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LMD BALcasRússia - Le Monde Diplomatique - [Jean-Arnault Dérens , Laurent Geslin] Depois da Ucrânia, os Bálcãs se tornarão o palco de um novo enfrentamento Ocidente-Oriente? A Rússia está reinvestindo na região, mas por razões tanto comerciais quanto geopolíticas. Mesmo conservando sua influência tradicional, Moscou não pode esperar muita coisa de uma região que se volta cada vez mais para a UE.


Sérvia, Kosovo, Montenegro e Macedônia estão em uma “linha de fogo” que separa a Rússia do Ocidente? É o que afirmou o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, no dia 24 de fevereiro de 2015 perante o Comitê de Assuntos Externos do Senado. Todavia, a Rússia foi a primeira a traçar um paralelo entre a Ucrânia e os Bálcãs. Os argumentos assacados por Moscou em março de 2014 a propósito da anexação da Crimeia ressoaram como um eco irônico aos que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) apresentou em 1999 para justificar sua campanha de bombardeios aéreos contra a Iugoslávia residual da época: nos dois casos, tudo se fez humanitariamente, para evitar uma catástrofe.

Na Conferência Internacional para a Segurança, em Munique, no dia 7 de fevereiro de 2015, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, retomou esse paralelo, sublinhando que “não houve referendo de autodeterminação no Kosovo”, como houve na Crimeia. Assim, a secessão da Crimeia e em seguida sua entrada para a Federação Russa estariam mais de acordo com o direito internacional que a independência proclamada pelo Kosovo.1

Nesse contexto, o Centro Humanitário Russo-Sérvio para as Situações de Emergência, de Nis (cidade ao sul da Sérvia), não cessa de alimentar suspeitas e polêmicas. Inaugurado em 2012 pelo vice-ministro das Situações de Emergência russo, Vladimir Putchkov,2 ele foi instalado em 2014 em uma antiga fábrica de computadores a algumas centenas de metros das pistas do aeroporto local. Uns dez caminhões dos bombeiros e outros tantos veículos para usos diversos estão estacionados no pátio. Os depósitos, alinhados como em um desfile, regurgitam de geradores elétricos, pilhas de cobertores e barracas, caixas de material cirúrgico etc. Mais longe, uma sala de comunicação ultramoderna permite acompanhar as operações in locoem ligação direta com Belgrado e Moscou.

Tudo é aberto aos jornalistas: o centro, onde trabalham cerca de quarenta funcionários fixos, aspira à transparência total. “Somos um projeto-piloto, o primeiro centro desse tipo fora das fronteiras da Federação Russa”, declara o diretor, Viktor Safyanov. Ele diz ter sido o responsável pela segurança civil de São Petersburgo e administrado “uma missão internacional no Afeganistão, em 2002”, declarando-se também “com alguma experiência militar”. O centro demonstrou sua utilidade em maio de 2014: os socorristas russos foram os primeiros a chegar por ocasião das inundações catastróficas que devastaram a Bósnia-Herzegovina e a Sérvia.

No entanto, subsistem dúvidas. Não será isso mera fachada para uma célula de informação e espionagem? Há mesmo quem fale de um “Camp Bondsteel russo”, em alusão à base norte-americana estabelecida no Kosovo, onde trabalham nada menos que 7 mil homens. Impossível saber se a (real) função humanitária não esconde outras atividades. Uma coisa, porém, é certa: o centro, posto sob a tutela dupla do Ministério de Situações de Emergência da Federação Russa e do Ministério do Interior da Sérvia, diz muito da importância estratégica que a Rússia atribui à Sérvia e, de modo mais geral, aos Bálcãs. “Esse complexo nasceu de uma vontade política russa. Foi o Kremlin que propôs sua criação”, assegura o ex-presidente sérvio Boris Tadic, signatário do acordo que deu origem ao centro em 2008. “Mas sempre ficou bastante claro que ele não abrigaria nenhuma atividade militar.”

