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capitalResistir - [Prabhat Patnaik, Coples Democracy - 16/11/14 ] A mudança da natureza do Estado sob o neoliberalismo tem sido muito discutida.


Posicionando-se a princípio aparentemente acima da sociedade e fazendo mediação entre as diferentes classes, assim como sob o dirigismo (apesar de ser um Estado conduzido também pela grande burguesia), sob o neoliberalismo o Estado passa a promover primariamente os interesses da oligarquia corporativo-financeira (a qual está integrada ao capital financeiro internacional), sob a alegação de que o que é bom para esta oligarquia é ipso facto bom para a nação. A completa unanimidade entre Arun Jaitley e P. Chidambaram, numa cerimónia recente em Delhi onde ambos estiveram presentes, acerca da questão da "tributação retroactiva", à qual ambos se opunham porque reduzia "incentivos" para os capitalistas, só vem confirmar esta tese.

Da mesma forma, a mudança nas feições do Estado sob o neoliberalismo tem sido muito discutida. O enorme aumento em despesas eleitorais que assegura que partidos de trabalhadores pobres tenham maior dificuldade em obterem representação nos parlamentos, os quais portanto são preenchidos cada vez mais por bilionários ou por eleitos corporativos, constitui uma mudança óbvia. Narendra Modi, que segundo se diz gastou mais do que Obama na sua campanha para primeiro-ministro, não podia ter avançado tanto sem apoio corporativo maciço, o qual não surpreendentemente tem agora de retribuir uma vez no poder: em suma, as feições do segmento eleito do governo experimentam uma mudança sob o neoliberalismo, com favoritos corporativos ficando melhor representados.

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E mesmo a burocracia experimenta um mudança, não apenas pelas razões discutidas por Hilferding e Lenine, a saber, sua "união pessoal" com a oligarquia financeira, que se deve entre outras coisas a boas ofertas de emprego pós (ou mesmo pré) aposentação por parte do sector corporativo, mas também por uma razão adicional: a burocracia obtém cada vez mais "treino" directamente de agências como o Banco Mundial, ou através de arranjos efectuados por agências como o Banco Mundial em universidades metropolitanas "de prestígio" como Harvard e Yale onde absorvem a ideologia neoliberal in totum.

Entretanto, além desta mudança na natureza e feições do Estado, também se verifica uma mudança na sua anatomia, isto é, na sua organização interna e na distribuição de poderes. Há pelo menos cinco diferentes aspectos aqui envolvidos, os quais discutiremos em sucessão.

A primeira mudança é a introdução da autonomia do banco central. Isto ainda não aconteceu formalmente na Índia, mas o facto de que a mesma pessoa nomeada como governador pelo governo anterior continue a manter o posto ainda agora, fazendo o que estava a fazer anteriormente e o que a sua própria preferência determina, é sugestivo da sua autonomia de facto e a da instituição que chefia. Em outros países tal autonomia foi institucionalizada mais formalmente, o que significa que todo um conjunto de políticas que o banco central tem a prerrogativa de definir é decidido independentemente da vontade dos parlamentos e portanto dos representantes do povo. O povo pode eleger um novo governo, mas este nada terá a dizer sobre a política cambial, a política monetária e a política de crédito, as quais têm um impacto vital sobre as vidas das pessoas. E mais ainda: uma vez que uma economia neoliberal está exposta a fluxos de capitais mais ou menos livres, estas políticas são determinadas pelo banco central autónomo a fim de atender às exigências da finança globalizada.

Por outras palavras, as políticas do banco central são isoladas das vontades do povo e definidas de acordo com as exigências do capital financeiro. Isto, sem dúvida, seria o caso pouco importando se o banco central desfruta ou não de autonomia, enquanto a economia permanecesse aberta a fluxos financeiros globais. Por que então, pode-se perguntar, faria alguma diferença a autonomia do banco central? A razão é que tal autonomia torna ainda mais difícil a imposição de controles de capitais, colocando um fardo adicional, na forma de um banco central autónomo, a ser ultrapassado antes que tais controles possam ser postos em prática.

A segunda mudança é uma transformação completa nos poderes relativos dos departamentos do governo, com o ministro das Finanças a emergir como um super-ministro, o qual adquire um poder de veto sobre as propostas dos outros ministros e cujos representantes tomam parte em todo comité decisório de todos os outros ministérios. Na Índia, a Comissão de Planeamento desfrutara de um status proeminente desde os dias do planeamento nehruano e a sua continuação era um desafio à emergência e uma estrutura neoliberal do Estado. Este desafio foi ultrapassado sob o governo Manmohan Singh ao conseguir que um empregado do Banco Mundial que anteriormente fora o ministro das Finanças indiano encabeçasse a Comissão de Planeamento. Sob o actual governo isto foi ultrapassado pela abolição da Comissão de Planeamento, a qual tem pouco a ver com excentricidades de Modi – faz parte da formação de uma estrutura de Estado neoliberal.

