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180814 Gershon1Israel - Opera Mundi - [Patrícia Dichtchekenian] Após fugir da Alemanha, aos 3 anos, ele cresceu na Palestina britânica, vivenciou criação de Israel, participou da Guerra dos Seis Dias e viu de perto morte de Rabin.


“Esse é um assunto bem delicado”, começa Gershon Knispel, ao se sentar em um sofá com estampas tribais na sala do próprio apartamento no bairro de Higienópolis (centro de São Paulo), ajeitando as pantufas. Pintor, escultor, desenhista, judeu e crítico do governo israelense, Knispel tem vigor humanista e opiniões contundentes.

Para ele, não adianta ver o atual conflito entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza “sem entender os seus arredores históricos”. “O problema que temos não é de hoje e esse assunto não pode ser resolvido no campo de batalha. Israel já mostrou pela força que sempre vai ganhar. Mas, com que quantidade de vitimas? Vencer uma guerra dessas não é uma vitória”, acredita.

E essas palavras carregam a experiência de quem nasceu na Alemanha de 1932, no começo das perseguições a judeus, e partiu aos três anos para a então Palestina sob mandato britânico. Lá, fez parte do Exército na criação do Estado de Israel, em 1948, foi repórter na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e estava na multidão do comício de Yitzhak Rabin, em Tel Aviv, onde o premiê foi assassinado, em 1995.

“Na época em que me mudei para a Palestina, árabes e judeus viviam em harmonia completa”, lembra Knispel. Em 1935, o artista foi morar na cidade litorânea de Haifa, uma região de predomínio árabe. “Meus melhores amigos eram árabes. Grande parte deles se refugiou em Gaza. Fico louco com cada bomba que cai lá, pensando neles. Eram como uma família pra mim”.

Anos mais tarde, Knispel vivenciou o clima de fervor com a criação do Estado de Israel, a partir do Plano de Partilha da Palestina da ONU, em novembro de 1947. A proposta era a divisão em duas terras: uma para os judeus e, outra, para os árabes palestinos. No entanto, tal projeto jamais foi devidamente concretizado.

“Quando criamos o Estado de Israel em 48, a luta principal era para acabar com a ocupação dos ingleses. Nunca achei que, quando fôssemos expulsar os ingleses ocupantes, nós mesmos iríamos fazer uma nova ocupação de cidadãos palestinos”, conta Knispel. “Esses palestinos tinham por direito de criar seu Estado pela decisão da ONU. Isso foi ignorado pelos israelenses”, lamenta.

Experiência tropical

Knispel brinca que foi para o mundo das artes por nunca ter sido um “bom aluno”. Em Jerusalém, estudou na Academia de Arte de Bezalel e destacou-se como artista em Haifa.  Em 1958, ganhou um concurso internacional elaborado por Assis Chateaubriand para a realização de um painel de sete metros de altura para o então edifício-sede da TV Tupi, no bairro do Sumaré (zona oeste de São Paulo).

Leitor assíduo de Jorge Amado em Israel e admirador de artistas como Cândido Portinari, Knispel logo partiu para o Brasil, onde ficou amigo de personalidades como o arquiteto Oscar Niemeyer e o poeta Haroldo de Campos. Este último, quando visitou o ateliê do artista judeu em São Paulo, escreveu ali mesmo o poema “O Labirinto de Gershon Knispel”.

Conhecido nos círculos intelectuais como o “jovem e talentoso comunista israelense”, Knispel se apaixonou pelo país e participou de movimentos de esquerda e do cenário artístico. Contudo, em virtude do Golpe Militar, partiu para Israel em abril de 1964, voltando ao Brasil somente 30 anos depois.

“Knispel enfrenta as dificuldades como um muralista atuante dentro da cidade de São Paulo. Não se recusa a uma oportunidade para colocar sua contribuição humana da maneira mais íntegra. Dentro do plano de humanização de nossas cidades, é difícil não levar em conta esses apelos figurativos e monumentais”, escreveu Niemeyer na revista Acrópole, em 1964.

A armadilha de 1967

Em Israel, o panorama político também era complexo. Para o artista, a Guerra dos Seis Dias, em 1967, foi um divisor de águas para o país. “Em 1967, mudaram os fatos: Israel se tornou um país ocupante de toda terra que era pra ter sido dada aos palestinos, habitantes daqui há milhares de anos”, relata.

Aos olhos de Knispel, trata-se de uma “armadilha” da qual Israel não consegue mais sair. “Hoje, se você quer dois Estados para dois povos, é preciso retirar as colônias, por exemplo, mas nenhum político vai querer fazer isso, porque não ganharia as eleições”, reflete. “Israel está acabado desde 1967. Foi um erro tomar o Golã e os outros territórios”, diz.

