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060814 aguia156Le Monde Diplomatique - [Raoul Marc Jennar e Renaud Lambert] As eleições europeias de maio testemunharam uma rejeição crescente às políticas predominantes no Velho Continente. A resposta de Bruxelas à reprovação popular? Acelerar a conclusão de um acordo secreto com Washington para criar o GMT− uma resposta paradoxal se considerarmos que as privatizações e a liberalização.


Do que estamos falando? GMT, PTCI, TTIP, APT ou Tafta?

Diversas siglas circulam para designar uma mesma realidade, oficialmente conhecida em francês como Partenariat transatlantique sur le commerce et l’investissement (Parceria Transatlântica sobre o Comércio e o Investimento – PTCI) e em inglês como Transatlantic Trade and Investiment Partnership (TTIP). Essa multiplicidade de nomes se explica em parte pelo segredo das negociações, que entravou a uniformização dos termos utilizados. Alimentado pelo vazamento de documentos, o trabalho das redes militantes levou ao surgimento de novas siglas: em particular Tafta, em inglês, para Transatlantic Free-Trade Agreement (Acordo de Livre-Comércio Transatlântico), e GMT, em francês, para Grand marché transatlantique (Grande Mercado Transatlântico).1

Do que se trata oficialmente?

O GMT é um acordo de livre-comércio negociado desde julho de 2013 pelos Estados Unidos e pela União Europeia visando criar o maior mercado do mundo, com mais de 800 milhões de consumidores.

Um estudo do Centre for Economic Policy Research (CEPR) – uma organização financiada por grandes bancos que a Comissão Europeia apresenta como “independente”2– estabelece que o acordo permitiria incrementar a produção de riqueza a cada ano em 120 bilhões de euros na Europa e em 95 bilhões de euros nos Estados Unidos.

Os acordos de livre-troca, como os apadrinhados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), visam não apenas diminuir as barreiras alfandegárias,3 mas também reduzir as barreiras ditas “não tarifárias”: cotas, formalidades administrativas e normas sanitárias, técnicas e sociais. Se acreditarmos nos negociadores, o processo levaria a um aumento geral das normas sociais e jurídicas, já que o tratado propõe impor seus “padrões” para o resto do mundo.

Do que se trata mais provavelmente?

Criada em 1995, a OMC trabalhou amplamente pela liberalização do comércio mundial. No entanto, as negociações se encontram travadas desde o fracasso da “rodada de Doha” (principalmente no que diz respeito às questões agrícolas). Continuar a promover o livre-comércio implicaria colocar em andamento uma estratégia de desvio. Centenas de acordos foram feitos então, ou estão sendo adotados diretamente entre dois países ou regiões. O GMT representa a conclusão dessa estratégia: assinadas entre as duas maiores potências comerciais do mundo (que representam cerca da metade da produção da riqueza mundial), suas disposições acabariam por se impor em todo o planeta.

O alcance do mandato europeu de negociação e as expectativas expressas pela parte norte-americana sugerem que o GMT ultrapassaria amplamente o enquadramento de “simples” acordos de livre-comércio. Concretamente, o projeto tem três objetivos principais: eliminar os últimos direitos de alfândega, reduzir as barreiras não tarifárias para uma harmonização das normas (cuja experiência dos tratados precedentes faz pensar que ela se fará pelo nivelamento “por baixo”) e dar instrumentos jurídicos para os investidores poderem destruir qualquer obstáculo regulamentar ou legislativo ao livre-comércio. Em suma, impor algumas das disposições já previstas pelo Acordo Multilateral sobre o Investimento (AMI)4 em 1998 e pelo Acordo Comercial Antifalsificação (Acta)5 em 2011, ambos rejeitados sob a vontade das populações.

Quando o projeto deve se realizar?

Segundo o calendário oficial, as negociações devem ser concluídas em 2015. Seguir-se-ia a isso um longo processo de ratificação no Conselho e no Parlamento Europeu, depois nos parlamentos nacionais dos países cuja Constituição o exige, como na França (ler artigo na pág. 16).