A terceira e mais significativa característica da estrutura de Estado neoliberal é que tanto o banco central, que se torna autónomo, como o Ministério das Finanças, que emerge como super-ministério, são encabeçados e manejados por empregados do Banco Mundial, do FMI ou de bancos multinacionais. O que isto implica, em suma, é que dentro do Estado como um todo, surge uma entidade núcleo, um Estado dentro de um Estado, o qual está especialmente preocupado com assuntos económicos, mas não apenas com tais assuntos (uma vez que "segurança" e relações com o imperialismo e o capital financeiro internacional também caem dentro do seu âmbito).

Esta entidade é todo-poderosa; ela não responde ao povo; ela não é removível pelo voto popular; e ela está estreitamente ligada ao imperialismo. (Não é de surpreender que o vice-presidente da Comissão de Planeamento sob o governo Manmohan Singh, cujas responsabilidades oficiais têm pouco a ver com o assunto, estivesse envolvido, presumivelmente como membro deste "Estado núcleo", nas negociações com os EUA sobre o acordo nuclear indo-estado-unidense.

Muitos, no contexto dos EUA, escreveram acerca de um "Estado Profundo" ("Deep State"), o qual é perigosamente todo-poderoso, não responde a ninguém, invisível para quem está do lado de fora e ligado a poderosos interesses dos negócios, estando embebido dentro do Estado. Não importando como se encare o conceito específico do chamado "Estado Profundo" dentro dos EUA, existe dentro de todo Estado neoliberal uma tendência para a cristalização de uma entidade núcleo, a qual é todo-poderosa, infensa a qualquer controle democrático e ligada ao big business e interesses financeiros.

A quarta mudança relaciona-se à tendência para entrar em tratados externos sobre questões económicas cruciais ligadas ao comércio, fluxos de capital e direitos de propriedade intelectual, os quais, afirma-se, não têm de ser ratificados pelo parlamento. O país, por outras palavras, sempre que tais tratados entram em vigor, é apresentado diante de um facto consumado acerca do qual os representantes eleitos do povo pouco podem fazer mas que têm uma influência importante sobre as vidas do povo.

Foi o que aconteceu em relação à Lei Indiana de Patentes de 1970, a qual tinha de ser tornada compatível com o TRIPS , muito embora numerosos comités parlamentares tenham recomendado especificamente que o regime de patente estabelecido sob essa lei, a qual fora louvada internacionalmente por pensadores progressistas independentes como modelar, não deveria ser mudada. Mas ela teve de ser alterada porque o país entrou no acordo TRIPS por uma decisão unilateral do executivo, o qual em momento algum pediu qualquer aprovação parlamentar porque dizia não ser preciso.

HEGEMONIA IRRESTRITA DA OLIGARQUIA CORPORATIVO-FINANCEIRA

O Acordo Nuclear Índia-EUA foi outro exemplo de um tratado assinado unilateralmente pelo executivo sem que o assunto fosse ao parlamento e sendo apresentado ao país um facto consumado elaborado pela entidade núcleo dentro do Estado neoliberal.

A quinta mudança agora é iminente na forma de acordos internacionais tais como o Trans Pacific Partnership ( TPP ) e Transatlantic Trade and Investment Pact ( TTIP ). Estes tratados específicos não consideram a Índia directamente, mas representam um novo aspecto do Estado neoliberal de que deveríamos ter consciência uma vez que acordos semelhantes provavelmente irão confrontar-nos nos próximos tempos. Eles retiram todo um conjunto de assuntos completamente fora do âmbito do Estado-nação e delegam-nos a corpos supranacionais formados especificamente para o efeito. Uma nação signatária de um tal acordo terá de abandonar toda jurisdição nacional em matérias como tratar o investimento estrangeiro e terá de ficar prisioneira de decisões dos corpos judiciais supra-nacionais estabelecidos sob o acordo.

Se se supõe que nem mesmo a entrada num acordo como esse precise da ratificação parlamentar do país, então temos um exemplo perfeito da entidade núcleo dentro de um Estado neoliberal a dirigir um golpe de estado contra a "soberania popular" tal como lavrada na Constituição. Ele teria transferido poderes soberanos para um corpo supranacional sem o consentimento dos representantes do povo, muito embora tal transferência colida fortemente com a vida do povo.

Mas mesmo que seja considerada necessária a ratificação parlamentar, não seria difícil obter tal ratificação na base de "manobras de bastidores", uma vez que envolveria um mero voto apenas uma vez: num caso assim a Constituição do país teria sido reduzida através de uma simples votação única no parlamento obtida através de "manobras de bastidores".

O Estado neoliberal, ou o Estado na era da hegemonia do capital financeiro internacional, é cada vez mais moldado de uma maneira que restringe a "soberania popular" de todos os modos concebíveis. Sua tendência essencial é para reduzir a democracia e estabelecer, mesmo que forçosamente dentro de um envoltório aparentemente democrático, a hegemonia irrestrita da oligarquia corporativo-financeira. Para atingir esta finalidade muda também a estrutura interna, a anatomia, do Estado. Um ressuscitar da própria democracia exige a transformação da estrutura de Estado criada pelo neoliberalismo.

Prabhat Patnaik é economista, indiano.


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