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130116 notaChina - O Diário - [Alberto Cruz] A correlação de forças no plano da economia mundial continua a alterar-se em desfavor dos EUA e da UE. Os EUA tudo têm feito para que essa alteração não se reflicta em instituições internacionais que têm funcionando como instrumentos da sua dominação, nomeadamente o FMI.


Mas outras potências económicas estão a caminho de não apenas prescindir do FMI, mas de prescindir do dólar como moeda de intercâmbio comercial e de crédito.

O Fundo Monetário Internacional anunciou em 1 de Dezembro de 2015 o que era esperado depois da humilhação a que China havia submetido os EUA (1) com a criação do Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas (BAII): a incorporação do renmimbi ou yuan no cabaz de reservas – junto ao dólar, o euro, o yen e a libra esterlina -, ou seja, as moedas que o FMI utiliza como activos internacionais, naquilo que pressupõe o reconhecimento do poder da China na economia mundial. Isto significa que o cabaz do FMI ficará a partir de agora composto por 47,7% de dólares, 30,9% de euros, 10,9% de renmimbis, 8,3% de yenes e 8,09% de libras esterlinas.

O FMI, sob pressão dos EUA, levava cinco anos negando-se a aplicar o acordo ao qual se chegara (também no Banco Mundial) para outorgar mais poder às chamadas “economias emergentes”, em virtude do qual a China se tinha que converter no terceiro maior contribuinte do FMI, atrás de EUA e Japão. Isso em 2010, quando a China não era ainda a primeira potencia económica do mundo. Não obstante, a China sempre aceitou esse acordo ainda que, segundo as próprias regras do FMI, tivesse que ter um papel superior ao Japão.

Durante este tempo, a China aguardou pacientemente que o acordo fosse cumprido, embora a paciência tenha um limite e este, ante a inacção do FMI, chegou com a criação do BAII. Foi em Abril de 2015. Então sim, então o FMI decidiu aplicar o acordo embora tenha tentado uma última manobra: atrasar até Novembro de 2016 a incorporação da moeda chinesa. Mas os chineses mantiveram-se inflexíveis e o resultado está aí.

De modo que o FMI teve que reajustar as quotas dos países membros, segundo eles “tendo em conta as alterações de posições na economia mundial”, algo que, como já se disse, não corresponde sequer à realidade porque a China teria que ter uma representação superior à que lhe foi atribuída.

O FMI fê-lo à sua maneira, ou seja, mantendo a maioria de bloqueio dos EUA. Assim, os EUA vêm reduzido o seu poder de 16’7% a 16’5% - com uma redução igualmente mínima do seu capital social - pelo que conservam o seu poder de veto e a sua influência em qualquer decisão do FMI. O Japão fica como estava, com 6’07% do voto, a China passa de 3’8% a 6% e o renmimbi é incluído no cabaz de moedas, e o perdedor evidente é a União Europeia, que volta a evidenciar o seu nulo papel no mundo e a sua vassalagem relativamente aos EUA.

Para que a China subisse alguém teve que baixar, e foram principalmente Bélgica (0’59%), Holanda (0’34%), Grã-Bretanha (0’28%), França (0’28%) e Suíça (0’24%) quem teve que ceder maiores quotas de poder dentro do FMI. Ou seja, que só estes cinco países perderam 1’47% dos seus votos no FMI a favor da China. O mesmo há a dizer do resto dos países europeus.

Mas a China não foi o único país a subir a sua quota, também a Rússia, India e Brasil têm um pouco mais de poder pelo que os BRICS – que também aprovaram pôr em marcha o seu próprio banco, que começará a conceder créditos em Março deste ano de 2016 - são algo mais que umas “economias emergentes” e têm um papel claro a desempenhar nas finanças e na geopolítica mundial. Há que dizer que a Rússia não fez o menor gesto para aumentar a sua quota no FMI – de facto, baixa percentualmente embora suba proporcionalmente em resultado da diminuição da quota da UE – porque, após a criação do Banco dos BRICS e do BAII, dá esta instituição por morta.

Juntamente com a União Europeia, outros “danificados” pelas novas quotas foram Canadá, Austrália e Arabia Saudita, ou seja, os também tradicionais vassalos dos EUA. É de supor que as contas que todos eles fizeram tenham sido bem simples: já que não riscamos nada e que China tem que estar – e os outros países do eixo BRICS - porque em caso contrario se fortalecerão as novas instituições que o país asiático controla (como o BAII ou o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS) ao menos que o nosso patrão, ou seja os EUA, continue a controlar as rédeas do FMI.