Durante seus dois mandatos sucessivos (2004-2012), Tadicencaminhou a Sérvia para a via da integração europeia, preservando enquanto isso seus vínculos com a Rússia. “Eu quis normalizar nossas relações tanto com Moscou como com os Estados Unidos e a China, mas sem questionar nossa orientação fundamental rumo à União Europeia”, explicou. Sob sua presidência, o país obteve, em 1º de março de 2012, o statusde candidato oficial à integração europeia. No mesmo período, a Rússia recebia as chaves do mercado de energia sérvio. No dia 24 de dezembro de 2008, Tadic concluía em Moscou a venda de 51% do capital da Indústria de Petróleo da Sérvia (Naftna Industrija Srbije, NIS), empresa estatal monopolística, à gigante Gazprom.3 O montante da venda, 400 milhões de euros, parece de três a cinco vezes inferior às estimativas dos analistas.4 Esse acordo garantiu aos russos uma posição dominante na canalização e no transporte dos hidrocarbonetos dentro do país.

Virada pró-Europa da Sérvia

Candidato do Partido Progressista Sérvio (SNS), uma agremiação oriunda da extrema direita nacionalista e tradicionalmente russófila, Tomislav Nicolic venceu a eleição presidencial de 6 de maio de 2012 contra Tadic. Depois, o SNS alcançou maioria absoluta no pleito legislativo antecipado de março de 2014. Em 2008, o partido havia empreendido uma surpreendente virada pró-Europa. Assim, embora Belgrado e Moscou mantenham relações estreitas, o novo homem forte, o primeiro-ministro Aleksandar Vucic, reivindica uma linha política cada vez mais pró-Ocidente. Seja fruto da convicção ou do oportunismo, essa postura pode até, no final, pôr em questão o sacrossanto princípio da neutralidade militar da Sérvia.

Instado por seus parceiros europeus, o governo sérvio, contudo, se recusou a aplicar sanções contra a Rússia em nome de seus interesses econômicos e das tradicionais relações de amizade entre os dois países. Para a pró-Estados Unidos confessa Jelena Milic, diretora do Centro de Estudos Euro-Atlânticos de Belgrado (Ceas), “considerando o avanço da integração europeia, a margem de manobra da Sérvia ficará reduzida. O país deverá alinhar sua política exterior com a da União Europeia”. Ainda não se chegou lá, e Belgrado continua acreditando que poderá conservar uma linha de equilíbrio num mundo polarizado pela crise ucraniana.

A Eslovênia e a Croácia vizinhas também não romperam de todo com Moscou: empresários russos e eslovenos se encontraram em Liubliana no fim de 2014. Em fevereiro de 2015, um fórum econômico russo-croata suscitou igualmente acirradas polêmicas em razão do embargo internacional. Membros da União Europeia, os dois países aplicam as sanções contra a Rússia, mas sem grande entusiasmo. A Companhia de Petróleo e Gás Húngara (Magyar Olaj és Gázipari, MOL) devia, assim, revender à gigante Rosneft sua parte na sociedade croata INA Industrija Nafte, mas a transação foi bloqueada por ordem de Bruxelas no início de 2014, o que agravou a crise petrolífera na Croácia. É na esfera da energia que se concentram os maiores interesses econômicos russos na região: os outros negócios permanecem extremamente limitados. A União Europeia continua sendo, desse modo – bem à frente da Rússia –, o principal parceiro econômico de todos os países da região.

A visita de Vladimir Putin a Belgrado, em 16 de outubro de 2014, deveria ser uma oportunidade para celebrar a amizade entre a Sérvia e a Rússia. Com vistas a fazer do presidente russo o convidado de honra do maior desfile militar organizado desde a morte do marechal Tito, decidiu-se adiantar em alguns dias a data oficial das comemorações do septuagésimo aniversário da libertação de Belgrado (20 de outubro de 1944). Infelizmente, nada deu certo, com a Sérvia se recusando a atender à solicitação russa de atribuir status diplomático a todo o pessoal do centro humanitário de Nis. Em resposta, Putin descartou o pedido de Vucic para abater 200 milhões de euros de uma conta de gás. Seis semanas depois, no dia 1º de dezembro, a Rússia anunciou o abandono do projeto do gasoduto South Stream, que abasteceria a Europa de gás russo sem passar pela Ucrânia.5

Essa decisão se explica, antes de tudo, pela recusa da Bulgária, sob pressão da União Europeia, a autorizar a passagem do gasoduto por seu território após as eleições legislativas de 5 de outubro de 2014, que reconduziram ao poder o paladino da direita Boyko Borissov. Na Bulgária, o confronto esquerda-direita continua fundamentalmente ligado à questão energética e às relações com a Rússia e os Estados Unidos. Pouco depois de sua vitória, Borissov apressou-se em receber John Kerry com grande pompa, anunciando na ocasião o engajamento de seu país em favor do Grande Mercado Transatlântico (GMT) e também a retomada da prospecção do gás de xisto (embora a lei búlgara ainda proíba a técnica do fraturamento hidráulico). Kerry prometeu que os Estados Unidos ajudariam a Bulgária a “conquistar a independência energética” – ou seja, a não depender mais da Rússia.

