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310315 impResistir - [Prabhat Patnaik] Há uma visão, mesmo em círculos de esquerda nos países capitalistas avançados, de que o imperialismo como categoria conceptual perdeu sua relevância na era da globalização.


 Por um lado, as grandes burguesias em países do terceiro mundo como a Índia, estão tão profundamente integradas no projecto da "globalização" que suas contradições com o capital metropolitano estão muito mais atenuadas hoje do que anteriormente. No período imediatamente após a descolonização, por exemplo, burguesias do terceiro mundo isolaram o mercado nacional através de barreiras proteccionistas contra mercadorias metropolitanas e protegeram suas economias dos fluxos financeiros internacionais. Mas hoje elas prosseguem com satisfação políticas neoliberais. Por outro lado, os trabalhadores nos países capitalistas avançados são agora empurrados para a mesma triste situação dos trabalhadores nos países do terceiro mundo, onde aumentos na produtividade do trabalho não são correspondidos por quaisquer aumentos em salários reais, o que não era o caso anteriormente. Joseph Stiglitz por exemplo estima que hoje a taxa de salário real do trabalhador americano médio (homem) não é mais alta do que era em 1968 e possivelmente é um pouco mais baixa.

Em consequência, a divisão do mundo em dois segmentos geográficos diferentes, um dos quais domina o outro, frustrando mesmo as ambições da burguesia deste último, e cuja população trabalhadora também experimenta melhoria de padrões de vida em contraste com a do outro, não mais se sustém. Uma vez que, de acordo com esta visão, uma tal divisão é característica do fenómeno do imperialismo, o seu desaparecimento torna o próprio conceito obsoleto.

Há naturalmente muita diversidade teórica entre aqueles que questionam o pleno significado do conceito de imperialismo. Enquanto alguns confinariam o termo imperialismo apenas à fase da pré descolonização, quando esta divisão do mundo em dois segmentos diferentes e desiguais, com um a dominar o outro, era palpável, outros aceitariam sua relevância mesmo na fase da pós descolonização, isto é, mesmo na fase do dirigismo do terceiro mundo. Na verdade, o controle político chegara a um fim com a descolonização, mas eles reconheceriam nas tentativas da principal potência capitalista da época, os Estados Unidos, de "reverter" o dirigismo do terceiro mundo (adoptando o termo utilizado por John Foster Dulles num contexto diferente mas semelhante) e recusar tentativas do terceiro mundo de ganhar controle sobre seus mercados e recursos naturais, um claro projecto imperialista.

Toda a série de tentativas de derrubar governos progressistas do terceiro mundo que chegaram ao poder no período da descolonização, desde Cheddi Jagan da Guiana a Mossadegh do Irão, de Arbens na Guatemala e Sukarno da Indonésia e a Allende do Chile, sem mencionar as horrendas guerras impostas a países como a Coreia e o Vietname que estavam a iniciar-se num trajectória socialista de desenvolvimento, testemunharia para eles a realidade do imperialismo.

Mas agora, argumentariam, o mundo tornou-se totalmente diferente. Não há dúvida de que ainda há guerras horrendas, as quais foram impostas no período mais recente a um certo número de países pela principal potência capitalista, os Estados Unidos, dentre as quais as guerras no Afeganistão e no Iraque são exemplos óbvios; mas estas diferem das guerras anteriores uma vez que foram travadas contra forças fundamentalistas ou contra regimes ditatoriais, em grande media por razões políticas que supostamente não estão directamente relacionadas com cálculos económicos; e tais guerra muitas vezes obtiveram algum apoio local do povo pertencente aos próprios teatros da guerra.

E como regimes económicos em grande parte do terceiro mundo que estão a seguir políticas neoliberais estão a assim fazer não como "fantoches do imperialismo", e sim habitualmente sob a égide de governos eleitos pelo voto popular, e conseguiram mesmo em muitos casos taxas de crescimento substanciais, ultrapassando mesmo as dos próprios países capitalistas principais, ligar tais regimes e suas políticas a "imperialismo" é claramente injustificável. A época actual, por outras palavras, em contraste não só com a do período colonial mas mesmo com a do período dirigista pós colonial, não pode ser considerada como estando a cair dentro da era do imperialismo.