Isto ficou exemplificado com toda a crueza pouco depois da adopção destas mudanças: o FMI violou o seu próprio código e as suas próprias normas ao mudar (8 de Dezembro) as regras segundo as quais se concedem empréstimos aos países. Foi o caso da Ucrânia, país a quem foi permitido o não pagamento da dívida que tem com a Rússia (3.000 milhões) porque essa dívida é em dólares. Tinha decorrido apenas uma semana. O que não foi aceitável para a Grécia, por exemplo, foi-o para a Ucrânia. Os EUA mandam, os demais obedecem.

A norma própria que o FMI violou é que não se concedem facilidades nem novos empréstimos a governos que estejam em suspensão técnica de pagamentos no caso de dívidas contraídas com outros governos.

A justificação não poderia ter sido mais trapalhona, ao mesmo tempo que clara: “A China está a conceder empréstimos a países de todo o mundo como alternativa aos do FMI e à sua política de austeridade e embora isso não suponha que [a China] frustre os empréstimos do FMI para o desenvolvimento das economias de todo o mundo, era necessário delinear uma política para bloquear acordos comerciais e financeiros fora do controlo estado-unidense, assim como para mostrar que se protegem os aliados” (2). O precedente é claro: o FMI outorga facilidades de pagamento aos credores ocidentais enquanto em outros casos (agora a Rússia, amanhã a China) não será assim.

Adeus ao dólar

China e Rússia sabem que, apesar das modificações imperativas que teve que aceitar, o FMI permanece nas mãos dos EUA, pelo que a ambos apenas lhes resta um caminho: acelerar a desdolarização das suas economias. E com a nova constatação de que com o FMI, após a violação das suas próprias normas no caso da Ucrânia, já não é possível fazer nada, puseram mãos à obra, se possível, ainda com maior frenesi.

A Rússia é quem está a dar os passos mais rápidos nesse sentido. Em primeiro lugar, ofereceu à China a venda do seu petróleo e gás em renmimbis ou yuans e os chineses aceitaram (18 de Dezembro). É desnecessário dizer que a China venderá na mesma proporção os seus produtos em rublos. Ao mesmo tempo, os dois países acordaram que os yuans ou renmimbis podem converter-se em rublos. Ou seja, adeus ao dólar. Isso vai supor que quando em 2017-2018 estejam operacionais o gasoduto e o oleoduto entre os dois países – que têm fronteira comum, pelo que não há perigo de bloqueios como sucede com o gás que a Rússia vende à UE e que passa pela Ucrânia -, através dos quais a Rússia vai fornecer 30% do petróleo e do gás de que a China necessita - ¡durante 30 anos! – começarão a desaparecer do mercado, num prazo de três anos, 900.000 milhões de petrodólares, segundo estima Goldman Sachs (3). O nome dos prejudicados é muito fácil de adivinhar: EUA e Arabia Saudita. E, por tabela, toda a economia ocidental.

Há que ter em conta que, sem estarem ainda em funcionamento o oleoduto e o gasoduto, o intercâmbio em yuans e rublos foi em 2015 equivalente a 3.000 milhões de dólares, de modo que se pode imaginar como será espectacular, e rápido, o aumento do comércio nas duas moedas quando tudo estiver operacional.

A China não fica atrás nos movimentos de desdolarização, embora vá por outro caminho. Quer demonstrar ao mundo que não é como os EUA e decidiu pregar através do exemplo: ao estabelecer formalmente em Pequim o BAII (25 de Dezembro) reduziu a sua quota de participação para 30’04%, sendo seguida pela India com 8’4% e Rússia com 6’5%. Além disso, renunciou ao direito de veto. India e Rússia têm respectivamente uma participação quatro vezes e três vezes maior do que a que têm no FMI. Não é difícil, portanto, adivinhar aonde vão dirigir-se na hora de solicitar empréstimos, que estarão operativos no verão de 2016. E dado que a moeda será o renmimbi, dá-se ao dólar outro empurrão em direcção ao abismo.

Devolver os golpes

China e Rússia estão a devolver os golpes aos EUA. Um a um. E estão a fazer o mesmo que os EUA sempre fizeram: usar os vínculos comerciais (e agora, creditícios) para cimentar a sua diplomacia geopolítica. A “nação indispensável” (EUA) cada vez o é menos e em vez de uma surgiram duas e, inclusivamente, um continente “indispensável”: Eurásia.

Para que fique claro o que está a passar-se, China e Rússia acordaram aumentar a sua cooperação em investimentos, recursos mineiros, petróleo, gás, área nuclear, área aeroespacial, agricultura, finanças e tecnologia militar e dar um maior impulso à Organização de Cooperação de Shanghai.

