda lembro com carinho que, na minha primeira escola como mestre, a número 5 de Ourense em Marinha Mansa, em 1969, representei com os meus estudantes a peça de Tagore O Carteiro do Rei. Igual que lembro a Segundo Alvarado com o seu estupendo labor teatral que durante muitos anos desenvolveu na cidade de Ourense, deixando uma colheita humana difícil de superar.

Quando viajo a Portugal admiro o nosso país irmão em língua e cultura, porque em todos os estabelecimentos de ensino organiza-se teatro. Por mestres que o aprenderam antes na Escola Normal, na sua formação inicial de docentes. E agora, quando isto escrevo, que me encontro na terra de Tagore no seu centro educativo de Santiniketon, devo destacar também que em toda a Bengala, e quando falo desta terra estou a referir-me às duas Bengalas, a ocidental indiana e a oriental Bangladesh, o teatro (em Bangla “Natok”), é a atividade mais venerada, junto com a música. Aqui não existe lugar, por pequeno que seja, que não tenha um espaço teatral. Ademais o clima permite fazer teatro ao ar livre, debaixo de grandes árvores, existindo amplos cenários para as representações. Meu admirado Tagore foi um grande autor teatral e ele mesmo interveio em muitas montagens das suas obras como ator. As suas peças O Reino das Cartas (em Bangla “Taser Desh”), O carteiro do Rei, Chitra, Malini, O Rei e a Raínha e Sacrifício, podem ser facilmente representadas nas escolas, tal como ele o fez na sua Morada da Paz.

Na Galiza haveria que pôr a andar um projeto para estender a prática teatral em todas as escolas da comunidade. Projeto que teria que incluir o teatro de títeres, marionetas e fantoches, o mimo, o teatro lido e representado, o teatro de sombras, o teatro popular e cómico, as farsas, os jogos dramáticos e as dramatizações de contos, lendas e temas redigidos pelos estudantes. Recuperando também o teatro de Marinhas, Manuel Maria, Dieste, Casona, Tagore, Lauro Olmo, Varela Buxám, Bodanho, Fdez. Mazas, Blanco Amor e, entre outros, Manuel Lourenço. E as famosas e formosas farsas francesas medievais.

Ficha Técnica do filme:

Título original: Amarcord (Eu me lembro).

Diretor: Federico Fellini (Itália-França, 1973, 127 min., a cores).

Roteiro: F. Fellini e Tonino Guerra.

Música: Nino Rota. Fotografia: Giuseppe Rotunno.

Produção: Franco Cristaldi. Figurino: Danilo Donati.

Atores: Bruno Zanin (Titta Biondi), Pupella Maggio (Miranda Biondi, a mãe), Armando Brancia (Aurelio Biondi, o pai), Maria Beluzzi (a tabaqueira), Magali Noel (Gradisca, a cabeleireira), Josiane Tanzilli (Volpina, a prostituta), Giuseppe Ianigro (o avô de Titta), Ciccio Ingrassia (Teo, tio de Titta), Nando Orfei (Lallo, o «Pataca», o outro tio), Gianfillipo Carcano (Don Baravelli) e Luigi Rossi (advogado).

Prémios: Óscar ao melhor filme estrangeiro (1975), ao melhor diretor e melhor roteiro original (1976), Globo de Ouro ao melhor filme (1975), Prémio Bodil ao melhor filme europeu (Dinamarca, 1975), Prémio David de Donatello ao melhor filme e melhor diretor (Itália, 1974) e Prémio NYFCC ao melhor filme e melhor diretor (EUA, 1974).

Argumento: Através dos olhos da personagem Titta, Fellini revê a sua vida familiar, a educação, a religião e a política dos anos 30, na época do fascismo. Fala dos sonhos de um outro mundo, sonhos alimentados pelos turistas de um hotel de luxo, pelo cinema, pelo início do fascismo, pela chegada de um misterioso emir com as suas odaliscas, pelos filmes de Gary Cooper no cinema local, pela passagem dos grandes pilotos da tradicional «Mile Miglia» e por um transatlântico (o «Rex») que por ali passa. Entre as personagens estão o pai e a mãe de Titta; um padre que escuta confissões só para dar asas à sua imaginação anticonvencional; Gradisca, a cabeleireira; a mulher da tabacaria; Volpina a ninfomaníaca; o tocador de acordeão cego, entre outras personalidades da localidade, que pode ser Rímini, lugar natal do diretor. Durante o filme é possível perceber duras críticas ao regime de Mussolini. Numa das sequências, Fellini retrata a nociva influência do fascismo ao mostrar o vilarejo reunido para um passeio em homenagem ao «Duce», mas que é coberta por uma escura e grossa cortina de fumo. Noutra sequência, a educação fascista é amostrada como intensamente preocupada com a ordem e a forma quando os professores elogiam a disciplina dos jovens, que são obrigados a fazerem saudações com armas e bambolês repetidamente. A paranoia e a brutalidade do regime também são criticadas quando o pai de Titta é torturado e interrogado por supostamente tocar a Internacional num gramofone.