PERCEPÇÃO ERRADA

O problema básico com toda esta argumentação, contudo, é que a sua percepção de imperialismo está errada. O termo "imperialismo" não está ligado nem ao comportamento da burguesia do terceiro mundo nem à condição da classe trabalhadora nas metrópoles. De facto, na década de 1920 havia uma visão avançada por muitos teóricos importantes da Internacional Comunista de que o imperialismo começava a "acomodar" a burguesia do terceiro mundo. Esta visão foi chamada a tese da "descolonização", a qual naturalmente não significava o fim do colonialismo ou do imperialismo, mas apenas uma mudança na posição da burguesia terceiro-mundista em relação ao imperialismo. O ponto a destacar aqui não é se a tese da "descolonização" era ou não válida; o ponto é simplesmente que uma mudança na posição da burguesia não implica, e nunca se pensou que implicasse, num fim do imperialismo.

Além disso, a ideia de que o imperialismo está associado a fortunas divergentes das classes trabalhadoras nas metrópoles e na periferia não constitui uma característica definidora do imperialismo. Esta percepção é mantida pelos teóricos da "troca desigual", mas não por Lenine que via apenas um fino estrato de "aristocracia do trabalho" a beneficiar-se do imperialismo mas não a classe trabalhadora da metrópole como um todo. Portanto, num sentido essencial, o conceito de imperialismo nunca foi associado nem com quaisquer divergências nas fortunas da classe trabalhadora nem com qualquer "exclusão" das burguesias do terceiro mundo. O argumento de que a estagnação dos salários reais no primeiro mundo ou a integração da burguesia do terceiro mundo no corpo do capital financeiro internacional nega o conceito de imperialismo, é portanto destituído de base.

Dito de modo diferente, imperialismo implica a opressão, a opressão necessária, dos povos do terceiro mundo, das massas trabalhadoras, através da operação do capitalismo metropolitano. Como as burguesias do terceiro mundo se saem no processo, e como as fortunas dos trabalhadores do primeiro mundo se alteram sob o imperialismo, não são pertinentes para a definição de imperialismo.

Esta opressão dos trabalhadores do terceiro mundo pelo capital metropolitano não é alguma conspiração clandestina; é uma parte do próprio modus operandi do capitalismo. É errado portanto identificar imperialismo só com casos em que são engendrados golpes militares, ou em que é executadas intervenção militar por países capitalistas avançados ou pelo seu líder, os EUA. O imperialismo, muito embora possa, em certas ocasiões, dar origem a tais intervenções, ou à "diplomacia da canhoneira", não é idêntico à "diplomacia da canhoneira". Assim, o facto de nenhuns coup d'etats à ordem de algumas corporações multinacionais como a Union Minière (que era activa no Congo) ou a United Fruit Company (que era activa na Guatemal) ou a ITT (que era activa no Chile) possam ser citados em tempos mais recentes a acompanhar as acções destrutivas de tais corporações nos anos 50 e 60, não é um argumento contra o conceito de imperialismo. Imperialismo não é alguma ânsia por encenar golpes; é o próprio modo de existência do capitalismo.

CONTEXTO CONTEMPORÂNEO

No contexto contemporâneo ele abrange todo o conjunto de disposições que asseguram a operação desembaraçada e incontestada do capital financeiro internacional. Tal operação, é óbvio, inclui entre outras coisas a apropriação dos recursos de todo o mundo pelo capital financeiro internacional, mas também significa muito mais do que isto. Mesmo se o capital internacional controlasse todos os minerais e os outros recursos naturais do mundo, se houvesse um aumento substancial do poder de compra do povo trabalhador, especialmente no terceiro mundo, então suas procuras sobre estes recursos aumentariam, resultando numa ascensão nos preços de tais recursos. Uma tal ascensão de preços, entretanto, poria em risco o sistema financeiro do mundo capitalista.

