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290115 polisJornal Mudar de Vida - [Manuel Raposo] A onda de condenação do “terror islâmico” lançada pelos governos da UE e dos EUA atinge proporções de histeria. E a coberto disso são tomadas medidas de reforço da vigilância policial com evidentes efeitos imediatos sobre a liberdade de movimento dos cidadãos.


Em França, na sequência dos ataques em Paris, o governo decidiu contratar mais 2680 agentes para os serviços secretos, de segurança e de justiça e gastar com isso mais de 730 milhões de euros nos próximos três anos. Também a redução dos efectivos militares sofre uma travagem. Anuncia-se que mais de 3 mil pessoas “suspeitas” de jihadismo serão alvo de vigilância. Recentemente, uma criança árabe de 8 anos foi interrogada numa esquadra de polícia em Nice acusada de “apologia do terrorismo” depois de ter dito na escola que estava do lado dos homens que atacaram a redacção do Charlie Hebdo.
Por cá, também o Sindicato Nacional da Polícia, seguindo o conselho dos colegas espanhóis, recomenda aos agentes que andem sempre armados, mesmo nas horas de folga e em férias — tudo, uma vez mais, à conta das “ameaças terroristas”.

No plano geral da UE, hoje e amanhã (29 e 30 de Janeiro) tem lugar em Riga, Letónia, uma reunião de ministros do Interior e da Justiça para rever as normas do acordo de Schengen, aprovado em 1997, que estabeleceu a livre circulação dos cidadãos na Europa comunitária. De novo, os riscos do “terrorismo” são invocados como pretexto para vigilância das fronteiras, mas quem assim argumenta esquece que foi a partir de dentro e por iniciativa de cidadãos da UE que os ataques foram desencadeados. Na verdade, a revisão do tratado de Shengen significa um policiamento mais apertado sobre toda a população europeia, como será o caso dos passageiros de aviões, cujas identificações se pretende que sejam sistematicamente fornecidas às polícias.

Todas estas acções têm o objectivo claro de amedrontar a opinião pública dos países ocidentais e fazê-la aceitar duas coisas: uma, são as medidas de controlo policial que serão aplicadas a todos os níveis aos cidadãos europeus; outra, são as ocupações militares e os ataques em curso no Médio e Próximo Oriente e em África.

Há vítimas e vítimas

Em tudo isto, o Ocidente faz de vítima. “Massacre” foi palavra repetidamente usada para designar os atentados de Paris, em que morreram 17 pessoas, quando nos bombardeamentos à Líbia, por exemplo, desencadeados pelo presidente francês Sarkozy, foram liquidadas centenas de pessoas.

Diante da falta de pudor com que o Ocidente chora os seus mortos ao mesmo tempo que despreza as suas vítimas, importa mostrar que o terror praticado pelas forças islâmicas não tem proporção com o terror levado a efeito pelas máquinas de guerra ocidentais. A degola de europeus e norte-americanos no Iraque, os atentados suicidas no Afeganistão, os raptos na Nigéria, os mortos recentes de Paris, etc., por muito bárbaros que sejam, ficam a milhas de distância do terror de larga escala, visando as populações civis, praticado por europeus e norte-americanos.

Recordemos então alguns exemplos do terror industrial praticado pelo colonialismo e pelo imperialismo.

Bombardeamentos regulares

Só desde 1980, os EUA e os seus aliados na UE levaram a cabo ataques aéreos contra os seguintes países: Irão (1980, 1987-1988), Líbia (1981, 1986, 1989, 2011), Líbano (1983), Kuwait (1991), Iraque (1991-2011, 2014-), Somália (1992-1993, 2007-), Bósnia (1995), Afeganistão (1998, 2001-), Sudão (1998), Kosovo (1999), Jugoslávia (1999), Iémen (2000, 2002-), Paquistão (2004-), Síria (2014-).

Afeganistão

Em 13 anos de ocupação do país pelos EUA e forças da NATO, calcula-se que o número de civis afegãos mortos esteja entre 14 e 34 mil. O ataque às Torres Gémeas, em Nova Iorque, pretexto que os EUA usaram para invadir o Afeganistão, matou menos de 3 mil norte-americanos.

Iraque

O ataque dos EUA e Reino Unido em 2003 teve o nome de código “Choque e pavor”. Milhares de mortos só nesta ofensiva. Nos anos seguintes, mais de um milhão de iraquianos morreram em consequência da ocupação. Antes, em 1991 e nos anos seguintes, todas as infraestruturas do país foram destruídas; mais de 500 mil crianças morreram por falta de assistência. Uso pelos EUA e Reino Unido de munições radioactivas; cancros na população civil crescem exponencialmente.
Guantânamo, Abu Ghraib, voos da CIA são sinónimos de prisão arbitrária, tortura, execuções sumárias.

Líbia, Síria

França, Reino Unido e EUA bombardeiam a Líbia em Março de 2011 para derrubar o presidente Kadafi, provocando milhares de mortos nas principais cidades. As infraestruturas do país foram destruídas e desde então a vida dos líbios é um caos.
Também em Março de 2011, aqueles mesmos países promovem a guerra civil na Síria com o fim de derrubar o presidente Assad. Já morreram mais de 200 mil sírios.

Palestina

O ataque de Israel a Gaza em 2008 chamou-se “Chumbo derretido”. Desde 2004, Israel desencadeou 16 operações militares de envergadura causando mais de 4.400 mortos palestinos. Nos mesmos 10 anos morreram 20 civis israelitas com ataques de rockets lançados a partir de Gaza.

Líbano

Em 2006, Israel invade o país e mata 1.200 pessoas. Massacre, em 1982, de refugiados palestinos em Sabra e Chatila, conduzido por Israel, causa 3.500 mortos.

Indochina

França e depois os EUA levam a cabo uma guerra no Vietname, Laos e Camboja desde 1946 até 1975. Sucessivos massacres de civis. Morrem 3 a 4 milhões de vietnamitas e mais 2 milhões de laocianos e cambojanos. EUA usam armas químicas com efeitos a longo prazo, até hoje.

Coreia

De 1950 a 1953 EUA conduzem uma guerra contra a Coreia do Norte e a China causando 2 a 3 milhões de mortos e feridos civis. Documentos secretos dos EUA desclassificados em 2003 confirmam o uso de armas químicas e bacteriológicas.

Iémen, Paquistão, Somália, etc.

EUA usam drones para bombardear forças inimigas. A morte de civis é protegida pela “doutrina” de que não há provas de esses civis não serem cúmplices dos alvejados.

Argélia

Levantamento independentista em Maio de 1945 causa 107 mortos entre os colonos franceses. A França (potência colonizadora) reprime os argelinos causando possivelmente 40 mil mortos. Até à independência da Argélia, em 1962, a tortura e o massacre de civis foram amplamente praticados pelos ocupantes franceses. Vítimas civis: um milhão.

Guerra colonial portuguesa

Em Fevereiro de 1961, na Baixa do Cassange, Angola, milhares trabalhadores dos campos de algodão da companhia luso-belga Cotonang entram em greve e sublevam-se. O protesto é reprimido pelo exército e força aérea (que bombardeia as aldeias com napalm) causando milhares de mortos, possivelmente 10 mil.
Em Março do mesmo ano, a União dos Povos de Angola subleva-se, matando mil colonos; em resposta, os colonos e a tropa portuguesa, entre Março e Setembro, massacram 20 mil angolanos.
Em Dezembro de 1972, as tropas portuguesas massacram 450 pessoas em Wiriyamu, Juwau e Chawola, três aldeias de Moçambique.


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