Para os países que se encontrariam no trajeto do South Stream – Bulgária, Sérvia e Hungria, com ramificações previstas em direção à Macedônia, à Bósnia-Herzegovina e à Eslovênia –, o abandono do projeto é uma péssima notícia, ainda que o gasoduto rumo à fronteira greco-turca (Turkish Stream) possa em grande parte substituí-lo. Milorad Dodik, presidente da República Srpska, a entidade sérvia da Bósnia-Herzegovina, calcula que o prejuízo da suspensão da obra chegue a 1 bilhão de euros6. Os principais investimentos russos nessa entidade vão também para o setor energético. Assim, em 2007, o governo cedeu 65% da participação do grupo Naftna Industrija RS (NIRS) à empresa Njeftegazinkor, permitindo-lhe assumir o controle de duas refinarias e uma rede de postos de gasolina. Na realidade, a “privatização mais bem-sucedida do país”, segundo as palavras de seu promotor, Dodik, logo se transformou em catástrofe. Os prejuízos das refinarias se acumularam, pois os russos jamais investiram as somas prometidas para sua modernização. A Njeftegazinkor pertence em 40% à estatal russa Zarubejneft e em 60% a três desconhecidas. Na República Srpska, muitos afirmam que seu verdadeiro proprietário é o homem forte da entidade.7

“O argumento russo continua sendo vital para Dodik”, explica Tanja Topic, responsável pelo escritório da Fundação Friedrich Ebert, em Banja Luka. “Antes de cada eleição, lá vem ele anunciar projetos de créditos russos. Precisa mostrar à opinião pública sérvia da Bósnia que continua aliado de Moscou. Embora esses créditos não apareçam nunca, isso conta muito na relação de forças que ele estabeleceu com as autoridades tanto de Sarajevo quanto de Bruxelas e Belgrado.” Em uma Bósnia-Herzegovina sempre dividida, Banja Luka aventa há anos a hipótese de um referendo de autodeterminação: uma forma de incrementar os cacifes políticos e impedir toda tentativa de recentralização do país, todo questionamento das entidades surgidas dos acordos de Dayton (1995). Para Dodik, a organização de um referendo na Crimeia despertou os receios ocidentais de vê-lo fazer o mesmo, o que seria imediatamente reconhecido por Moscou e assinaria a sentença de morte da Bósnia-Herzegovina...

Uma marina de luxo na costa adriática

Em que pese a manutenção dessas relações privilegiadas, Putin estará mesmo disposto a estender ao sudeste europeu uma lógica de confronto com o Ocidente? É o que parecem pensar as altas autoridades norte-americanas. Assim, a subsecretária de Estado, Christine Wormuth, afirmava ao final de fevereiro de 2015, perante a Comissão de Defesa do Congresso, que a Rússia “poderia se voltar para pequenos países que ainda não são membros da Otan, como Montenegro, na tentativa de criar instabilidade”.

Desde sua independência, em 2006, Montenegro se encontra em uma situação singular. Os dirigentes professam sua fé europeia e “atlantista”, mas o país atrai volumosos investimentos russos. O oligarca Oleg Deripaska, do círculo de Putin, adquiriu em 2005 a Indústria de Alumínio de Podgorica (KAP). O “rei do alumínio” abocanhou assim a principal empresa do país, prometendo em troca investimentos que jamais chegaram. Com a KAP falida, Deripaska agora processa o Estado montenegrino, o que não o impede de se meter em outros projetos de negócios, como a marina de Porto Montenegro, uma das mais luxuosas do Adriático, construída no terreno do antigo arsenal de Tivat. Como acontece muitas vezes em Montenegro, a estrutura real do capital é difícil de detectar, mas, ao lado dos investidores oficiais, “encontraríamos aí, por trás do sistema de nomes de fachada, o primeiro-ministro Milo Dukanovic”, denuncia Dejan Mijovic, analista econômico.