Rabin e Arafat: sonho de paz

Knispel acredita que Yitzhak Rabin, premiê israelense nos períodos 1974-1977 e 1992-1995, e Yasser Arafat, ex-presidente da OLP (Organização para a Libertação da Palestina), foram os únicos líderes que tinham capacidade de convencer os povos de Israel e da Palestina sobre uma efetiva solução para o conflito.

“Arafat era o único líder palestino que tinha capacidade de unir todos os lados da politica palestina, até os mais nacionalistas e extremistas do Hamas e outros grupos. Por sua vez, Rabin tinha a vantagem de ser um líder que ganhou o apoio de todo povo de Israel. Esses dois conseguiam unir todos – da esquerda para a direita”, afirma.

Os dois líderes assinaram juntos os tratados de paz de Oslo entre 1993 e 1995, mas as negociações foram interrompidas com o assassinato de Rabin por um militante judeu da extrema-direita, em 1995. “Depois que Rabin foi assassinado, Arafat foi isolado. Nessa hora, acabou toda possibilidade de realizar nosso sonho de paz entre palestinos e israelenses”, lamenta o artista.

Knispel acredita que, depois desse episódio, deu-se início a um processo que levou ao crescimento de radicalismos. “De um lado, temos o Hamas: violento, extremista e provocativo que quer acabar com Israel;  de outro, temos os fundamentalistas da direita de Israel que agora tomaram o poder”,  compara.

Teoria do suicídio

Para o artista judeu, desde a morte de Rabin, a direita israelense passou a dominar a opinião pública com a ideia de uma “Israel completa”, isto é, de um princípio que defende um território israelense que vá desde o mar Mediterrâneo até a fronteira com a Jordânia, ignorando um Estado árabe palestino.

Contudo, Knispel acredita que isso resultaria em um verdadeiro “suicídio” do princípio do Estado judeu. “Se você anexa o outro lado da Palestina, temos uma maioria árabe. É impossível manter, então, um governo judeu. Ou vai ser um apartheid, ou vai ser um suicídio completo. Quanto tempo Israel sobreviveria?”, reflete.

“Eu acho que esse governo vai acabar com Israel. Especialistas em demografia têm certeza absoluta de que dentro de 10 ou 15 anos, Israel inteira vai ter maioria árabe. Se dentro dessa concepção de governo, eles querem manter a ideia de ‘Israel completa’ e ignoram um povo que tem um direito oficial pela ONU de criar um Estado chamado Palestina, judeus ficarão em minoria. Isso é um fato”, diz.

Knispel ainda recorda que um dos principais parceiros de Israel são os Estados Unidos. Entretanto, o artista acredita que o enfraquecimento do país norte-americano no panorama geopolítico e econômico deveria ter sido levado em conta. “Um bom estadista não é um bom político, mas é aquele que olha pro futuro. Os dias dos EUA estão contados e o futuro é a China. E quantos judeus têm na China? Qual é lobby judeu no país asiático ?”, questiona.

Perspectivas de paz

Na obra do artista, a denúncia do Holocausto, que resultou na morte de diversos familiares dele, é um tema permanente. “Suas pinturas monumentais, esculturas e obras públicas são um grito permanente de alerta contra o totalitarismo. Os fantasmas dos campos de concentração nazistas permanecem até hoje assombrando Knispel”, afirmou o presidente do Memorial da América Latina, o cineasta João Batista de Andrade, na ocasião do lançamento da exposição "Testemunhos", de Knispel, em 2013.

Sempre com olhos no passado, Gershon Knispel compara uma possibilidade de paz entre israelenses e palestinos aos acordos entre judeus e alemães após a Segunda Guerra Mundial, quando seis milhões de judeus foram mortos por nazistas.  

“Se os alemães fizeram essa besteira e os judeus conseguiram fazer acordos com eles poucos anos depois, com tudo ainda tão fresco, então, por que não ter paz com palestinos? O que os eles fizeram contra nós? Mataram seis milhões? Imagina! Nós, judeus, matamos muito mais que eles. Observe a vida que eles levam há mais de 60 anos”, critica.

Outro exemplo dado por Knispel é a relação entre Israel e Egito.  “Já fizemos paz anteriormente com árabes. Por exemplo, com o Egito. Como foi feita a paz nesse caso? Devolvemos a terra que ocupávamos e, nessa hora, voltamos a ter paz com os egípcios. É simples”,  resume. “O problema é que cortaram a Palestina em pedaços que não têm mais coerência. Tudo que era território na Cisjordânia os colonos destruíram. Hoje, a Cisjordânia mais parece um queijo, cheio de buracos. Como você pode fazer negociações de paz com um país que pega cada vez mais territórios? O atual governo vai acabar com Israel”, conclui.


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