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pireu rubraGrécia - Revista Rubra - [Elena Parreño] Um ex-trabalhador do porto do Pireu rompe o silêncio sobre a situação laboral após a venda à empresa chinesa de transportes Cosco. «Não querem empregados que pensem, querem soldados», afirma Dimitris Batsoulis.


Num mundo repleto de vítimas de um sistema voraz, brotam amiúde pequenos heróis que nos vêm recordar que é possível lutar. Dimitris Batsoulis é um trabalhador do porto ateniense do Pireu que decidiu fazer frente à Cosco, a companhia chinesa à qual o Governo grego, a pedido da Troika, concessionou a gestão do terminal mais importante. Não bastando já que a Grécia esteja à venda, o porto do Pireu foi praticamente oferecido, indo no mesmo pacote os direitos de centenas de trabalhadores gregos. «Não tínhamos vida própria, estávamos sempre à espera de um SMS para ir trabalhar daí a duas horas; sem contrato, a remuneração era de 50 euros diários, fosse manhã, tarde ou noite», diz Dimitris. Pôs em tribunal a agência através da qual trabalhava para a Cosco, por despedimento ilegal, falta de pagamentos e o método de notificação por SMS. Agora ele e os sindicatos de toda a Europa aguardam a sentença.

Dimitris conduzia uma escavadora de 15 metros que era sua. Ao meio-dia, podia receber um SMS para entrar ao trabalho às 14:30. Tinha o tempo à justa para ir de carro de Atenas até ao terminal. Este foi um dos motivos que o levou a querer criar um sindicato juntamente com outro companheiro, Nikos, mas foram impedidos. «Pensava que criar um sindicato ainda não era proibido pelas leis gregas e europeias», disse Dimitris, acrescentando que «a Cosco e outras empresas estrangeiras não querem trabalhadores que pensem, querem soldados». Ele e Nikos são os únicos trabalhadores dispostos a falar da sua experiência – mais ninguém se atreve. Na Grécia o desemprego é de 28%.

Demasiados acidentes

Outra razão que levou Dimitris a querer criar um sindicato foi a segurança. «Estávamos sempre em perigo», diz ele. O mesmo confirma Anastasia Frantzeskaki, funcionária da autoridade portuária do porto Pireu e membro da organização de trabalhadores White Collar: «Houve demasiados acidentes, um deles fatal, outros bastante graves e os restantes menores, mas ninguém fala disso. Tentávamos falar com os trabalhadores para tornar público o que acontecia, mas eles fugiam à fala.»

Quando Dimitris foi despedido, em Fevereiro de 2012, correu a explicar nos meios de comunicação gregos o que se passava. «Nenhum jornal nem televisão quiseram ouvir um trabalhador que criticava a Cosco ou as suas subcontratadas», queixa-se ele. Por isso até o momento apenas prestou declarações ao The New York Times e agora nega-se a dar entrevistas na Grécia. «Todas as empresas têm de respeitar as leis gregas», diz Dimitris. Frantzeskakis diz que o contrato de concessão tinha 50 páginas, omitindo questões importantes como o respeito pelo meio ambiente. Segundo Frantzeskaki, «só o sumário do contrato do novo terminal do porto de Barcelona ocupava 500 páginas, era um contrato sólido».

A Cosco impôs as suas condições desde que chegou ao Pireu em 2010. numa Grécia economicamente devastada, era uma privatização que cumpria os requisitos da Troika, que pressionavam nessa direcção. O Governo grego cedeu, apesar de dois anos de mobilizações que pelo menos serviram para evitar que a Cosco criasse no porto um centro de produtos chineses com certificado da União Europeia e que a companhia poderia vender isenta de impostos.

O Syriza sempre se opôs à privatização. Christos Lampridis, que coordena os assuntos marítimos do partido, disse que «a concessão vai contra o interesse público». Acontece que agora a Cosco quer construir um novo molhe e prolongar outros; para esse efeito pediu ao Governo alterações ao contrato de concessão. E conseguiu. Isto alarmou a Comissão Europeia, que perguntou à Grécia se a alteração cumpre a lei, já que em princípio devia ser sujeita a concurso. «Se a Cosco prolongar os molhes, teremos uma situação de oligopólio, pois passará a operar 90% do terminal e será um dos primeiros portos europeus, a seguir aos britânicos, completamente privatizados», diz Lampridis.

Alarme na Europa

O caso do porto Pireu é único e pela sua novidade alarma a Europa. «Os europeus desconfiam muito da Cosco, não por ser uma empresa chinesa, já que também existe uma no porto de Barcelona, mas por ser uma empresa estatal», diz Frantzeskaki. Resulta daí que a concessão à Cosco não é simplesmente uma privatização, mas também a entrega duma parte da Grécia ao Estado chinês. É certo que a entrada da Cosco aumentou a produtividade e a eficiência no porto Pireu, ao investir capitais de que o país não dispunha. «Talvez seja uma experiência, mas pode alastrar ao resto da Europa», adverte Lampridis. Na mesma linha, Frantzeskaki crê que o modelo da Cosco irá implantar-se gradualmente no resto dos portos europeus. «Temos a certeza de que é o tipo de futuro que querem par os trabalhadores portuários; já tentaram introduzir o mesmo modelo em Portugal em 2012», lamenta ela.

Frantzeskaki admite que levaram dois anos a fazer ver à Europa o que se passa no Pireu. «Somos caso único e um mau exemplo. Entregámos um terminal que dava lucros, com toda a maquinaria e com a principal empresa do porto, tivemos de construir um molhe mais pequeno; foi um plano irracional», diz ela. Lampridis esclarece que a oposição do Syriza não é contra a China, mas sim contra a perda de controle sobre o porto por parte do Governo. «Examinaremos todas as concessões quando o Syriza estiver no Governo», acrescenta Lampridis. Dimitris respeita e entende o silêncio dos trabalhadores e recorda que «todos os que tentaram participar no sindicato foram despedidos». Considera que a luta pelos direitos laborais deve ser constante, por uma questão ética: «Todos os trabalhadores deveriam ir aos tribunais pugnar pelos seus direitos. Ainda que se perca uma luta, resta sempre algo para os demais, e isso já é uma vitória.

Traduzido por Rui Viana Pereira.


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