Suspeita-se desse tipo de montagem em todos os projetos imobiliários que desfiguram a costa montenegrina há pelo menos dez anos. Por exemplo, o hotel Splendid, de Budva, pertence oficialmente à sociedade Lewitt Finance Montenegro, de Viktor Ivanenko, ex-chefe da KGB na época do desmantelamento da União Soviética. Ivanenko se tornou bilionário ao fundar o Banco Menatep e depois a famosa companhia petrolífera Iukos. Quando Putin decidiu acertar contas com os donos da Iukos, atirando na prisão Mikhail Khodorkovski, o único que escapou foi Ivanenko. “Ainda hoje o chamam de general Viktor. É o principal elemento de ligação entre os dirigentes políticos de Podgorica, o submundo montenegrino, a máfia russa e os serviços de inteligência”, escreveu em 2005 o semanário Monitor, de Montenegro. Parece também que a família Dukanovic possui sua parte no Splendid. Dukanovic dirige o Partido Democrático dos Socialistas (DPS), herdeiro da antiga Liga dos Comunistas Montenegrinos (SKCG). Vem alternando, desde 1989, as funções de primeiro-ministro e presidente da República. Seu irmão Aleksandar administra o maior banco privado de Montenegro. E sua irmã Ana Kolarevic é uma poderosa advogada empresarial que se encarregou da papelada das grandes privatizações do país. Como se isso não bastasse, inúmeras propriedades familiares estão hoje em nome do filho do primeiro-ministro.

Essas relações estreitas entre os dirigentes montenegrinos, os oligarcas e os serviços secretos russos remontam aos anos 1990, quando o país, acossado pelas sanções internacionais do mesmo modo que a Sérvia, sobreviveu entregando-se ao contrabando de cigarros em grande escala. Apesar de todos esses vínculos estruturais, a Rússia nunca pareceu se incomodar com a orientação pró-Ocidente de Montenegro desde que Dukanovic rompeu com seu mentor sérvio, Slobodan Milosevic. Pelo menos até o ano passado.

Acontece que, desde 22 de maio de 2014, Montenegro vem aplicando as sanções da União Europeia. “Os investidores russos deixaram o país. De um golpe, o preço do metro quadrado baixou 15% no último trimestre de 2014 e a queda deve continuar em 2015”, lamenta Ivan Dasic, diretor da agência imobiliária Montenegro Prospects. Os investimentos russos já haviam caído 30% em 2013 e a desvalorização do rublo agravou a fuga dos clientes moscovitas, cujo poder de compra diminuiu. A ruptura entre Moscou e Montenegro é real ou mera encenação? A Rússia não poderia muito bem introduzir esse paisinho, como cavalo de troia, nas estruturas da União Europeia e da Otan?

Ninho de espiões

Montenegro conquistou em dezembro de 2010 o statusde país candidato à integração europeia e quer entrar para a Otan. Sua documentação foi revista na primavera local de 2014, oficialmente por causa do nível de corrupção e do aumento do crime organizado, mas, com maior probabilidade, em virtude da infiltração maciça de agentes moscovitas. Segundo o oposicionista Nebojsa Medojevic, “de 25 a cinquenta agentes montenegrinos estariam ligados à Rússia”.8 Seriam principalmente ex-oficiais do Exército iugoslavo, integrados em 2006 às forças armadas de Montenegro.

A questão da adesão de Montenegro à Aliança Atlântica fermentará nos próximos meses e, na sequência, Podgorica deverá confirmá-la por um voto no Parlamento ou um referendo. A opinião pública está dividida, mas Zeljko Ivanovic, diretor do diário oposicionista Vijesti, acredita que Dukanovic preferirá o referendo: “Esse fato abalará fortemente a oposição, da qual uma parte é pró-Ocidente, e a outra, tradicionalmente russófila. Além disso, para dramatizar o jogo, o poder irá outra vez manipular os medos europeus, fazendo-se de defensor da orientação ocidental do país contra o ‘ogro russo’. Isso lhe valerá uma nova carta branca para os negócios de corrupção e crime organizado”.

