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071214 petrO Diário - [Julio C. Gambina - 29/11/14] No panorama da produção energética mundial assiste-se a uma complexa guerra em torno dos preços – em baixa - e da produção – em alta.


Com tal estratégia, os EUA pretendem asfixiar países que dependem da sua factura petroleira como a Rússia, a Venezuela ou o Irão. Mas com os preços baixos inviabilizam economicamente a sua aposta na produção de não-convencionais (shale), e entram em conflito com a sua aliada Arábia Saudita.

Por volta de Julho de 2008 o barril atingiu os 150 dólares e agora ronda os 70 dólares [1], com um prognóstico instável, embora a Agencia Internacional de Energia (AIE) projecte, a longo prazo, a recuperação dos preços e os vaivéns da liderança produtiva entre os EUA e o Médio Oriente [2].

Em pano de fundo está a crise energética dos EUA nos anos 70, que fez disparar os preços do petróleo e com eles o fenómeno da especulação financeira e o deliberado sobreendividamento dos países do sul do mundo. Junto a esses fenómenos desenvolveu-se o acréscimo da militarização mundial na disputa pelos hidrocarbonetos, os territórios e a dominação das populações, especialmente a partir de Washington.

A resposta estado-unidense à sua crise energética (os EUA mundializaram-na) resolveu-se comprando e ocupando, manipulando e tentando a dominação militar, económica e ideológica sobre o planeta, enquanto procurava respostas para a sua crise produtiva de hidrocarbonetos, exacerbada por um agigantado consumo energético sem limite, convalidando a destruição e a contaminação depredadora da natureza. Ao mesmo tempo alentou-se a agro-energía e 30% do milho estado-unidense, o maior produtor mundial de milho rubro, tem destino à produção de combustível, competindo com a capacidade de alimentação e associando crise energética a crise alimentar, e juntando-lhes a crise ambiental.

Assim, a produção de hidrocarbonetos e de alimentos transformou-se em produção e comercialização de "commodities", com o lucro e a acumulação como objectivo central, desviando a energia e os alimentos do seu sentido principal de satisfactor de necessidades sociais. De um direito a uma mercadoria como processo sem fim. Ambas as crises são parte da crise civilizacional em curso, onde o económico-financeiro é apenas a parte mais visível de um fenómeno que é social, político e cultural, estrutural e sistémico, que apenas pode solucionar-se superando o capitalismo e que, claro, as classes dominantes impulsionam no sentido da liberalização.

A crise energética tornou-se mundial na presente crise desde 2007-8, pelo que não surpreendeu a escalada dos preços face ao pico da produção e ao questionamento da capacidade mundial de descobrir, explorar e apropriar reservas de hidrocarbonetos. A procura de hidrocarbonetos tornou-se mais dispendiosa, especialmente com os não convencionais (shale), que multiplicam o custo de produção relativamente aos convencionais. Estes têm um custo que pode oscilar em torno dos 10 ou 20 dólares o barril, segundo informa a AIE, enquanto aquelas podem remeter para custos superiores aos 70 ou 80 dólares, os valores actuais.

São todos números que variam de um território a outro, segundo a maior ou menor dificuldade para a exploração, o que convoca a pensar que para a produção dos não convencionais faz falta um fortíssimo suporte económico-financeiro de subsídio, que apenas pode sustentar-se a partir do poder de Estado. É algo que o keynesianismo resolveu há mais de 8 décadas e, mesmo entre quem sustenha a liberalização da economia, ninguém na ordem capitalista duvida da importância da intervenção estatal para sustentar a produção gasífera e petroleira. Não existe limite ideológico para subsidiar as transnacionais do petróleo, especialmente para defender a geopolítica do imperialismo. É isto que os EUA fazem e o que ocorre em toda a geografia do mundo.

Com a exploração do shale, dos hidrocarbonetos não convencionais, e a fractura hidráulica (fracking), os EUA desafiaram os seus limites energéticos e pretendem resolver a sua crise energética no curto e no médio prazo, não apenas incrementado a sua produção, mas transformando-se em 2015 no primeiro produtor mundial de petróleos, segundo o citado recente informe da AIE. O tema foi analisado há tempos pelo especialista mexicano John Saxe-Fernández na Revista da Fisyp [3], colocando grandes interrogações acerca dos custos de produção e dos gigantescos subsídios estatais para assegurar a hegemonia estado-unidense a partir do controlo da produção do insumo estratégico por excelência.

