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otpor-serbiaUcrânia - Contrapoder - Em Belgrado, Sérvia, há um gabinete em que um grupo de pessoas preparam as revoluções de cores que levam uma década derrocando governos no leste da Europa e no Oriente Médio.


Esta afirmação, que poderia encabeçar qualquer obra de fição conspiratória, é, porém, tão real que produz incredulidade e assusta a partes iguais. Podem acaso ser preparadas as revoluções num escritório a milheiros de quilómetros do lugar? E, se isso for possível, quem financia essa maquinaria formidável e, portanto, quem a controla?

Otpor e Canvas: revoluções a domicílio

Quem reflexione sobre tal multiplicação de cor anti-governamental operada em apenas dez anos poderá intuir, facilmente, que não se trata de qualquer casualidade. Ao contrário: a maioria destas «revoluções» de cores, como a que agora pretensamente corre na Ucrânia — cuja cor está ainda por anunciar —, estão relacionadas entre si, e possuem uma ligação sérvia da que muito poucos meios querem falar.

 

Essa ligação é CANVAS, uma organização com sé em Belgrado, que se autoproclama herdeira de Gandhi e Martin Luther King e que foi fundada em 2004 por Slobodan Djinović e Srdja Popović, dous estudantes sérvios provenientes da organização estudantil direitista Otpor! (Resistência!) que então se opunha ao governo da Jugoslávia e que, certamente, jogou um papel importante na hora de dar para os meios ocidentais e internos da oposição as melhores cabeceiras e as melhores imagens possíveis da brutalidade do governo balcânico. Pretender, por enquanto, que Otpor! derrubou o governo de Milošević e portanto fez cair a Jugoslávia é obviar deliberadamente o papel imperialista da NATO e os interesses regionais dos Estados Unidos e da nascente União Europeia. Mas isso é o que os seus responsáveis e atuais dirigentes de CANVAS contam a quem quiser escutar, em entrevistas por toda a parte, e até em recepções de prémios tão revolucionários como os Free Your Mind da emissora estadunidense de televisão musical MTV.

O relato é mais ou menos este: surpreendidos e confiados pola potência da mobilização não-violenta contra Milošević, Srdja Popović e Slobodan Djinović criaram um instituto (CANVAS) para exportarem o knowhow — sic — sérvio a todo o planeta. Com um programa educativo baseado nas ideias de Gene Sharp, da Albert Einstein Institution, e no concepto de political jiu-jitsu 1, e com o punho do Saruman de Tolkien por logótipo2, a realidade é que CANVAS tem hoje presença em 37 países que se saiba (50 se acreditarmos nas declarações de Srdja Popović, a sua cara visível), e tem criado réplicas do Otpor! originário em vários países: Kmara na Geórgia, Pora na Ucrânia, Zubr na Bielorússia, Mjaft na Albânia, Oborona na Rússia, KelKel no Quirguistão, Bolga no Uzbequistão, Gong na Croácia ou Pulse for Freedom no Líbano. Todas elas, organizações que tentam derrocar os seus governos desde posições conservadoras ou liberal-conservadoras. Não é por acaso que Kmara, implicada na revolução rosa, terminasse sendo engolida polo partido do conservador de Saakasvili, ou que Pora — na Ucrânia — esteja relacionada de forma evidente com Vitali Klitschko, um dos líderes conservadores que nestes dias bloqueiam as ruas de Kiev contra o governo do presidente Yanukovitch.

Quem financia as revoluções de cores?

Se repararmos nos países de que estamos a falar, da Sérvia para o Líbano, podemos observar como nos movemos continuadamente à volta de aqueles que fizeram parte do Pacto de Varsóvia ou que se estavam na órbita da URSS — hoje da Rússia. Para averiguar quem financia CANVAS e, portanto, quem a controla, só necessitamos perguntar-nos que organizações ou que países têm interesse em produzirem mudanças de governo ou de sistema na órbita da antiga União Soviética e compararmos o resultado com as fontes de financiação que CANVAS reconhece abertamente, entre as quais o International Republican Institute — do Partido Republicano dos EUA —, que teria financiado CANVAS con 1,8 milhões de dólares, ou o National Endowment Democracy, um organismo dependente do Departamento de Estado dos EUA do que consta documentadamente uma transferência de 3 milhões de dólares.