Um filme que amostra «o teatro da vida»:

De maneira magistral, como é típico no cinema do grande diretor italiano Fellini, tal como uma criança, não faz juízo de valor daquilo que nos amostra. A sua posição em relação a certos temas permanece na maioria das vezes implícita. Mesmo ao retratar as manifestações de estima da população em relação ao governo, que este filme retrata de forma tão bela, tão teatral e tão cheia de magia, percebemos mais inocência do que cumplicidade, no entanto tal inocência não está no ato da população em si, mas no olhar que a observa. É esta perspetiva, que parte do olhar de menino do cineasta, que fez deste filme um clássico, não importa se ele não tem uma trama linear ou se os seus personagens não vivem dramas dignos de uma epopeia. O que importa é a vida que emana de cada fotograma, de cada rosto e da simplicidade de cada diálogo. Na visão onírica, tipicamente felliniana, cousas simples como celebrar a chegada da primavera ou o casamente de um habitante local, tornam-se feitos dotados de uma grandiosidade e significação profunda, que ninguém é capaz de alegar o contrário.

No filme, o decorrer do tempo tem um papel importantíssimo, o diretor faz questão de salientar que, assim como nos sonhos, a perceção temporal pode ser mais introspetiva do que imaginamos, sendo assim, o que importa não é quantos meses se passaram de um evento retratado a outro, mas de que maneira a população e consequentemente sua memória afetiva foi afetada por esta passagem de tempo. Por isso Fellini faz questão de demarcar o que a chegada de cada estação representa para cada uma das personagens e para a população como um todo, seja através das festividades locais ou da mudança na rotina devido ao clima e à natureza. O desfile na tela de muitas figuras grotescas, como um «teatro da vida», constitui uma ebulição eufórica de sentimentos e sensações, uma verdadeira ode à vida e à valorização da gente simples e de seus costumes e tradições. A singeleza e paixão que conduzem as recordações de Fellini sobre a sua própria infância, que mesmo pode ser a nossa, são a base do roteiro e compõem um contraponto com outros de seus filmes, evidenciando que naquele momento o cineasta tinha vencido algumas de suas antíteses e que a síntese de sua própria vida estava impressa nesta que é uma das suas obras mais autênticas. Nesse ponto se encontra a grande magia do cinema presente em Amarcord. Fellini consegue fazer com que nós, meros espetadores distantes de sua realidade, presenciemos as mesmas situações que ele presenciou durante a sua vida, e com o mesmo olhar de inocência e confusão. Somos como crianças ali, achando tudo muito difícil de entender, mas ao mesmo tempo sedentos em descobrir mais e mais a respeito de tal universo encantador. É um retrocesso até mesmo em nossas próprias lembranças.

Amarcord é, à primeira vista, um filme simples, quase singelo, mas, na verdade, é um concerto sinfónico, em que cada um dos instrumentos cumpre modestamente o seu papel. É a soma de todos esses timbres que fornece a essência mágica do produto final. Ao mesmo tempo de ser um filme intimista, sobre um jovem que se descobre a si mesmo, também é um filme político, sobre a Itália fascista, sobre a alienação de um povo, sobre a preguiça latina, sobre a acomodação dos seres humanos a regras estúpidas, formuladas por seres humanos igualmente estúpidos, mas muito poderosos, capazes de criar os eficientes signos fascistas e gerar líderes monstruosos como Mussolini.

Fellini dizia que se o cinema não existisse, ele provavelmente seria promotor de circo. Eu digo que, ou de teatro, pois suas obras são enormemente teatrais, com toda essa magia que tem sempre a expressão dramática. Simples deste jeito, transformando os seus filmes no seu espetáculo com cada cena, ou pedaço de lembrança, uma das atrações. Mas, além de fazer dos seus filmes espetáculos, circenses ou teatrais, consegue de forma muito brilhante inserir reflexões e críticas sobre religião, política, família ou educação. Neste último senso são de destacar em Amarcord as sequências relativas à escola e aos docentes da época, com uma muito acertada caricatura dos mesmos, do seu modelo didático, naturalmente autoritário e repressivo. Que também nos traz lembranças das nossas escolas durante a ditadura. Amarcord é um filme eterno, um retrato histórico, sem perder atualidade, uma grande brincadeira, fruto total e genial de uma mente não menos brilhante que mostrou ao mundo uma maneira absolutamente peculiar de se ver e de retratar a realidade. Valendo-se também de umas geniais música e fotografia, muito adequadas às histórias que aparecem no filme.

Temas para fazer, debater e refletir:

Celebrar nos nossos estabelecimentos de ensino o Dia Mundial do Teatro organizando montagens teatrais, teatro lido ou representado, encenação de contos ou lendas da nossa literatura popular tão rica, dramatizações, teatro de fantoches e jogos dramáticos.

Depois de ver o filme, debater em cinema-fórum os seus aspetos formais (planos, sequências, movimentos de câmara, panorâmicas horizontais e verticais, jogo com o tempo e o espaço...), e os conteúdos, como a crítica social, os papéis das personagens e o teatro da vida que se manifesta no mesmo.

Organizar nas escolas da nossa comunidade, modelo que pode projetar-se a outros lugares e países, clubes e oficinas (obradoiros) de expressão dramática, com seções de teatro escolar e teatro de fantoches. Nos mesmos podem elaborar-se fantoches para as diferentes obras e trajos para as montagens teatrais que se decidam organizar. Também se podem organizar periodicamente amostras teatrais a levar por locais, bairros e associações de todo o tipo.


José Paz Rodrigues é académico da AGLP, didata e pedagogo Tagoreano.


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