Quem negocia?

Pela Europa, funcionários da Comissão Europeia. Pelos Estados Unidos, seus homólogos do Ministério do Comércio. Todos são objeto de pesadas pressões de lobbies representando, em sua maioria, os interesses do setor privado. Com o objetivo de preparar o mandato de negociação, a Comissão Europeia reconheceu ter mantido, entre janeiro de 2012 e abril de 2013, 119 reuniões (das 130 realizadas) apenas com representantes dos meios empresariais.

Quais são as consequências para os Estados?

O GMT prevê submeter as legislações em vigor dos dois lados do Atlântico às regras do livre-comércio, que correspondem na maioria das vezes às preferências das grandes empresas europeias e norte-americanas. Os Estados consentiriam, por meio do acordo, um abandono considerável de soberania: os que forem contrários aos preceitos liberais se expõem a sanções financeiras que podem atingir dezenas de milhões de dólares.

Segundo o mandato da UE, o acordo deve “fornecer o mais alto nível possível de proteção jurídica e de garantia para os investidores europeus nos Estados Unidos” (e de modo recíproco). Falando claramente: permite às firmas privadas atacar as legislações e regulamentações quando considerarem que estas representam obstáculos para a concorrência, para o acesso aos mercados públicos e para o investimento.

O artigo 4 do mandato especifica: “As obrigações do acordo engajarão todos os níveis de governo”. É o mesmo que dizer que se aplicariam não apenas aos Estados, mas também a todas as coletividades públicas: regiões, departamentos, comunas etc. Uma regulamentação municipal poderia ser questionada não mais diante de um tribunal administrativo local, mas de um grupo de arbitragem privado internacional. Bastaria para isso que a regra fosse considerada por um investidor como uma limitação ao seu “direito de investir o que quiser, onde quiser, quando quiser, como quiser e tirar disso o lucro que quiser”,6 segundo uma definição comum nos lobbies norte-americanos.

Já que o tratado só poderá ser mudado com o consentimento unânime dos signatários, ele se imporia independentemente das alternâncias políticas.

Trata-se de um projeto que os Estados Unidos impuseram à União Europeia?

De jeito nenhum: a Comissão Europeia, com o consentimento dos 28 governos da União Europeia, promove ativamente o GMT, que se casa com seu credo no livre-comércio. O projeto é inclusive conduzido pelas grandes organizações patronais, como o Conselho Econômico Transatlântico [Trans-Atlantic Business Council(TABC)]. Criadaem 1995 sob o impulso da Comissão Europeia e do Ministério do Comércio norte-americano, essa organização promove um “diálogo” entre as elites econômicas dos dois continentes, em Washington e em Bruxelas.

Notas:

1  Depois de ter utilizado por um tempo a expressão Accord de partenariat transatlantique(Acordo de Parceria Transatlântica – APT), o Le Monde Diplomatique finalmente adotou a denominação GMT.

2  “Transatlantic Trade and Investment Partnership. The economic analysis explained”, Comissão Europeia, Bruxelas, set. 2013.

3  Os direitos de alfândega impostos às mercadorias produzidas no estrangeiro durante sua entrada em um território.

4  Christian de Brie, “Comment l’AMI fut mis en pièces” [Como o AMI foi despedaçado], Le Monde Diplomatique, dez. 1998.

5  Philippe Rivière, “L’accord commercial anti-contrefaçon compte ses opposants” [O Acordo Comercial Antifalsificação conta seus opositores], La Valise Diplomatique, jul. 2012. Disponível em: www.monde.diplomatique.fr.

6 Definição dos direitos do investidor dada pelo CEO da American Express.

Raoul Marc Jennar é Autor de Quelle Europe aprés le non? (Qual Europa após o não?), Fayard, Paris, 2007.

Renaud Lambert é jornalista.


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