Harvey sustenta que o capital seguirá funcionando indefinidamente mas de uma maneira tal que provocará maior degradação dos recursos naturais e exacerbada desigualdade entre as classes sociais a níveis insustentáveis. Adverte que para controlar os conflitos e as revoltas emergentes, os Estados reprimirão com mais força e os regimes autocráticos se multiplicarão pelo mundo.
A contradição número quinze – o crescimento ilimitado – emerge da ambição do próprio sistema de acumular capital a taxas de "crescimento composto". Esse imperativo implica que o capital requer encontrar de forma permanente novas e lucrativas fontes de investimento e mercantilização dos recursos naturais. Por isso capitalistas, governos e países inteiros se regozijam quando a economia cresce a um ritmo maior a taxas históricas de dois a três por cento. O problema está em que manter uma taxa de crescimento ilimitado é insustentável e cada vez mais difícil em um mundo finito. No entanto, Harvey adverte que isso não conduzirá ao fim do sistema capitalista mas este se adapta e se reinventa de múltiplas formas. Explica que para sustentar e acelerar o crescimento ilimitado, a tendência capitalista é produzir bens com obsolescência programada ou "bens fictícios" como os com grandes espetáculos (jogos olímpicos, copas do mundo de futebol) para seu consumo instantâneo e efêmero.
O comentarista – o ministro Arce – se absteve de opinar sobre esta contradição fundamental do capitalismo. Certamente, não era o cenário propício para presumir que a Bolívia alcançou uma taxa de crescimento de 6,8% no ano passado (2013), nem que a "previsão mais modesta" para o ano em curso é de 5,7%. Mas, seguindo o postulado boliviano dos direitos da "Mãe Terra", uma resposta coerente deveria ter respaldado a posição de Harvey, alegando que o crescimento ilimitado agrava a mudança climática e são os pobres quem sofrerão as maiores consequências. Também se podia optar por uma postura mais aberta – ainda que politicamente incorreta – de defender as altas taxas de crescimento argumentando que países pobres como a Bolívia, antes de tudo, necessitam taxas sustentadas de crescimento para a transformação de sua matriz produtiva e a "socialização" da riqueza. Enfim, a presença de Harvey não foi suficiente para animar um debate mais intenso desses temas centrais para entender em que consiste o modelo alternativo boliviano.
A contradição entre o valor de uso e valor de troca foi o segundo tema abordado pelo conferencista . Em primeiro lugar deixou estabelecido que todos os bens ou mercadorias têm valor de uso e valor de troca. São duas formas de valor significativamente diferentes. Enquanto o valor de uso refere-se à capacidade de um bem para satisfazer uma necessidade, o valor de troca toma forma quando o bem é objeto de transações no mercado capitalista. Ilustra seu argumento com um bem imóvel, cujo valor de uso – refúgio, moradia, residência familiar – é superado em demasia pela soma dos custos de produção, lucro, taxa de juros e renda capitalizada da terra. Ainda pior, a brecha se amplia com as bolhas especulativas. Harvey explica que isso é assim porque a intenção capitalista não é obter o valor de uso mas o valor de troca. Em consequência, propõe que para a transformação de uma sociedade se deve privilegiar e retornar ao valor de uso, em detrimento do valor de troca.
Sobre isso, Arce ressaltou que a nova Constituição, por exemplo, reconhece e protege o acesso aos serviços básicos e que a água é um direito humano. Também destacou a recente regulação estatal do sistema financeiro para reduzir as taxas de juros especulativo sobre as moradias. Em termos marxistas, isso significa que o governo atual tem políticas em curso para reduzir a brecha entre o valor de uso e o valor de troca atribuída à especulação financeira. Também o Ministro de Economia explicou que o modelo boliviano consiste em "gerar riqueza a partir dos recursos naturais, apropriação desse excedente por parte do Estado, sua redistribuição [...] entre o povo e entre os próprios setores da economia apontando para a industrialização [...] e assim lutar contra a desigualdade social". Em outras palavras, os supostos subjacentes desta lógica são que o crescimento sob o capitalismo de Estado gera ainda maior desenvolvimento econômico, traz benefícios sociais e resolve suficientemente os problemas de desigualdade social. Dito de outro modo, o modelo boliviano se justifica com os mesmos argumentos com que os ricos defendem a acumulação privada da riqueza e asseveram que mecanismos como eltrickle-downeffect (efeito gotejante) se encarregam de reduzir as brechas de desigualdade social. Uma razão a mais para admitir o que disse Harvey na Bolívia: "todos pensamos como neoliberais".
O professor Harvey deixou valiosas reflexões para os processos político-econômicos de nosso país. Sua mensagem é que a premeditada acentuação das contradições do capitalismo não nos conduzirá à uma sociedade pós-capitalista senão à violência, conflitos e lutas pelo controle da terra e recursos naturais. Suas propostas apontam ao humanismo: solidariedade entre todos, não à alienação do trabalho e a natureza e mudança de nossas concepções políticas e mentais. Provavelmente essas premissas sejam insuficientes mas seu incansável trabalho sobre a teoria marxista e as categorias conceituais como "acumulação por desapropriação" que concebeu não só são consistentes contribuições para a reflexão mas bases imprescindíveis para entender como opera o capitalismo contemporâneo em crise.