As ligações com organizações e entidades norteamericanas, porém, não param aí. Na documentação revelada por Wikileaks e publicada por meios tão pouco suspeitos de contra-hegemónicos como o Washington Post ou The Guardian aparecem também o Open Society Institute dirigido polo senador norteamericano George Soros; a Albert Einstein Institution, a Democracy Research Guide, o National Democratic Institute for International Affairs, ou a USAID, a organização do governo norteamericano expulsa de países como Bolívia acusada de ingerência estrangeira.

Ademais, as revelações de Wikileaks situam, desde 2007, Popović e a organização que lidera na órbita interna de Stratfor, a contratista de defesa conhecida como uma espécie de shadow CIA propriedade do banco Goldman Sachs e ligada diretamente ao Partido Republicano dos EUA desde a presidencia de George W. Bush, e que continua hoje, sob a administração de Barack Obama.

CANVAS defende-se das acusações alegando ser apenas uma consultoria para a oposição não violenta, incluindo seminários que põem como modelo Gandhi ou o EZLN. Para além da estranha ligação da não violência com o Exército Zapatista, na realidade, a inclusão entre os seus seminários de pessoal do USA Institute for Peace, dependente do exército dos Estados Unidos, o manejo de armamento convencional e de guerra por parte de «rebeldes» no Egito, os campos de treinamento na Hungria desvelados por vários jornais locais ou as declarações de Sinisa Sikman, outro dos membros de CANVAS, a respeito do envolvimento desta organização no atual golpe de Estado em Kiev apontam noutro sentido bem diferente. E não só. Porque as denuncias não deixam de se acumular, inclusive fora da Europa do Leste. Na primavera árabe que tombou o governo de Mubarak estavam presentes os logótipos de Otpor!, do mesmo modo que estavam nas revoltas induzidas que tentaram abalar o governo de Hugo Chávez em 2007. E não só: a Tailândia, o Tibete, e certos setores de Occupy Wall Street e da oposição palestiniana parecem também terem sido alvo destas atividades ingerencistas disfarçadas de revoluções coloridas das que só parcialmente se encontram informações.

***

Uma cousa é evidente. CANVAS não desenha as suas revoluções por meio de escuros conspiradores ao estilo dos filmes de série B. Apenas seleciona pessoas entre quem se revolta contra os seus governos —sempre que esses governos sejam contrários aos interesses dos Estados Unidos e do seu corporativismo, e treina-as com suporte da CIA, do exército estadunidense e de um variado leque de organizações e entidades civis dirigidas pola oligarquia dos EUA, prontas para deixarem fluir o dinheiro que faz — ele sim — mover qualquer maquinaria na direção desejada. Em conclusão, o que CANVAS faz é fornecer os atores e as atrizes da narração hollywoodiense que as grandes corporações da comunicação, de Reuters a SkyNews, utilizam para criarem o monstro e a necessidade internacional de intervir. Aconteceu na Jugoslávia, no Egito, na Síria — onde também se chegou a ver a mão do Saruman de Tolkien — e agora, sem qualquer dúvida, está a acontecer na Ucrânia. Não é magia. É engenharia social.

Notas:

1. Gene Sharp chama «political jiu-jitsu» a situação em que a oposição consegue aumentar a sua unidade e apoio público evidenciando a tirania do regime, quer através da criação de mártires, quer através da entrada em jogo de terceiras forças nacionais ou estrangeiras que simpatizam com essa oposição e começam a pressionar o governo. 
2. O punho de Saruman, que pode ver-se na imagem que acompanha neste artigo, esteve presente como logótipo na imaginaria de todas as organizações criadas por CANVAS, inspiradas em Otpor!

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