Mas que ocorre na conjuntura, com preços em baixa, dificultando a produção dos hidrocarbonetos não convencionais. O tema concita atenção mundial e existem análises sugerindo conspirações cruzadas.

Por um lado os EUA, com a alta da produção associada ao apoio a uma elevada extracção por parte da OPEP, pretendem afogar económica e financeiramente países dependentes do rendimento da sua factura de hidrocarbonetos, casos da Rússia, Venezuela ou Irão. Claro que isso conspira contra a sua própria estratégia associada ao shale, com custos nesta altura em novo limite em baixa de preço de crude. Nessa estratégia poderia assumir-se a Arabia Saudita, o principal produtor mundial que, por outro lado, aponta para dificultar a competição global estado-unidense na perspectiva de 2015-2020 em que, segundo a AIE, os EUA poderiam converter-se no principal produtor mundial de hidrocarbonetos. A OPEP acaba de definir a continuidade da produção segundo os parâmetros actuais, em acordo com a Arabia Saudita e contrariando as aspirações da Venezuela ou do Irão. A decisão aponta a debilitar os seus competidores, especialmente os EUA.

Desatou-se outra guerra pelo petróleo?

Eis uma interrogação que se junta a outras guerras, a monetária, a comercial, ou outras que animam a continuidade da crise mundial del capitalismo. Definitivamente, a discussão dos anos 70´ regressa em outro cenário, de agravamento da crise mundial do capitalismo, com o seu capítulo energético que tem impacto em múltiplos processos, sejam da agricultura, da industria, do comercio e dos serviços, e obviamente no conjunto do modelo produtivo e de desenvolvimento que se repercutem no meio ambiente e na vida no planeta.

Um problema singular é a Argentina, com uma factura de importação de combustíveis de 12.000 milhões de dólares anuais e uma balança comercial com um deficit próximo dos 7.000 milhões de dólares. A baixa do preço do petróleo reduz o custo das importações embora distancie a expectativa assente na exploração dos não convencionais, rentáveis a um preço superior ao actual.

É uma má notícia para os que, face à ausência de divisas por investimentos ou empréstimos, esperavam resolver com investimentos petroleiros os limites do capitalismo local.

Trata-se de um problema estrutural, e convoca a discutir a crise petroleira global e local a partir da discussão do modelo produtivo e de desenvolvimento, questionando o para quê da energia e do petróleo, e a partir daí definir o sentido de um novo modelo sustentado na satisfação das necessidades sociais e não na expectativa de lucros e de acumulação das transnacionais da energia e do petróleo.

Não é apenas a Argentina que tem que discutir o impacto da crise energética e os preços internacionais, mas é toda a região latino-americana e caribenha que deve estruturar uma resposta comum centrada na defesa da soberania energética, articulada com uma proposta de soberania alimentar, financeira para outro projecto de país e região na perspectiva da emancipação e da libertação.

Notas:

[1] http://www.preciopetroleo.net/.

[2] http://www.iea.org/newsroomandevents/pressreleases/2014/november/signs-of-stress-must-not-be-ignored-iea-warns-in-its-new-world-energy-outlook.html.

[3] John Saxe-Fernández, EXPLOTACIÓN DE FÓSILES NOCONVENCIONALES EN ESTADOS UNIDOS. LECCIONES PARA AMÉRICA LATINA. Em Periferias 21, Revista de la Fisyp. 

Julio C. Gambina é doutor em Ciências Sociais pela Faculdade de Ciências Sociais da UBA. É professor de Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade Nacional de Rosario, presidente da Fundação de Pesquisas Sociais e Políticas (Fisyp) e fez parte do Comitê Diretor do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais – Clacso (2006-2012). Participa também do Conselho Acadêmico da ATTAC-Argentina e dirige o Centro de Estudos Formação da Federação Judicial Argentina.


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