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100413 cornorCoreia do Norte - Correio da Cidadania - [Luiz Eça] Vamos voltar para 1953.


Foi quando terminou a Guerra da Coreia com um armistício, um simples acordo de não agressão que equivale a uma interrupção das hostilidades, as quais, aliás, poderiam ser retomadas a qualquer momento.

Tendo começado em 1950, a guerra opôs as duas Coreias entre si, sendo que a do Norte – comunista – contou com a ajuda do exército chinês, e a do Sul – capitalista –, com forças estadunidenses e de 26 outros países da ONU.

Os EUA se envolveram profundamente no conflito. Seus bombardeiros despejaram uma média diária de 800 toneladas de bombas e napalm, mais do que na guerra contra o Japão.

Foram destruídos quase todos os prédios públicos norte-coreanos e, muito mais grave, mortos cerca de 1.550.000 habitantes do país.

O horror que os bombardeios estadunidenses provocaram no povo foi cultivado nos anos subsequentes pela imprensa e os políticos da Coreia do Norte.

Desde 1953, há 60 anos, portanto, uma propaganda maciça estimula no povo o medo de uma nova agressão dos EUA, com os morticínios e destruições que causaram no passado.

Este sentimento é reforçado pela existência de bases na Coreia do Sul, onde a Casa Branca tem mantido entre 25 mil e 60 mil soldados, desde 1953. Prontos para atacar a vizinha Coreia do Norte, no entender do povo do país.

Outra linha-mestra da propaganda oficial tem sido acusar o imperialismo norte-americano e seus lacaios sul-coreanos pelos principais males da região.

A fome, a falta de habitações, a crise de eletricidade, tudo seria consequência das manobras internacionais dos EUA contra o governo de Piongiang.

Agora, vamos saltar para 1998.

Nesse ano, o então presidente Kim Jong Il resolveu tornar seu país a primeira “monarquia” comunista, garantindo sua sucessão para seu filho Kim Jong-un.

Para dobrar a resistência dos líderes partidários, ele buscou o apoio dos militares, que constituem uma classe extremamente poderosa na Coreia do Norte.

Ele o ganhou modificando a Constituição para reduzir os poderes do Partido Comunista em favor da Comissão de Defesa Nacional – onde os militares são maioria.

Essa situação, o chamado sistema songun, na qual uma junta militar de fato divide o governo com o presidente, se manteve até agora, com Kim Jong-un dando as cartas, a partir da morte do pai.

Nos últimos meses, porém, anuncia-se uma grande quebra na colheita de cereais. A fome será inevitável, espalhando sofrimento e raiva por todo o país.

Embora muita gente pense o contrário, mesmo nos sistemas autoritários a revolta do povo ameaça a estabilidade do regime.

Além de ter de lidar com esse problema, Kim Jong-un está diante de outro, tão ou mais grave: sérias tensões entre o exército e o partido. É difícil dizer de que lado ele está.

No ano passado, Kim Jong-un foi alvo de uma tentativa de assassinato, cuja autoria não foi esclarecida. É certo que o ditador está sob forte pressão.

Uma prova é a demissão do general Kim Yong Choi do importante Birô Geral de reconhecimento e sua súbita e inesperada reabilitação.

Outra vem da íntima ligação de Kim Jong com seu tio, Jang Sung Taek, o vice- presidente e número 2 do regime.

Firme aliado da China e adepto das reformas econômicas de Pequim, Jang Sun Taek já declarou desejar sua aplicação na Coreia do Norte.

Seria uma mudança total no sistema.

Para poderosas forças no partido e/ou no exército, essas ideias representam verdadeiros sacrilégios.

Temem que o presidente também pretenda imitar as políticas chinesas. Por isso mesmo, ele estaria prestigiando tanto o seu tio.

Fragilizado pela fome que começa a crescer no país, Kim Jong-un tem de enfrentar as desconfianças e pressões desses grupos.

O caminho que ele parece ter escolhido foi desafiar os EUA, inimigo número 1 da Coreia do Norte.