Portanto não basta que recursos estejam nas mãos do capital internacional; além disso deve verificar-se que os povos trabalhadores dos países do terceiro mundo sejam impedidos de fazerem quaisquer reivindicações sobre eles. Isto é assegurado pelo neoliberalismo através da precipitação de desemprego e de cortes de salários reais entre os trabalhadores do terceiro mundo, o que força cortes no rendimento real dos camponeses e micro produtores do terceiro mundo. Dessa forma impõe-se o conservadorismo orçamental e a "austeridade" a nações-Estado de modo a que elas não estejam em posição de fazer "transferência de pagamentos" a favor da população trabalhadora, mas ao contrário devem provocar um aumento nos preços de um conjunto de serviços essenciais incluindo saúde e educação.

Intrínseco portanto ao neoliberalismo, o qual é uma característica chave do imperialismo contemporâneo, está um empobrecimento do povo trabalhador do terceiro mundo. É irónico ouvir em debates públicos na Índia a afirmação de que a busca do neoliberalismo, ao provocar uma aceleração na taxa de crescimento da economia, ajudará no alívio da pobreza: o neoliberalismo é suas políticas associadas são um instrumento nas mãos do capital financeiro internacional para manter baixos os rendimentos e o poder de compra do povo trabalhador. A "austeridade", como observou Noam Chomsky, é uma guerra de classe sem peias. Esperar que o neoliberalismo melhore as condições do povo trabalhador quando o seu objectivo é fazer exactamente o oposto é extraordinariamente ingénuo.

A ira do imperialismo contra os regimes dirigistas pós descolonização é explicável não apenas pelo facto de que eles estavam a tentar assegurar controle "nacional" sobre seus minérios e outros recursos, mas também porque, dadas as suas origens na luta anti-colonial e os compromissos assumidos para com o povo durante aquela luta, eles estavam, não importa em quão pequena medida, procurando efectuar alguma melhoria nas condições de vida do povo. E a arma básica do imperialismo contra tais regimes, além da intervenção militar sem rodeios, foi o desencadeamento de fundamentalismos religiosos, conflitos étnicos e outros meios igualmente reprováveis para dividir o povo. Mesmo enquanto encenava um golpe militar contra Mossadegh no Irão, ele utilizou a ajuda do Ayatollah Kashani; mais recentemente no Iraque utilizou o fundamentalismo xiíta para estimular o apoio ao derrube de Saddam Hussein. No Afeganistão ele utilizou uma coligação fundamentalista islâmica contra o governo PDPA e a União Soviética.

E quando algumas destas forças fundamentalistas, como o monstro de Frankenstein, começa a criar problemas para o próprio imperialismo, sua resposta invariavelmente é procurar novas forças fundamentalistas. O IS, acerca do qual muito se fala nestes dias, foi ele próprio encorajado pela secretária de Estado estado-unidense Condoleezza Rice como meio de se contrapor ao fundamentalismo xiíta, o qual fora igualmente encorajado pela mesma administração americana.

O imperialismo, em suma, fareja todas as linhas de fractura de uma sociedade do terceiro mundo e deliberadamente divide o povo de acordo com aquelas linhas. Esta é uma táctica a qual o imperialismo britânico recorreu amplamente durante o seu auge, incluindo na Malásia (como aconteceu) derrotar o levantamento revolucionário do pós-guerra através da promoção e exploração de contradições étnicas entre os malaios e os chineses. E o imperialismo americano está a utilizar a mesma táctica agora.

Em consequência, o imperialismo contemporâneo causa ao terceiro mundo não só uma pauperização (immiserisation) da população trabalhadora como também um processo de desintegração social.
29/Março/2015

[*] Economista, indiano


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