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300814 dhBolívia - Rebelión - [Gonzalo Colque, Tradução do Diário Liberdade] O professor britânico David Harvey deu três conferências na Bolívia sobre o capitalismo contemporâneo. A cidade de Cochabamba foi o lugar escolhido para explicar algumas das dezessete contradições que analisa em seu recente livro. Prefere falar de "contradições perigosas" ao invés de apoiar a ideia fatalista de que o capitalismo – em última instância – entrará em colapso sob o peso de suas próprias contradições. Dessa maneira, se afasta dos marxistas que acreditam que só faz falta intensificar as tensões intrínsecas do capitalismo para acelerar seu inevitável fim ou autodestruição.


Harvey sustenta que o capital seguirá funcionando indefinidamente mas de uma maneira tal que provocará maior degradação dos recursos naturais e exacerbada desigualdade entre as classes sociais a níveis insustentáveis. Adverte que para controlar os conflitos e as revoltas emergentes, os Estados reprimirão com mais força e os regimes autocráticos se multiplicarão pelo mundo.

A contradição número quinze – o crescimento ilimitado – emerge da ambição do próprio sistema de acumular capital a taxas de "crescimento composto". Esse imperativo implica que o capital requer encontrar de forma permanente novas e lucrativas fontes de investimento e mercantilização dos recursos naturais. Por isso capitalistas, governos e países inteiros se regozijam quando a economia cresce a um ritmo maior a taxas históricas de dois a três por cento. O problema está em que manter uma taxa de crescimento ilimitado é insustentável e cada vez mais difícil em um mundo finito. No entanto, Harvey adverte que isso não conduzirá ao fim do sistema capitalista mas este se adapta e se reinventa de múltiplas formas. Explica que para sustentar e acelerar o crescimento ilimitado, a tendência capitalista é produzir bens com obsolescência programada ou "bens fictícios" como os com grandes espetáculos (jogos olímpicos, copas do mundo de futebol) para seu consumo instantâneo e efêmero.

O comentarista – o ministro Arce – se absteve de opinar sobre esta contradição fundamental do capitalismo. Certamente, não era o cenário propício para presumir que a Bolívia alcançou uma taxa de crescimento de 6,8% no ano passado (2013), nem que a "previsão mais modesta" para o ano em curso é de 5,7%. Mas, seguindo o postulado boliviano dos direitos da "Mãe Terra", uma resposta coerente deveria ter respaldado a posição de Harvey, alegando que o crescimento ilimitado agrava a mudança climática e são os pobres quem sofrerão as maiores consequências. Também se podia optar por uma postura mais aberta – ainda que politicamente incorreta – de defender as altas taxas de crescimento argumentando que países pobres como a Bolívia, antes de tudo, necessitam taxas sustentadas de crescimento para a transformação de sua matriz produtiva e a "socialização" da riqueza. Enfim, a presença de Harvey não foi suficiente para animar um debate mais intenso desses temas centrais para entender em que consiste o modelo alternativo boliviano.

A contradição entre o valor de uso e valor de troca foi o segundo tema abordado pelo conferencista . Em primeiro lugar deixou estabelecido que todos os bens ou mercadorias têm valor de uso e valor de troca. São duas formas de valor significativamente diferentes. Enquanto o valor de uso refere-se à capacidade de um bem para satisfazer uma necessidade, o valor de troca toma forma quando o bem é objeto de transações no mercado capitalista. Ilustra seu argumento com um bem imóvel, cujo valor de uso – refúgio, moradia, residência familiar – é superado em demasia pela soma dos custos de produção, lucro, taxa de juros e renda capitalizada da terra. Ainda pior, a brecha se amplia com as bolhas especulativas. Harvey explica que isso é assim porque a intenção capitalista não é obter o valor de uso mas o valor de troca. Em consequência, propõe que para a transformação de uma sociedade se deve privilegiar e retornar ao valor de uso, em detrimento do valor de troca.

Sobre isso, Arce ressaltou que a nova Constituição, por exemplo, reconhece e protege o acesso aos serviços básicos e que a água é um direito humano. Também destacou a recente regulação estatal do sistema financeiro para reduzir as taxas de juros especulativo sobre as moradias. Em termos marxistas, isso significa que o governo atual tem políticas em curso para reduzir a brecha entre o valor de uso e o valor de troca atribuída à especulação financeira. Também o Ministro de Economia explicou que o modelo boliviano consiste em "gerar riqueza a partir dos recursos naturais, apropriação desse excedente por parte do Estado, sua redistribuição [...] entre o povo e entre os próprios setores da economia apontando para a industrialização [...] e assim lutar contra a desigualdade social". Em outras palavras, os supostos subjacentes desta lógica são que o crescimento sob o capitalismo de Estado gera ainda maior desenvolvimento econômico, traz benefícios sociais e resolve suficientemente os problemas de desigualdade social. Dito de outro modo, o modelo boliviano se justifica com os mesmos argumentos com que os ricos defendem a acumulação privada da riqueza e asseveram que mecanismos como eltrickle-downeffect (efeito gotejante) se encarregam de reduzir as brechas de desigualdade social. Uma razão a mais para admitir o que disse Harvey na Bolívia: "todos pensamos como neoliberais".

O professor Harvey deixou valiosas reflexões para os processos político-econômicos de nosso país. Sua mensagem é que a premeditada acentuação das contradições do capitalismo não nos conduzirá à uma sociedade pós-capitalista senão à violência, conflitos e lutas pelo controle da terra e recursos naturais. Suas propostas apontam ao humanismo: solidariedade entre todos, não à alienação do trabalho e a natureza e mudança de nossas concepções políticas e mentais. Provavelmente essas premissas sejam insuficientes mas seu incansável trabalho sobre a teoria marxista e as categorias conceituais como "acumulação por desapropriação" que concebeu não só são consistentes contribuições para a reflexão mas bases imprescindíveis para entender como opera o capitalismo contemporâneo em crise.

 


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