Em um clima que lembra a Guerra Fria, todos os golpes parecem permitidos, desde que se continue a ser mais ou menos útil ao mais forte... Potentados balcânicos como Dukanovic ou Dodik sabem jogar habilmente com as tensões e rivalidades internacionais a fim de consolidar seu poder. Recém-chegados como Vucic pensam levar vantagem mantendo uma posição de equilíbrio entre os dois campos. No entanto, a história provou que o drama dos povos balcânicos reside quase sempre no fato de eles servirem de peões nos confrontos entre as grandes potências.
 

1  Influenciada pela Sérvia, a Corte Internacional de Justiça decidiu, em 22 de julho de 2010, que essa proclamação de independência não violava o direito internacional.

2  Putchkov se tornou ministro das Situações de Emergência em 12 de maio de 2012, alguns meses depois de sua visita à Sérvia, substituindo Sergey Choigu, um amigo de Vladimir Putin que assumiu o Ministério da Defesa.

3  Ver Catherine Locatelli, “Gazprom, le Kremlin et le marché” [Gazprom, o Kremlin e o mercado], Le Monde diplomatique, maio 2015.

4  Marina Glamotchak, L’Enjeu énergétique dans les Balkans [O desafio energético nos Bálcãs], Technip, Paris, 2013.

5  Ver Hélène Richard, “South Stream, les raisons d’un abandon” [South Stream, as razões de um abandono], Le Monde diplomatique, maio 2015.

6  “Bosnie-Herzégovine: faillite à la russe de la raffinerie de Brod” [Bósnia-Herzegovina: falência à moda russa da refinaria de Brod], Le Courier des Balkans, 7 jan. 2015. Disponível em: .

7  Cf. “Privatizacja drzavnog kapitala u Bosni i Hercegovini”, Transparency International Bosna i Hercegovina, Banja Luka, 2009.

8             “Ces amis qui viennent du froid: le Monténégro, plate-forme de l’espionnage russe” [Esses amigos que vêm do frio: Montenegro, trampolim da espionagem russa], Le Courrier des Balkans, 1º ago. 2014.

Jean-Arnault Dérens  redator-chefe do Courrier des Balkans.

Laurent Geslin 

e jornalista do Correio dos Bálcãs



Ilustração: Reuters/ Serge Kapukhin

BOX 1
A guerra dos Bálcãs reencenada na Ucrânia

 

 A guerra do Donbass retomará uma cena interrompida nos Bálcãs? Todos os combatentes croatas entrevistados pela imprensa de Zagreb confessam o mesmo sonho: posicionar-se diante dos voluntários sérvios para reencenar na Ucrânia o conflito dos anos 1990. A maioria foi integrada ao batalhão ultranacionalista Azov.1 Entre eles, Denis Seler, ex-chefe dos Bad Blue Boys, os torcedores radicais do Dínamo Zagreb, para quem a Ucrânia seria “o último baluarte da direita cristã na Europa”.2

Segundo as autoridades de Belgrado, várias dezenas de sérvios lutariam assim, principalmente nas fileiras das milícias das “repúblicas populares de Donetsk e Lugansk”, as duas regiões secessionistas do Donbass.3 Esse afluxo de voluntários representaria uma espécie de pagamento de favor aos olhos das unidades de cossacos russos que combateram ombro a ombro com as forças sérvias. Igor Strelkov, funcionário superior da Direção-Geral de Inteligência russa (GRU) e ministro da Defesa da “República Popular de Donetsk” de maio a agosto de 2014, afirma que ele próprio aprendeu muito por lá de 1992 a 1993.

Aleksandar Savić, o “Svab”, não se faz de rogado para comentar as tatuagens que cobrem inteiramente seus braços e peito. Vemos aí santos ortodoxos, o retrato do ex-líder dos sérvios da Bósnia, Radovan Karadzić, duas cruzes e símbolos nacionais sérvios e russos. O homem, que nos recebe num café de Nis, ao sul da Sérvia, é o chefe do ramo sérvio dos Lobos da Noite, organização de motoqueiros russos criada há cerca de vinte anos. Ele estava na Crimeia no início de março de 2014. “Estávamos postados na estrada entre Balaclava e Sebastopol”, conta Radovan, “com a missão de patrulhar a zona a fim de evitar violências.” Parece que pelo menos três membros do movimento já foram expulsos da polícia sérvia por terem combatido na Ucrânia.