Apresentando-se como o defensor do povo contra as tenebrosas maquinações e agressões dos EUA e seus fantoches sul-coreanos, o jovem presidente visa conquistar “hearts and minds” dos norte-coreanos.

Quando ele ameaça atacar, atingindo até o território dos EUA com seus mísseis, mostra-se como um verdadeiro herói, um Davi enfrentando o Golias ianque.

Essa postura tem também outro alvo: os militares e/ou os radicais do partido, de um lado satisfazendo sua belicosidade, do outro usando a pressão popular para forçá-los a aceitar a hegemonia de Kim Jong-un.

Lembre-se que a guerra verbal do governo não foi desencadeada gratuitamente. Primeiro, anunciou testes com novos mísseis de longo alcance.

Para o público interno, era uma medida defensiva contra um inimigo que mantinha ameaçadoras bases militares em volta de suas fronteiras.

Os EUA não concordaram, consideraram uma atitude agressiva. Mobilizada por eles, a ONU decretou sanções punitivas contra a Coreia do Norte.

Que respondeu fazendo um teste nuclear subterrâneo. Vieram novas sanções. E, a seguir, os EUA pisaram na bola.

Realizaram jogos de guerra com a Coreia do Sul, cujo tema era o bombardeio da Coreia do Norte, usando, inclusive, dois aviões B-2, com capacidade nuclear.

Claro, o presidente norte-coreano aproveitou a deixa para elevar o tom de suas ameaças e, consequentemente, sua imagem junto ao povo norte-coreano.

Como vai acabar isso, não se sabe. É de se crer que Kim Jong não pode, de repente, calar a boca e dar o dito por não dito. Seu cargo ficaria em risco.

Será necessário que os EUA atendam a, pelo menos, alguma parte das reivindicações tradicionais da Coreia do Norte, que são:

1 - assinatura de um tratado de paz entre as duas Coreias, com troca de embaixadores e reconhecimento diplomático da Coreia do Norte pelos EUA. Isso implicaria na supressão de todas as sanções e na liberação total do acesso da Coreia do Norte ao mercado internacional;

2 - fechamento das bases estadunidenses na Coreia do Sul, tornadas desnecessárias depois de as duas Coreias fazerem as pazes. Sua existência, queira-se ou não, representa uma ameaça permanente aos norte-coreanos;

3 - unificação dos dois países. Houve uma época em que eles estavam se relacionando até que bem. A Coreia do Norte propôs então que a divisão desaparecesse, conservando cada lado seu regime. Em outras palavras seria: um Estado, dois regimes. Comunista ao norte, capitalista ao sul. Parece absurdo.

Em todo o caso, a ideia não foi adiante porque os EUA se opuseram e o governo de Seul docilmente voltou atrás.

Há bons motivos para os comunistas serem favoráveis: sendo parte de um país unificado, a pobre Coreia do Norte se beneficiaria do apoio econômico da rica Coreia do Sul.

Não sabemos se atualmente o governo de Piongiang quer o fim da divisão. Provavelmente, não.

É de se crer que, havendo paz, a reunificação poderá acabar sendo avaliada.

Qualquer uma destas propostas dificilmente será integralmente aceita.

Para os interesses geopolíticos dos EUA é importante que a Coreia do Norte continue sendo a ovelha negra, que assusta Japão e Coreia do Sul. Sobretudo agora que a Coreia do Norte pode ter armas nucleares.

Assim, eles continuarão acolhendo bases estadunidenses em seu território para defendê-los de supostas agressões.

Segundo o secretário da Defesa, Chuck Hagel, a presença militar dos EUA não pode ser reduzida.

Ele disse: “a América não pode se dar ao luxo de retrair – temos muitos interesses globais em risco, inclusive nossa segurança, prosperidade e futuro”.

É de se crer que, depois de muitas ameaças de parte a parte, a Coreia do Norte poderá conseguir um novo armistício, com levantamento das sanções, mediante compromisso de não brincar mais com armas nucleares.

Talvez ganhe de presente algumas toneladas de cereais.

E la nave va.

Luiz Eça é jornalista.


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