Uma das primeiras manifestações deste impulso foi a viagem surpresa ao Paquistão que o presidente da India realizou em 26 de Dezembro. Embora breve e quase protocolar, é a primeira vez que se produz em anos, e a OCS, que no mês de Junho aceitou os dois países como membros de pleno direito, teve uma participação no mesmo. A OCS aceitou-os então com o argumento de que eram imprescindíveis na Eurásia e com o objectivo declarado de reduzir a tensão entre ambos. O primeiro movimento foi um completo êxito; o segundo também o será e de uma envergadura muito maior: a aceitação do Irão como membro de pleno direito. A OCS já anunciou que o fará na sua próxima reunião do verão de 2016.

Temos então outro país importante em liça: o Irão. Cortejado tanto pela China como pela Rússia, é esta quem dá a mão aos persas. Não apenas acaba de lhes fornecer os misseis S-300 que o Irão tinha comprado em 2010 e que não tinham sido fornecidos em virtude das sanções da ONU – que ainda não foram levantadas -, como acaba de assinar um acordo para cessar os pagamentos em dólares no comércio bilateral.

Em virtude deste acordo (27 de Dezembro) o Banco Central do Irão utilizará nos seus intercâmbios comerciais tanto o yuan como o rublo e vão estabelecer contas conjuntas nos respectivos bancos centrais para facilitar o comércio entre os dois países tanto em rublos como em riais, a moeda iraniana.
A conclusão de todos estes movimentos por parte de China e Rússia é clara: à medida que são procurados menos dólares há uma redução do valor de câmbio dessa moeda, o que traduzido significa que veremos um dólar cada vez mais débil. E, pelo contrário, quando os países começarem a exigir uma determinada moeda nos mercados de divisas (como está sucedendo com o renmimbi ou yuan) o valor dessa moeda aumenta. Um elemento vital para manter o dólar forte é o comércio do petróleo na moeda estado-unidense, os famosos petrodólares. Com a redução que Goldman Sachs vaticina, a guerra de divisas já começou.
China e Rússia (e Irão) não começaram esta guerra. Foram os EUA quem a começou impulsionando as sanções contra o Irão (como antes com a guerra de invasão e ocupação neocolonial do Iraque em 2003 porque desde três anos antes Saddam Hussein decidira deixar de utilizar o dólar como moeda no comercio do petróleo e tinha-o substituído pelo euro, apesar de não poder comerciar abertamente dado que o país estava sujeito a um embargo da ONU) tal como está agora a fazer com as sanções contra a Rússia com a justificação do apoio aos antifascistas do Donbass ucraniano e a anexação da Crimeia. Os EUA vão a curto prazo sofrer os efeitos da sua própria medicina. A longo prazo, nem se fala.

Foi a China quem salvou a Rússia do desastre quando o Ocidente impôs as suas sanções em finais de 2014. O rublo entrou em queda, a economia russa cambaleava quando o preço do barril de petróleo começou a baixar, mas aí estava a China. Portanto, tudo o que está a suceder é consequência da ambição dos EUA de continuar a hegemonizar um mundo que se lhe escapa como água entre os dedos.

A reconfiguração da nova ordem financeira internacional é evidente, embora com a incorporação do yuan ou renmimbi no cabaz de moedas de reserva do FMI esta instituição, aparentemente, cobre nova vida. Em qualquer caso, será efémera. Apenas o tempo de que China e Rússia necessitam para colocar a todo o rendimento as novas estruturas que começarão a rodar em 2016: o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS e o BAII.

Se a isso juntarmos que os dois países estão a trabalhar no seu próprio sistema SWIFT (Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais), embora o mais avançado seja o russo e os seus bancos já o estão utilizando como rodagem junto de vários bancos chineses, o círculo fecha-se dado que, uma vez que tudo esteja em funcionamento o passo lógico é que os bancos dos países BRICS se juntem a este SWIFT alternativo ao ocidental e os bancos africanos seguirão na sua esteira.

A hegemonia ocidental agoniza, por muito que se tentem remédios para prolongar essa agonia. Este 2016 vai ser o ano chave para a nova ordem financeira internacional que deixa o Ocidente à margem.

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Notas:
(1) Alberto Cruz, “China humilla a EEUU y marca el ritmo en la nueva geopolítica”, http://www.lahaine.org/mundo.php/china-humilla-a-eeuu-y
(2) The Wall Street Journal, 9 de Dezembro de 2015.
(3) Goldman Sachs, 18 de Dezembro de 2015.


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