1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (0 Votos)

220914 ceUnião Europeia - Resistir - [Mark Bergfeld] A reputação da Comissão Europeia é terrível. Tecnocratas e burocratas sem rosto dominam a perceção pública. Estão ausentes a responsabilização e a legitimidade. Então porque é que a Comissão rejeitou a última Iniciativa de Cidadania Europeia e cava agora a sua sepultura?


Segundo a Comissão, a Iniciativa de Cidadania Europeia sobre o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (APT) e sobre o Acordo Económico e Comercial Global (AECG) – apoiada por mais de 250 organizações da sociedade civil em 21 estados membros – não está qualificada para ser ouvida. Numa carta aos organizadores, a Comissão escreve: "A proposta de iniciativa de cidadania está manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico da União, para efeitos de aplicação dos Tratados". Por outras palavras, uma Iniciativa de Cidadania Europeia pode tratar de questões sobre leis da UE mas não da Comissão.

Assim, a Iniciativa de Cidadania Europeia passou a ser totalmente ineficaz. Em funcionamento desde o Tratado de Lisboa, visava uma crescente democracia direta. Ao reunir um milhão de assinaturas de pelo menos sete estados membros, os cidadãos podiam propor um ato legal a nível europeu. Mas, ao que parece, não é possível fazer isso se a iniciativa for questionar uma das prioridades da Comissão para o próximo ano.

Isto confirma os piores receios dos ativistas. Os burocratas em Bruxelas vão continuar a discutir o AECG e o APT à porta fechada. Os críticos alertam para que os acordos comerciais que procuram desregulamentar a segurança alimentar e a proteção dos consumidores , apresentam uma provisão ISDS que permitirá que empresas processem estados por possíveis perdas de lucros que acabarão por corroer a soberania nacional de uma forma sem precedentes. Fica fora de questão uma discussão pública sobre as consequências de grande alcance destes acordos comerciais. Os cidadãos não terão voz sobre se pretendem que a segurança alimentar e a proteção ao consumidor sejam desregulamentadas ou que as empresas multinacionais sejam dotadas de poderes como os dos estados.

A Comissão deve acreditar que qualquer oposição apenas irá atrasar o processo e tornar o fracasso ainda mais provável. A consulta sobre a provisão ISDS (Investor-State Dispute Settlement) demorou três meses e gerou 150 mil comentários – um cenário de pesadelo para a Comissão.

A Comissão quer evitar a todo o custo uma repetição da campanha right2water . A campanha exigia o acesso a baixo custo e não privatizado à água potável em 2013. Foi a primeira iniciativa a reunir mais de um milhão das assinaturas necessárias e forçar assim um debate na Comissão da UE. Embora as Iniciativas de Cidadania Europeia não sejam vinculativas, foi um êxito. A Comissão da UE e a sua agenda de privatização da água ficaram na defensiva. Uma Iniciativa de Cidadania Europeia sobre o APT, muito provavelmente, faria descarrilar as negociações do APT dada a ampla oposição que já existe.

Rejeitando a iniciativa, a Comissão cometeu um enorme erro. Parece que a Comissão está a fazer tudo o que pode para desmobilizar ativamente precisamente as pessoas que ainda demonstram alguma fé nas instituições europeias. Está a lançar as sementes do descontentamento em vez de integrar as ONG no processo de participação política. É um erro pelo qual não será apenas a Comissão a pagar um alto preço. Também vai afetar negativamente outras instituições europeias e acelerar a crise de representação na Europa.

Isto tem consequências de grande alcance e exige as perguntas: Como é que os cidadãos dos seus estados membros reafirmam a sua vontade e soberania popular? Ainda é possível pôr em equação o projeto europeu com a União Europeia, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, quando estes corroem fundamentalmente a ideia europeia e a democracia? Chegou a altura de um ceticismo progressivo na UE?

Os ativistas, as organizações da sociedade civil e os partidos políticos progressistas que defenderam anteriormente a UE e as suas instituições contra uma direita política em crescimento, terão agora de repensar a sua posição em relação à UE. Deixarão de poder argumentar que é possível recuperar a União Europeia e as suas instituições. Em consequência, terão de passar para táticas mais radicais.

Nick Dearden, diretor do Movimento Mundial de Desenvolvimento afirmou : "Nada podia mostrar mais claramente que estes acordos comerciais são um desastre para a democracia no nosso continente. A União Europeia quer cozinhar este acordo à porta fechada porque, se deixar que os cidadãos se aproximem, não poderá controlar a oposição. Mas os povos da Europa não aceitarão que lhes seja imposta esta tomada de poder – lutaremos contra esta decisão, e derrotaremos estes acordos comerciais".

Embora venha a ser mais difícil conquistar apoio sem a Iniciativa de Cidadania Europeia, é provável que se aprofunde a oposição aos acordos comerciais. Os ativistas que pensavam começar a petição a 25 de Setembro vão agora seguir o caminho legal, na esperança de conseguir inverter a decisão no Tribunal Europeu de Justiça.

A lei deverá ser a seu favor, já que os serviços científicos do Bundestag alemão já declararam legítima esta iniciativa. Mas, mesmo que a estratégia legal seja bem-sucedida, as ONG e as organizações da sociedade civil sairão à rua a 11 de Outubro. Mas os protestos não ficam por aqui. Afinal, as ONG e as organizações da sociedade civil aprenderam que foram as manifestações de massas e a desobediência civil em Seattle em 1999 ou em Cancum em 2003 que fizeram descarrilar a Organização Mundial do Comércio (OMC). Os cidadãos europeus só podem ter esperança de que as ONG não esqueçam as lições.

Escritor e ativista com sede em Colónia, na Alemanha e em Londres, no Reino Unido. Tweets @mdbergfeld

Tradução de Margarida Ferreira


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.