Os sérvios presentes no Donbass se reúnem em uma brigada de “hussardos” fundada por um ex-apresentador de televisão, Radomir Pocuca. Em abril de 2014, ele foi demitido do cargo de porta-voz da Unidade Antiterrorista (PTJ) do Ministério do Interior sérvio por ter instigado hooligans a atacar as “mulheres de negro” de Belgrado, uma organização feminista e antifascista. (J.-A.D. e L.G.)

1         “Ukraine: la ‘Légion Croate’ se bat dans les rangs du bataillon Azov” [Ucrânia: a “Legião Croata” luta nas fileiras do batalhão Azov], Le Courrier des Balkans, 16 fev. 2015. Disponível em: www.courrierdesbalkans.fr.

2  “Denis Seler: ‘Ukraine is the Last Bastion of the Christian Europe’” (Denis Seler: “A Ucrânia é o último baluarte da Europa cristã”), 9 dez. 2014. Disponível em: http://ukrainiancrusade.blogspot.fr.
3         “Serbian Mercenaires Fighting in Eastern Ukraine” (Mercenários sérvios lutando na Ucrânia oriental), Deutsche Welle, 14 ago. 2008. Disponível em: www.dw.de

Box 2
A Macedônia no centro do “grande jogo”

A

 

 crise que sacode a República da Macedônia desde o início do ano deve ser encarada à luz do confronto entre a Rússia e o Ocidente? O regime conservador e nacionalista desse frágil país multiétnico, vizinho do Kosovo, vem sendo abalado pelas revelações diárias do chefe da oposição social-democrata, Zoran Zaev. Segundo essas revelações, o primeiro-ministro Nikola Gruevski e seus colaboradores próximos organizam a corrupção no mais alto nível do Estado, vigiando e orientando a justiça e os meios de comunicação – em suma, saqueando o país. A origem dessas informações é controversa. Zaev afirma possuir um espião infiltrado nos serviços de inteligência, mas todos os olhares se voltam para misteriosos serviços estrangeiros que teriam resolvido ajudar a oposição. Desde o começo do mês de maio, esta ganhou as ruas exigindo a demissão de Gruevski e acampando diante da sede do governo da Macedônia – conforme um modelo que chega a lembrar o da “Revoluções das Cores”.

Gruevski e seu partido, a Organização Revolucionária Interior da Macedônia – Movimento Democrático de Unificação Nacional Macedônica (VMRO-DPMNE), venceram pela primeira vez as eleições em 2006. Reivindicavam então o duplo objetivo da integração à União Europeia e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Defendiam uma visão ultraliberal da economia, baseada em privatizações maciças e em um dumpingfiscal e social que atrairia milagrosos investimentos estrangeiros. Estes nunca apareceram; e a Macedônia, mergulhada na crise econômica, via sua candidatura euro-atlântica bloqueada pelo conflito não resolvido com a Grécia a propósito de seu nome.1

Diante disso, Gruevski reorientou sua política em um sentido cada vez mais nacionalista, exaltando o passado remoto do país, enquanto o regime se envolvia na espiral de um retrocesso autoritário. Há muito cortejado pelos ocidentais por causa da importância estratégica da Macedônia, Gruevski foi se tornando cada vez mais arredio no curso dos dois últimos anos. Aproximou-se então de Moscou – e de Belgrado, o que não deixa de ser irônico, pois ele se considera herdeiro de uma tradição política pró-Bulgária e violentamente contrária à Sérvia. Agora que o gasoduto Turkish Stream deve passar pela Macedônia, a Rússia passou a apoiar mais fortemente o governo de Skopje, denunciando as tentativas ocidentais de “desestabilização” do país. O primeiro-ministro parece querer ganhar tempo ao anunciar eleições antecipadas em resposta às manifestações. (J.-A.D. e L.G.)

1         Para Atenas, o nome “Macedônia” pertence de forma exclusiva ao patrimônio helênico. Em 1995, chegou-se a um acordo com o nome provisório de Antiga República Iugoslava da Macedônia (Arym). Desde então, as discussões não cessaram, sem progresso visível, sob a égide das Nações Unidas.


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